sábado, 28 de maio de 2016

Capítulo Quarenta e Dois

Capítulo 42: Fugindo de Solaris



Fei logo descobriu que não ter mais a ajuda de Elly não era ruim apenas porque se acostumara à presença da moça e porque lhe parecia estranho fazer qualquer coisa que fosse sabendo que ela não estaria mais ao seu lado; ao ganhar as ruas de Solaris e ter que ler sua sinalização, e agir como Elly aconselhava para não despertar suspeitas, Fei sentiu-se terrivelmente confuso por um momento.
“Sempre soube que ia ser assim – ele sacudiu a cabeça, organizando as idéias – A Rainha Zephyr e até o Bart já tinham mencionado que ia ser difícil pra Elly lutar contra Solaris. Uma coisa era enfrentar Gears desconhecidos ou do ‘Ethos’, e outra bem diferente foi ter que ir contra a própria família. Não, isso deve ser o melhor pra ela”.
O conhecimento da verdade não bastava, no entanto. Era melhor se concentrar no que tinha diante de si, encontrar os amigos e libertá-los como pudesse... e esperar que Elly dessa vez o ouvisse, e abandonasse o exército.
O caminho lógico a se seguir era o inverso do que tinha feito para chegar até ali, e ele procurou se recordar do prédio por onde ele e Elly tinham passado por um sensor de DNA. Ainda estava pensando em como enganaria o aparelho desta vez quando uma voz rude o interrompeu:
_ Ei, você!! Não é aquele da cerimônia de dedicação...?
Fei praguejou em silêncio. Estivera agindo de forma natural e esperando se misturar com a multidão, mas não levara em conta que ao fazer aquela trilha ao contrário, estava se dirigindo para um local com vigilância maior e menos público com o qual se confundir. Antes que pudesse responder, o guarda apontou-lhe uma arma de cano duplo.
_ Você está preso! Agora, passe por aquela porta!!
Por coincidência, era a mesma passagem que pretendia tomar. Tanto melhor, então. Depois que deixasse a área vigiada, daria um jeito de dominar o outro. Estava mesmo com disposição para uma briga depois dos acontecimentos recentes, e não causou problemas até que estivesse do outro lado, entre o sensor de identificação e o guarda.
_ Não posso atravessar essa passagem... O que pensa que vai fazer comigo?
_ Como eu suspeitava. Você não sabe de nada...!
E, diante dos olhos desconfiados de Fei, o guarda removeu o capacete branco que até então ocultara suas feições, revelando um rosto sorridente por trás de óculos de lentes quádruplas.
_ Doc!! Citan, por que está aqui?
_ Eu vi a imagem de Bart na Avevisão durante a cerimônia.
_ Então você também viu, Doc?
_ Sim. Mas não vi você, ou Elly. Pouco depois, eu ouvi que havia um intruso no segundo andar da Área Arebato. Suspeitei que provavelmente fosse você, então esperei aqui. Depois daquilo, não ouvi coisa alguma sobre a captura de qualquer outro intruso.
_ Incrível – Fei sorriu – E como soube que eu viria pra cá?
_ Bem – Citan ajeitou os óculos sobre os olhos – a melhor rota possível para penetrar no Palácio é através da comporta de lixo. E, para retornar ao terceiro andar, alguém teria que passar por esta torre de observação. E, aproveitando o momento...
Citan cruzou os braços, a expressão entediada.
_ Você acha que poderia, se possível, ser um pouquinho mais sutil? Quando se infiltra em terreno inimigo, a coisa mais básica a se fazer é agir de forma imperceptível. Com toda a comoção que causou, você poderia até despertar os mortos.
_ Bom, na verdade – Fei baixou a cabeça, embaraçado – eu estava tentando ser sutil...
_ A propósito, o que aconteceu com Elly? Ela não estava com você?
Fei voltou-se, olhando para o sensor de identificação. Sem Elly ele não teria passado por ali anteriormente... mas não poderia mais contar com ela.
_ Elly... Ela voltou pra casa. Ela realmente não devia ter qualquer relação conosco, habitantes da terra. Ela já tem pais tão maravilhosos...
_ Entendo – Citan respondeu, compreendendo mais do que tinha acontecido do que Fei quisera dizer – Sim. Pode ter sido melhor para ela desta forma. Vamos, então, para a calha de lixo. Um instante, Fei...
Citan passou pelo sensor de identificação sem qualquer cerimônia e digitou algo num painel lateral, e Fei percebeu que a máquina fora desativada.
_ Depressa Fei, eu pude enganar o computador de controle, mas o sistema está sempre se refazendo; vai voltar a funcionar a qualquer momento!
Fei atravessou depressa o bloqueio, e então notou que embora a habilidade de Citan em embaralhar o sistema não fosse de todo algo estranho para ele, havia algo de errado ali.
_ Doc, espera um pouco. Como é que você consegue passar por aqui? De acordo com a Elly, apenas cidadãos da Primeira Classe e pessoal do exército conseguem passar...?
_ Hein? Ah, bem – Citan ajeitou os óculos, parecendo curiosamente atrapalhado – Isso foi... Ah, e-eles provavelmente... ainda não apagaram minha identificação dos dias em que eu estava no exército, e ela continua armazenada no banco de dados. Incrível, não, o quanto a monitoração de Solaris anda relapsa...? Hahaha...
E Citan tomou o rumo do labirinto que Fei antes percorrera com Elly, seguido pelo rapaz confuso logo depois.
Com a supervisão de Citan, Fei não teve qualquer dificuldade em percorrer o caminho contrário do labirinto, ou alcançar o nível dos cidadãos de Terceira Classe de Solaris, até encontrar a calha de despejo e descer por ela. Havia um painel de controle à direita do duto que lembrou a Fei do acesso ao Forte Jasper, quando Bart esquecera como abrir e Margie tomara a frente, e Citan foi até ele com o ar pensativo de sempre.
_ Provavelmente, poderemos entrar com o auxílio deste botão...
Fei ficou observando enquanto o doutor digitava códigos e símbolos desconhecidos se mostravam no painel. Diferente da maioria dos computadores nos quais Citan mexia, no entanto, aquele parecia estar dando uma boa luta, e o rapaz percebeu que algo ia mal pela expressão do amigo.
_ Nada bom... Precisamos de um cartão para ativar o Vac-Sys... Então, o que faremos...?
_ ‘O que faremos’? Você não tinha um plano??
_ Não, receio que não – Citan abanou a cabeça, sempre refletindo – Presumi que nós simplesmente pensaríamos em alguma coisa...
Com uma das mãos à cintura e outra diante dos olhos, Fei começou a se perguntar se a maneira de agir de Bart era contagiosa quando alguém chamou atrás deles.
_ Esperem!
Diante dos olhares surpresos de Fei e Citan, Elly Van Houten desceu pela mesma passagem que eles tinham tomado e deteve-se, ofegante, diante os dois.
_ Ora, Elly, é você!
_ Elly? O que está fazendo aqui?
_ Bom... – Elly respondeu, de olhos baixos – Depois daquilo, quando eu estava chorando, minha mãe veio até onde eu estava e disse... ‘vá com eles’...
O momento estava bem nítido nas lembranças de Elly. Estava sentada em sua cama, sem de fato aceitar a forma como a situação se resolvera, quando ouviu a porta abrir.
_ Elly...
Não se voltou. Continuava envergonhada pelo que tinha dito, e embora quisesse se desculpar com a mãe, não encontrava as palavras certas para isso. E aquele embaraço não estava ajudando em nada sua disposição já abalada.
_ Elly, eu acho que você deveria viver sua vida da forma que desejar. Se as pessoas a quem ama estão passando por dificuldades... você não pode abandoná-los.
_ Mãe...
Era algo que ela queria ouvir, mas o alívio vinha acompanhado de uma necessidade ainda maior de se desculpar. E ela continuou de costas para a mãe, colhendo as palavras com dificuldade.
_ Eu sinto muito... Me desculpe pelo que eu disse antes...
_ ... Eu sei – Medena acenou, de olhos baixos – Mas não há dúvidas de que você seja minha filha. Não importa o que aconteça... eu amo você.
Sem dizer palavra, Elly se voltou com um sorriso triste em seu rosto. Fei estava certo, ela não era uma estranha. Ou não seria tão difícil para Elly aceitar que, ao sair de sua casa novamente, provavelmente não tornaria a ver Medena. Não havia como, a seu ver. E ela abraçou a mãe, escondendo o rosto.
_ Mamãe...
_ Eu sei, querida – Medena sorriu, afagando os cabelos da filha – Agora... É melhor que se apresse.
_ Eu sei – Elly se afastou, enxugando os olhos – Tome conta de você, mamãe.
Sem outra palavra, Elly correu para fora do quarto, apenas para encontrar o pai diante dela na porta. Apesar de sério, no entanto, ele parecia saber exatamente o que ela pretendia fazer, e não a estava detendo.
_ Elly... Fique com isto.
Elly reconheceu o cartão de acesso de nível militar de Erich. Com aquele cartão, mesmo dentro do Palácio, não deveria haver passagem que fosse manter-se fechada para ela.
_ Pai...?
_ Ser humano é ser capaz de escolher seu próprio caminho na vida – Erich disse, de olhos baixos. Também sabia que aquilo provavelmente seria um adeus; como dissera antes a Fei, no entanto, não havia mais nada que pudesse fazer.
_ ... Pai.
Ouviram um som vir do lado de fora, e Erich voltou-se para o salão principal, suspirando.
_ Parece que a polícia militar chegou. Venha, você pode ir enquanto eu falo com eles.
Elly acompanhou o pai escada abaixo até que chegassem ao salão principal. E havia soldados em vestes negras especiais, liderados por um oficial comandante todo em vermelho, que se deteve diante de um surpreso Erich.
_ A Guarda Imperial...? Por que estão aqui ao invés da polícia militar...?
Sem responder, o comandante fez menção de passar por Erich e alcançar Elly, mas foi detido.
_ O que está fazendo? – Erich agarrou o braço do homem – O intruso partiu. Minha filha não tem nada a ver com isso!
_ Lamento, Senhor Erich – o comandante soltou o próprio braço – Deve entregar sua filha a nós. São ordens do Senhor Krelian.
_ O Senhor Krelian? O que ele quer com a minha filha... O quê? Não vai me dizer que... O plano de Gazel...?!
_ O senhor não necessita saber – o comandante voltou-se para seus homens – Levem-na!
_ Deixem minha filha em paz! – Erich, antes que qualquer um pudesse se mover, sacou a pistola e retirou a arma da cintura do comandante, colocando-o sob mira – Ou então...!
_ Pai?
_ O-o quê? – pela primeira vez, o comandante da Guarda Imperial parecia ter perdido a frieza imparcial – Senhor Erich! Por acaso perdeu o seu juízo?
_ Eu estou perfeitamente bem – Erich apontou sua pistola para os outros soldados, mantendo a do comandante contra o próprio – Deixem ela em paz!
_ As ordens do Senhor Krelian são as ordens do Imperador – um dos soldados argumentou – Percebe o que vai acontecer com a sua posição se desobedecer esta ordem? Vai ser rebaixado a cidadão de Terceira Classe!
_ Eu sei disso. Mas, mesmo que seja uma ordem do Senhor Krelian, eu não vou permitir que minha filha se torne um instrumento das pesquisas dos Gazel. Elly, vá! Eu cuido disso!
_ Mas...
_ Não se preocupe comigo. Vá ajudar Fei.

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