quinta-feira, 19 de julho de 2018

Cruel Soberano

Olá de novo, pessoas! Depois de um tempo ausente, saudações do Louco!

Nem consigo lembrar como foi que isso começou; indo pro serviço, acho, e eu tava lendo algo sobre reis, um dos livros que eu sempre leio no ônibus. Indo pro treinamento da escola? Provavelmente.

E como sempre acontece, quando você se questiona, surgiu a sementinha desta idéia. Num mundo destes com reinos, magia e sistemas de governo que não funcionam, eis que o Reino de Valência funciona tão bem quanto possível. Prosperidade merecida, terras férteis... as coisas vão bem.

Só que, com tudo indo tão bem, ainda há um grupo de nobres e diplomatas que contrata um casal de mercenários, uma maga e um guerreiro, pra assassinar aquele que é chamado de 'O Mais Cruel Soberano', o rei de Valência.

Eis uma história bem curta (não tô acostumado a conseguir isso), e com um final em aberto. Como 'você' responderia à última pergunta? E, que final daria à história, se fosse sua pra terminar?

Boa leitura! ^_^



Capítulo I – Nota Desafinada

_ Matar o rei???!!!
Estavam andando sozinhos pela estrada que deveria levar ao Solar Real, e a primeira reação de Clóvis foi algo que previsível. Mesmo assim, Angélica preferiria que ele fosse mais discreto.
_ Mais baixo, Clóvis – ela murmurou, aborrecida – Vai ser mais difícil de fazer, sabe, se chamarmos atenção antes da hora.
_ Ma-ma-ma-ma-mas espera aí, como assim? – ele tornou a perguntar, ainda agitado – Tipo, o rei ‘daqui’, Rei Edo...? Aquele que dizem...?
_ O ‘Cruel Soberano’, sim, ele mesmo – a maga assentiu, supondo que ao menos podia ficar grata que o colega tivesse baixado o volume da voz – Foi um dos conselheiros depostos que nos contratou. Por causa do Globo da Ordem, ninguém nativo do reino pode agir contra o rei; então, tiveram que procurar por alguém além das fronteiras deles.
_ Mas, Gel, isso... Isso é loucura! – o outro protestou, ainda confuso – Roubar mausoléu de família real, procurar por artefatos... Sei lá, até missão de assassinato, mesmo, a gente pode até encarar, mas... Atacar um rei na casa dele!! Só nós dois? Isso vai exigir tempo, planejamento e, mais importante, um monte de gente! Não tem como só nós dois fazermos...
_ Só estamos indo fazer um reconhecimento por enquanto, Clóvis – a moça suspirou, reunindo forças para ter paciência – Nossa especialidade não é combate, é infiltração; eu sei que não podemos fazer tudo sozinhos, não tenho a menor intenção de bater de frente com os guardas do rei. Quero entender essa situação um pouco melhor.
_ Entender...? Mas, se o que a gente tem que fazer é só ‘matar’ o rei...
Ela tornou a acenar com impaciência, e Clóvis acabou por se calar. Não conseguia organizar os pensamentos com o outro tagarelando e, ao menos, a convivência o ensinara a fazer silêncio quando a colega precisava colocar as idéias em ordem – já os salvara em mais de uma situação, e bastara para Clóvis. E, por menos que tivesse intenção de contar ao companheiro de buscas, a verdade era que Angélica estava cheia de dúvidas.
Edo era famoso como ‘o mais cruel dos soberanos’, e desde sua adolescência, a maga aprendera que gente com tais títulos oprimia os próprios vassalos; logo, não havia surpresa que os conselheiros quisessem sua morte. Mas o povo parecia bem alimentado, os campos verdes e fartos e, até onde ela pudera perceber, Valência desfrutava do tipo de prosperidade tranquila que se esperaria de pequenos reinos agrícolas, e não do terceiro mais próspero reino do continente. Verdade, as pessoas pareciam nervosas nas ruas por onde ela e Clóvis haviam passado, mas sequer havia guardas nas ruas, até onde...
_ Hã, Angélica? – Clóvis perguntou, interrompendo sua linha de raciocínio – A gente não ia até o Solar? O... O centro da capital é pra lá...
_ Edo devia saber que seria um alvo fácil num palácio, no centro da capital, Clóvis – ela interrompeu – É lá que o Globo da Ordem de Valência foi colocado, sim, mas Edo foi mais esperto; o Solar Real da Casa de Jos fica nesta direção. Supostamente, é a única casa na vizinhança, então disfarça; lembre-se, não vamos atacar ou invadir, só queremos dar uma olhada no tipo de segurança que eles têm.
Clovis finalmente pareceu se acalmar um pouco, assegurado de que não entrariam ou sequer lutariam por enquanto, e Angélica teve tempo de pensar um pouco mais na situação. Os Globos de Ordem era uma invenção antiga, mas sua redescoberta e uso ativo em reinos daquele continente eram recentes; criações de magos poderosos do passado, seu poder reagia a quem fosse capaz de ativá-los, algo que dependia muito mais de pensamento sensato do que poder mágico ou sangue nobre; fora por isso que Edo, então um mero funcionário público, pudera acessá-lo e mudar suas diretrizes, tomando do governante anterior o cargo de rei. E fora astuto, voltando o poder do Globo para ao mesmo tempo preservar o sistema de governo enquanto ele vivesse e impedir que pessoas no território de Valência pudessem cometer assassinatos, garantindo que não poderiam assassiná-lo.
_ Mas ele cometeu um erro, pelo que pudemos apurar – Sálvio, o conselheiro que a contatara, sorrira entre dentes ao mencionar isso – Incluir as pessoas no território foi entendido pelo Globo, aparentemente, como ‘no território naquele momento’. Eu e meus associados temos quase cem por cento de certeza que vocês, estrangeiros, poderão alcança-lo e, agindo depressa, acabar com o nosso flagelo.
Ainda houvera comentários, como ‘seus nomes entrariam para a história de nosso reino’, elogios à bravura deles e, naturalmente, repetidas menções à recompensa que os aguardava quando a missão estivesse cumprida. Angélica era tão ambiciosa e concentrada no lucro quanto qualquer outra profissional de sua área, mas não era tola; sabia que por trás das palavras bonitas, o conselheiro deposto e seus colegas só queriam voltar a qualquer poder que tivessem antes que Edo se tornasse o soberano.
_ ‘Soberano’... – ela murmurou, seus pensamentos voltando ao ponto inicial – ‘O Mais Cruel Soberano’...
Seus instintos de maga, sempre confiáveis, soavam como uma nota desafinada toda vez que ela pensava no título pelo qual Edo era chamado, mesmo nas tavernas. Não havia qualquer demonstração óbvia, ou mesmo velada, de crueldade até onde seus olhos pudessem alcançar. Nada do cheiro desagradável de sangue, da aura inconfundível de violência, nem mesmo os sorrisos congelados de pessoas que tentassem aparentar uma vida tranquila enquanto sofriam pressão psicológica; nada. Pelo contrário, as pessoas resmungavam abertamente, embora não pudesse ver mendigos nas ruas, ou pedintes nos mercados. Quem vivia em Valência, aparentemente, estava livre da privação financeira. Será que Edo trancafiava os pobres? E, afinal...?
_ Angélica...?
_ Sim, eu estou vendo, Clóvis.
Sálvio procurara ser claro, até onde ela pudera avaliar, nos detalhes quanto a onde encontrar Edo; como esperado, já que ele queria a missão cumprida. Mas alguma coisa estava errada.
Não havia outras casas por perto, e aquele sobrado de dois andares estava no local exato onde o Solar do Cruel Soberano devia estar. Um feitiço simples, que sequer dependia de palavras, bastou para que ela tivesse certeza, não havia qualquer magia de ocultação ali. Se fosse para acreditarem nas indicações que haviam recebido, aquele casebre de aparência antiga era o Solar da Casa de Jos... E ela raramente vira algo que lembrasse tão pouco a casa de um soberano.
_ Não tem como ser aí, Gel – Clóvis obviamente concordava com ela – Sei lá, não tem torres, nem muros... Não tem nenhum guarda que dê pra ver, também. A sua magia...?
_ Já usei; não é ilusão.
_ Mas não faz sentido aquele tal conselheiro mentir pra gente – Clovis ficava curiosamente eficiente quando era necessário – Por tudo o que parece, é ‘essa’ a casa do Rei Edo. Por menos que isso faça sentido...
_ ... Eu admito, não estava esperando por isso – mesmo Angélica parecia confusa, sem saber como agir – A resposta lógica é que, de algum modo, Sálvio tenha se confundido. É claro, o rei ‘poderia’ morar aí, mas... Clóvis? Aonde você vai?
O parceiro estava determinadamente caminhando até o portão de acesso da casa, e deteve-se por um instante para responder.
_ Vou perguntar se o rei mora aqui, oras.
_ O q...! Clóvis – ela tornou a suspirar, parecendo concentrar-se muito para manter a calma – Pensa um pouco no que você tá fazendo, só por um minuto. Você pretende perguntar ao nosso alvo se ele mora...
_ Você mesma falou, não tem como ser a casa do rei, certo? – ele deu de ombros – Além do mais, ir perguntar na cidade mais próxima vai custar metade do dia. Se o endereço estiver errado e o rei morar aqui perto, mais fácil que um vizinho saiba do que qualquer outro. E você mesma disse, é só reconhecimento, por enquanto.
Angélica não teve muito o que dizer ou fazer, a não ser seguir o outro até a porta do sobrado, sem saber se o espanto maior era Clóvis fazer sentido ou ela não conseguir pensar em nada para dissuadí-lo. Mas aquilo também era uma espécie de marca registrada da parceria dos dois; nas raras ocasiões em que a mente aguda da moça não achava a solução, era a praticidade simples de Clóvis que os conduzia. O fato de ainda estarem vivos e nunca terem se ferido com gravidade só comprovava a eficiência do método. E o outro já estava batendo na porta.
Não levou muito tempo até que um morador atendesse; parecia um professor, ou escrivão de alguma espécie, na iminência de alcançar a meia idade e com um sorriso cordial.
_ Boa tarde. Algum problema?
_ Pedimos perdão por incomodá-lo – Angélica curvou a cabeça – Nós apenas... Bem, ao que parece, estamos perdidos.
_ Sabe, nos disseram que o Rei Edo de Valência morava aqui – Clóvis falou sem rodeios, fazendo Angélica corar com vergonha alheia – O senhor por acaso não sabe onde fica o Solar Jos, ou sabe?
_ Ora, claro que sim – o dono da casa sorriu mais abertamente – Fica bem onde vocês estão agora mesmo. Estavam me procurando, então? Bem vindos! Eu sou Edo Jos, da Casa de Jos, e é um prazer conhece-los. Entrem, por favor!