sábado, 22 de abril de 2017

Capítulo Sessenta e Dois

Capítulo 62 – Interlúdio no Farol



Fei e Citan seguiram Emeralda até a entrada do farol onde, tanto tempo antes, a Gebler viera sob o comando de Stone para tomar posse da colônia de nanomáquinas que era o corpo da menininha, adormecida no nanorreator. Enquanto Xenogears, Crescens e Fenrir estavam diante das imensas portas, Citan explicava:
_ A base deste farol foi construída a vários milhares de anos atrás. Os habitantes desta ilha adicionaram a luz para fazer dela um farol. Mas ninguém sabe o que realmente é.
Por meio do agora exposto elevador central, eles puderam penetrar a estrutura a bordo de seus Gears, e alcançaram um nível muito mais profundo do que onde antes Citan, Billy e Elly tinham enfrentado a Gebler, Stone e Id. Mesmo com a iluminação mínima de lâmpadas de emergência nutrida por antigos reatores, os três podiam divisar o contorno dos prédios e estruturas de aparência avançada, muito diferente de qualquer coisa que tivessem visto antes em seu mundo, exceto talvez em Solaris. E Fei murmurou:
_ ... A cidade que vimos das ruínas de Emeralda... Fizemos um longo caminho a partir de lá...
Amplas avenidas, faixas de travessia para pedestres, prédios de altura considerável... Tudo sugeria um grande número de pessoas vivendo ali, muito tempo antes. Citan logo encontrou o que parecia ser um prédio diferente e, após julgar a estrutura toda segura o bastante para que entrassem, eles abandonaram os Gears e resolveram investigar mais de perto. E apesar do desgaste mais do que óbvio proporcionado pelo tempo, das teias de aranha e camadas espessas de poeira acumulada, era admirável o quanto o local parecia preservado, tornando simples descobrir o propósito daquele edifício quando ainda estava em uso:
_ Suportes de iluminação... Câmeras móveis... Até mesmo uma mesa e cenário de apresentador... É como os estúdios de transmissão em massa de Solaris, mas muito mais sofisticado e espaçoso do que eu jamais vi...
_ ‘Transmissão em massa’?
_ Algo como um comunicador interno, mas voltado para todos os cidadãos – Citan explicou – As pessoas da época teriam receptores de tele-visão em suas residências, que coletariam as informações enviadas na forma de ondas eletromagnéticas, e dependendo da freqüência selecionada, poderiam assistir a entretenimento ou informação coletiva. Talvez, encontrando alguns registros gravados, possamos saber algo sobre as pessoas que um dia viveram aqui.
Como esperado, não foi fácil encontrar equipamento ainda funcional, e apenas ao subir ao andar superior do estúdio de ‘tele-visão’, Citan percebeu um painel de controle com filmes de registros ainda operáveis. E o primeiro arquivo que viram exibiu aeronaves pequenas, com uma legenda onde se lia ‘aviões de caça’.
_ O que é esse filme...?
O quadro seguinte mostrava vários homens de terno discutindo numa tribuna. E Citan murmurou:
_ Um registro da Cultura Zeboim, que desapareceu há 4000 anos...
O mesmo quadro, visto num ângulo diferente, mostrava um dos membros da tribuna de pé e com o braço erguido como se fazendo um juramento. E à sua esquerda havia uma mulher de cabelos curtos, rosto sereno e quase inexpressivo, tremendamente familiar.
_ Espere, congele a imagem! Quem é essa mulher...?
Aproximaram a imagem congelada, focalizando na mulher misteriosa. A fisionomia indiferente era inconfundível, pouco importando a falta de cores ou a idade do registro.
_ Miang, como ela se parecia na Era Zeboim. Mas não há como saber quem era seu corpo hospedeiro. Ela se postou ao lado do Primeiro Ministro, manipulando o mundo dos bastidores.
Mais arquivos visuais. Esqueletos metálicos do que no futuro seriam conhecidos como ‘Gears’, parecendo antiquados até para os padrões da época atual, onde tudo o que se fazia era escavar por tecnologia do passado.
_ Para ressuscitar Deus?
Tropas em marcha apareceram no arquivo seguinte, e Citan meneou a cabeça.
_ No início, sim. Mas depois foi diferente. Muitas pessoas, então, não podiam ter filhos. Eles eram humanos defeituosos... Então... Ela fez tudo novamente.
E no quadro seguinte, uma câmera mostrava a visão interna de um dos silos de mísseis do Dispersor em Massa.
_ Pouco antes, quando o homem estava prestes a ser extinto pela guerra, um novo ser nasceu para portar a geração seguinte. Lembra-se dos mísseis na instalação de Dispersão em Massa? Aquilo era a coisa mais importante para o povo Zeboim. Por causa daquilo, nós agora somos os descendentes das poucas pessoas fortes que sobreviveram.
Uma última imagem mostrava parte de uma multidão, pessoas de aparência elegante e expressões vazias, evidenciando um cansaço de espírito que traje algum poderia disfarçar. E algo dentro da memória celular de Fei se agitou diante das imagens.
_ Uma economia instável... Crime em ascensão... Decadência urbana... Uma nação de fanáticos procurando por seu próprio espaço para viver... Acreditando em líderes de seitas religiosas e se reunindo em torno de governantes totalitaristas. Essas pessoas foram podadas da geração seguinte graças ao dano genético, e teriam morrido, extintos, se deixados por conta própria. Então, Elly e eu tomamos as esperanças das pessoas e criamos Emeralda...
Poucos outros dos prédios naquela caverna eram acessíveis, ou seguros. Citan analisou as estruturas com Fenrir e decidiu que a maioria dos prédios não resistiria a uma visita interior. Crescens, porém, estava voltada para uma direção oposta, descendo a avenida, o que Fei percebeu depois de algum tempo.
_ Emeralda...? O que foi?
_ Lá... Embaixo.
_ Embaixo...? Você quer dizer, descendo a rua?
_ Embaixo...
Sem aviso, o Gear de Emeralda seguiu rua abaixo e ela não pareceu ouvir ou dar qualquer atenção aos chamados de Fei e Citan, que seguiram imediatamente atrás dela. Mas a menina continuou adiante, descendo de Crescens para desaparecer numa fenda aberta no asfalto.
_ Emeralda!
_ Um outro nível, abaixo da cidade – murmurou Citan admirado – Mas a estrutura parece ter ruído com a passagem dos anos. Fei, não me parece seguro o bastante para os Gears; podemos acabar lacrando a saída de Emeralda!
_ Então é melhor ir a pé. Doutor, por favor, fique de guarda aqui! Eu preciso descobrir o que está havendo com ela.
Preocupado, Fei não esperou por resposta e desceu de sua cabine, Xenogears sobre o próprio joelho enquanto seu mestre desapareceu na fenda aberta no calçamento da avenida, e se admirava ao ver um sistema de trilhos enferrujados mal iluminados por tênues luzes de emergência que, Citan explicaria mais tarde, faziam parte de um sistema de transporte subterrâneo do povo Zeboim. Sem espaço suficiente para o trânsito de veículos e pessoas e buscando aumentar a eficiência da vida urbana, trens subterrâneos faziam o transporte de milhares de cidadãos todos os dias. O próprio Fei, de fato, deparou com um dos trens abandonado numa estação pouco mais adiante. De Emeralda, o único sinal eram as pegadas da menina no piso poeirento da estação abandonada. Seguindo a trilha, Fei subiu por uma escadaria que levava até o nível de superfície da cidade.
Emeralda estava sozinha, de pé num terraço com vista para o que um dia fora uma ampla praça. Entre prédios altos e largos, um chafariz antigo jazia inerte e seco, e Fei sentiu-se no limiar de uma grande descoberta. Havia muitas lembranças naquele lugar, algo que trazia uma infinidade de sensações, felizes e desagradáveis. E ao se colocar ao lado da menina, ele olhou tão fixamente quanto ela na direção do chafariz.
_ ... Onde nós estamos...?
Embora o cenário diante de Fei e Emeralda fosse vazio e desolado, seus ouvidos quase podiam captar o som do movimento que um dia houvera ali. Seus olhos, agora acostumados à penumbra, podiam perceber os vultos das pessoas que um dia haviam caminhado naquele lugar, apressadamente, tentando retornar aos próprios lares ainda a tempo de desfrutar das celebrações com suas próprias famílias. Embora a vida na caverna se assemelhasse a uma noite eterna, a praça estava cheia das luzes montadas na árvore sobre o chafariz, e a atmosfera era festiva, enquanto outro ‘Fei’, mais velho e vestido num terno, contemplava o cenário ao lado de sua esposa, uma jovem de cabelos ruivos vestida de branco como uma enfermeira que era Elly e, ao mesmo tempo, não era ainda.


_ Parabéns, Elly. Outro ano veio e se foi.
_ Sim. Feliz Ano Novo, Kim! – e olhou para ele com curiosidade – Eu não sei o que é, mas agora a pouco... Você parecia uma pessoa mais velha falando.
_ Não, bem – ele respondeu sem se voltar – Nessa mesma época, no ano passado, eu nunca pensaria que a guerra duraria tanto tempo.
_ ... Sim. Mas conseguimos passar por ela sem nos envolvermos.
_ Mas ainda não acabou – Kim murmurou, olhando para as pessoas lá embaixo – Porque, neste mesmo momento, pessoas continuam morrendo.
_ ... Vamos parar de falar nisso – ela sacudiu a cabeça – Não vamos ficar relembrando do ano passado... Não no início de um ano novo.
_ Sim, bem... Hoje, pelo menos, eu quero passar um dia sem me preocupar.
Afinal, pensou Kim, as luzes coloridas da árvore eram belas, e apesar de todo o clima de incerteza por causa da guerra prolongada, também havia a atmosfera de esperança que sempre acompanhava a passagem do ano. Talvez tudo se resolvesse no futuro próximo.

Mas suas expectativas foram frustradas, não muito depois. Elly e ele estavam jantando em seu restaurante favorito, com uma vista privilegiada da cidade escura. Mas nem o panorama nem a comida conseguiam a atenção de Kim naquela noite, aborrecido como estava com a tolice humana, com a guerra e suas consequências. Ele falava sem se conter, enquanto Elly ficava de cabeça baixa.
_ Estúpidos! Idiotas! Um bando de tolos!
_ Kim... Está falando alto demais.
_ Eu não me importo se eles me ouvirem! Todas as pessoas daqui também são idiotas!
_ Kim!!
_ Pense nisso! Qual o sentido de lutarem uns com os outros num planeta tão minúsculo quanto este? Lutar por medo de serem caçados e acuados num canto... Se apressando para lutar como se houvesse poucos ‘lugares reservados’ no direito à vida...!
Elly não disse coisa alguma ou ergueu os olhos, mas suas mãos estavam crispadas sobre os joelhos, enquanto Kim sacudia a cabeça inconformado.
_ Começar uma guerra é estupidez. Incitar uma também é estúpido. Matar gente como ato de terrorismo, ou como protesto contra guerras que matam gente, é mais estúpido ainda. São todos idiotas!
Ela sabia muito bem por que ele estava daquele jeito. Nunca era fácil quando as pessoas faleciam na clínica, depois de todo o esforço que faziam para salvá-los, e naquele dia em particular...
_ ... Kim, eu senti muito por aquela criança. Mas eu não acho que as pessoas em Ravine destruíram o gerador com essa intenção. Eles não têm qualquer outro meio de se expressar. O governo é quem tem a culpa.
_ Isso é motivo suficiente para aquela criança, ou as outras pessoas que morreram? – ele acenou, amargurado – Não foi uma operação tão complicada. Foi difícil, mas havia chances suficientes de sucesso. Teríamos conseguido se tivéssemos equipamento melhor. Aquela criança teria sido salva, se houvesse eletricidade.
Kim bateu as mãos na mesa, inconformado. Os maiores e mais dispendiosos recursos eram voltados para o esforço de guerra, reduzindo drasticamente o que tinham em mãos quando tentavam consertar os danos causados pelo mesmo esforço. Para um médico dedicado como ele, aquilo era frustrante ao ponto do desespero, e havia limites para o que sua gentil esposa podia fazer para chamá-lo à razão.
_ Não é só aquela criança – ele murmurou de cabeça baixa – Cinco pessoas morreram no meu hospital. A UTI não funcionava. Estúpidos... Simplesmente idiotas. Os humanos, as criaturas, existem para viver. Por que querem a extinção? Por que estrangular a si mesmos?
Por um longo momento, Kim ficou em silêncio, olhando para o próprio prato sem enxergar o jantar.
_ Eu sou... uma tola, também?
_ Hã...?
Elly continuava de olhos baixos e mãos crispadas sobre os joelhos, e apenas a voz dela, triste, poderia tê-lo tirado tão depressa da própria contemplação.
_ Fiz um exame no hospital hoje – ela explicou – Disseram que eu não posso ter filhos por causa do dano genético hereditário... Não posso criar vida.
Ela ergueu os olhos, e Kim sentiu o peso da revelação. Bem lá no fundo, ele já suspeitava disso; talvez fosse por essa razão que ele próprio não quisera fazer o exame físico. Os dois queriam muito ter filhos. E agora, depois de tudo o que dissera, Elly...
_ Eu sou uma criatura esperando para ser extinta... Também sou uma tola?
Ele baixou os olhos, sem ter o que dizer. Dano genético... Havia tanta coisa que o perturbava, tanto desacerto no mundo...! Não haveria, mesmo, o que ser feito...?

Tarde da noite, Kim desvencilhou-se gentilmente de Elly e ficou de pé. O silêncio do quarto era perturbado apenas pelo borbulhar do imenso aquário na parede e pela respiração tranqüila de Elly, mas a questão continuava na mente dele, impedindo que dormisse. De forma distraída, Kim caminhou até a ampla janela de seu quarto, detendo-se ao lado do cavalete de pintura, buscando por uma solução para o problema.
_ Não adianta... Não vai funcionar... – sacudiu a cabeça – De algum modo, nós precisamos quebrar o feitiço, ou os humanos neste planeta vão desaparecer.
_ Não... Eu não me importo com os humanos... A vida em si será arruinada se não fizermos algo. Uma... forma de vida pura... Não amaldiçoada...
Elly se remexeu na cama, sem despertar. E Kim continuou contemplando a janela, as idéias girando soltas por sua mente enquanto possibilidades se cruzavam.
_ Uma vida pura...

Um lapso de tempo um pouco maior. Kim e Elly estavam diante de um nanorreator, no laboratório dele. Havia uma garotinha de cabelos verdes flutuando no interior do cilindro, e Kim parecia otimista.
_ Esta... Esse é o novo veículo do espírito que vai quebrar a maldição.
Elly olhou com carinho para a menina de cabelos verdes flutuando no meio translúcido, e Kim adivinhou o que se passava em sua mente.
_ Não despertou ainda. A forma foi criada por nanomáquinas, mas a simulação neural não foi feita pela Torre Montadora ainda. É fisicamente estável, mas ainda não funciona como uma criatura viva, por enquanto.
_ Uma colônia de nanomáquinas...
_ Não importa quantas vezes nós reescrevamos os códigos hereditários, as impressões imbuídas em nossos corpos não podem ser detidas – Kim explicou – Foi necessário ir ainda mais adiante. Tivemos que recriar a nível molecular... Não... Na verdade, nível atômico, fazendo referência aos padrões estruturais de você e de mim. Esta criança – ele voltou-se para a menina no reator, com um sorriso de esperança – carrega consigo os nossos futuros e possibilidades...
Após um instante em silêncio, Elly aproximou-se um pouco do marido e perguntou, parecendo dividida entre esperança e medo do fracasso:
_ Será essa criança o anjo que pode nos dar mais tempo?


Fei sacudiu a cabeça levemente, despertando das lembranças. Ele e Emeralda estavam ainda diante da praça abandonada, olhando para o chafariz onde um dia Elly e Kim tinham contemplado a árvore artificial. E a menina murmurou:
_ ... Eu, lembro... Há muito tempo... Você... Kim... Morreu... Pouco antes da cidade morrer... Foi porque soldados da cidade... tentaram me usar...
_ ... Isso mesmo – Fei acenou com a cabeça – A memória na minha alma... Foi deixada em mim por sua causa.
_ Enquanto eu mantida presa... Krelian disse que eu... A ‘obra prima’ suprema, que tecnologia deu origem...
“Sim, eu sabia que eu era coisa – Emeralda olhou para as próprias mãos – Olha, meu corpo... Diferente de Maria, Margie... e Elly. Imitação de humana... mas diferente. Kim e Elly diziam... Eu era anjo...”
_ ... Sim – Fei sorriu calorosamente para ela – Você é a filha que eu, ou Kim, desejava. Kim tem sido parte de mim, no meu sangue – passando sua memória adiante por gerações – pelos últimos 4000 anos. Existindo para o dia em que a filha, que Kim nunca foi capaz de abraçar, nasceria.
E Emeralda sorriu de volta, voltando-se para Fei e parecendo muito feliz.
_ Fei! Obrigada por ser substituto para Kim até agora! Mas, está bem... Eu ser forte e fazer Kim e Elly orgulhosos que eu filha deles!
Fei acenou com a cabeça, sentindo em algum lugar dentro de si mesmo o orgulho de Kim por ver Emeralda ter se desenvolvido tão bem. E então, ele percebeu que a menina, mais do que cintilar de felicidade, estava realmente brilhando.
_ O q, qu...? – Emeralda olhou para si mesma, para os braços estendidos para frente, também admirada do que estava acontecendo – Fei... Corpo... tão... q-quente...
Confusa e agora parecendo assustada, Emeralda correu até ele e o abraçou, pedindo:
_ Fei... Me abraça... Apertado... Não solta.
O brilho no corpo de Emeralda se intensificou de tal maneira que Fei não pôde mais olhar para ela, mas manteve o abraço até perceber que algo estava diferente, e quando a luz cessou, ele pôde ver o que era.
Diante dele, Emeralda olhava para si mesma, admirada de sua nova estatura, dos braços mais longos e do corpo crescido, uma jovem da altura de Fei que aparentava ter, entre dezessete e vinte anos de idade.
_ Fei... Corpo...
Ela abriu os braços e girou como uma bailarina, sorridente e maravilhada, sem parecer capaz de encontrar palavras para o que se dera.
_ ... Eu fiquei adulta... Adulta... Eu... Eu não fica mais no seu caminho!!
_ Nunca ficou, Emeralda – Fei sorriu para ela, acenando com a cabeça – Vamos juntos salvar Elly, e então vamos mostrar a ela como você cresceu. 



NA TRISTEZA DA NOITE

sábado, 15 de abril de 2017

Capítulo Sessenta e Um

Capítulo 61 – Preparativos


Estavam de volta a Shevat, um dos últimos refúgios do mundo contra os Seraphs, ainda que o lugar não fosse mais o mesmo que já fora. Recentemente atacada pelos anjos que, como dissera Sigurd, tinham poder equivalente ao dos Omnigears, a cidade flutuante caíra. Embora ainda fosse um abrigo para muitos que tinham se unido para resistir, ela nunca mais voaria, protegida por seu campo de força.
As condições não eram das melhores. Era o máximo que se poderia esperar naquela situação, com Deus à solta, mas os suprimentos não durariam para sempre e o tempo urgia. Os diversos grupos de nações agora se reuniam ali para a última resistência. Caminhando pelo lugar, Fei acabou sorrindo ao ouvir do responsável pelo seu congelamento o que Dan pensara.
_ Seu irmãozinho ficou muito zangado comigo. Ele nos perguntou se tínhamos corações ou não. Invejo você, por ter um irmão com coragem o bastante pra ser tão honesto.
Além de líderes militares e políticos havia sobreviventes das populações, cada um com sua própria opinião sobre a calamidade. Para alguns, o fim do mundo era um julgamento divino prestes a cair sobre todos. Havia os que faziam o que podiam para ajudar. Havia crianças encontrando diversão mesmo ali, já que havia espaço para brincar na neve. Havia adultos esperançosos e desesperançados e havia outros que apenas reclamavam. Em suas andanças entre eles, Fei também encontrou Dan e Midori numa sala à parte, onde o menino olhou para ele e falou, depois de um momento de hesitação:
_ Na prisão, quando eu vi você se tornar em um monstro, entendi tudo. Vivendo dentro de você, Fei, existe um monstro... Ele é o cara mau... Ele é quem tem a culpa. Então – ele baixou os olhos – Perdoar ou não perdoar você... Bem... Não é esse o problema! Não é como se fosse fazer as coisas voltarem ao que eram... Mas... é só que... Eu não sei como dizer isso direito, mas eu sinto muito... Eu, errm... eu...!
_ Está tudo bem, Dan... Já chega. Eu entendo. É culpa minha. Desculpe por ter te causado tanta dor.
Dan apenas sacudiu a cabeça sem dizer nada, e Fei sorriu.
_ Eu só estou feliz de finalmente poder fazer as pazes com você. Se cuida, garoto.
Mais surpreendente foi descer até um dos andares inferiores com Bart e, na metade da descida, escutar a voz de uma criança gritar:
_ Você não é o meu pai!!
_ Lance!
Um menino pingüim passou correndo por eles e, ao chegar lá embaixo, Fei e Bart reconheceram um rosto familiar.
_ Hans! É você?
_ Vocês...! – murmurou o imediato da Thames – Vocês estão vivos?
_ É, e você – e então Fei se deu conta – Mas, se você está aqui, significa que a Thames foi...
_ A Thames... naufragou – Hans baixou a cabeça – Os ‘Anjos’ atacaram... A Thames resistiu ao massacre dos Ceifadores, mas estava indefesa contra aqueles ‘Anjos’.
As lembranças pareceram desfilar diante dos olhos do imediato, acenando com a cabeça com ar perdido.
_ Quase ninguém saiu a tempo... Eles afundaram junto com a Thames...
_ O qu... Espera um minuto! – exclamou Bart – E quanto ao Capitão? Ele está bem, certo?
Hans deu as costas a Bart e Fei, e ficou em silêncio por um momento, antes de responder:
_ O Capitão... disse... Ele disse que veria o fim da Thames com seus próprios olhos...
_ V-você... tá brincando, certo? Aquele velhote morreu... Sem essa...
_ Não! – Hans voltou-se para ele, o rosto triste e orgulhoso, a voz alta agora – O Capitão está vivo. Ele é do tipo que nunca cai de joelhos...!
Não havia o que Fei pudesse dizer, e Hans pareceu ler algo na expressão dele, pois afastou o rosto. Tentando desfazer a impressão, Fei perguntou:
_ Então, o que aconteceu com você, no fim? Eu não sabia que tinha um filho. O menino que saiu... parecia zangado com alguma coisa.
_ Fico sem jeito, que tenham visto isso – Hans baixou a cabeça e remexeu as nadadeiras nervosamente – Eu me casei pouco antes da Thames naufragar.
Ele voltou-se para a jovem pingüim ao seu lado e fez as apresentações.
_ O nome dela é Anna. É a minha esposa. Ela foi salva pela Thames quando os navios foram atacados pelos Ceifadores. Infelizmente, foi quando ela perdeu o marido... Não me entenda mal. Não foi por sentir pena dela ou algo do tipo... Ou... Bem, talvez fosse – ele sacudiu a cabeça – Eu só queria protegê-la, foi só. Se chama isso de sentir pena, então suponho que eu não ligue.
“O Capitão vivia rindo de mim – ele sorriu levemente, lembrando – Ele dizia... ‘O quê! Um sujeito frio feito você, seduzindo uma viúva? Só tome cuidado pro guri não odiar você...’
_ Ha, ha... Acho que o Capitão tinha razão. Meu enteado não gosta de mim, ainda. Mas estou esperando que algum dia...
_ Entendo – Fei sorriu, parecendo admirado – Rapaz, você mudou!
_ Ha, ha. Você mudou também, Fei. Eu não sei como explicar, mas... – deu de ombros – Quanto a mim... Bem, eu não sei o que é... Acho que eu sempre tive alguém me protegendo...
_ Hans...
_ Fei, eu acredito... – o olhar de Hans voltou-se para a porta de entrada, parecendo enxergar a imagem do Capitão que apenas ele podia ver – Acredito que, um dia, o Capitão vai descer essa escadaria... Aquela bengala dele batendo, ‘tap, tap’... E vai dizer, ‘Haaans! Parece que vamos pôr nossas mãos em um tesouro sem preço!’
Até Bart sorriu. As palavras de Hans eram muito convincentes; ele mesmo quase juraria ter ouvido o mesmo som familiar da bengala batendo no chão.
Tap... Tap...
_ ‘Que espécie de cara é essa? Não acredita em mim, hein? Dessa vez é pra valer... Sério!’ ... Talvez algum dia...
_ Haaans! Parece que vamos pôr as mãos num tesouro sem preço!
Bart, Fei, Anna e todos no aposento se voltaram para a entrada. Hans sacudiu a cabeça, e percebeu que sua visão não desaparecia. Sua boca escancarou-se e seus olhos ficaram arregalados... Mas não podia ser...!
_ Que cara é essa?
_ Ca... Cap... Capitão...!!
Hans correu até o Capitão da Thames e o abraçou, e apesar do sorriso no rosto, a voz do velho continuava superior como de costume.
_ Que gritaria é essa de ‘Ca, cap, capitão...!!’?? Corta essa, seu idiota!
_ S-sabe o quanto eu fiquei preocupado com você? – choramingou Hans, e o Capitão riu.
_ Hah! Eu tenho dito o tempo todo. Será que não entende? Agora preste atenção...
_ Homens!
_ Do Mar...!
_ Nunca admitem a morte!
Após a pausa dramática costumeira e do momento de silêncio de todos, o Capitão gargalhou, para total indignação de Hans.
_ Gha, ha ha ha ha ha-a-a-a-a-a!!
_ Você... é um grandesíssimo...
_ Hans! Desta vez é pra valer! Uma ilha com tesouro enterrado. É chamada ‘Ilha dos Homens das Dunas’. Um antigo herói derrotou um monstro naquele lugar e agora, diz a lenda, sua fabulosa espada jaz por lá.
_ Que informação você tem...? Sabe onde fica o lugar? E quanto a um navio?
_ Não sei onde é! Não tenho navio! – o Capitão acenou com pouco caso – Não se preocupe com detalhes! Não sabe que é por essa sua atitude que o garoto não te suporta?
_ Ah, isso não é da sua conta!
_ Bom, até aquele guri decidir gostar mesmo de você – o Capitão riu – eu vou ter arranjado um novo navio. Até lá, dê tudo de si pela sua família, rapaz!! Dê à sua família o amor de que precisam enquanto ainda tem oportunidade. Ghar, har, har!!
Longe de Hans e da família, Bart perguntou ao Capitão como ele sobrevivera, mas o velho homem do mar apenas acenou com pouco caso.
_ Nah, não se preocupe com esses detalhes sem importância. Se ficar se preocupando com coisas como essa, os guris vão detestar você, assim como odeiam o Hans, hah!
_ Ele está me ensinando sobre como ser um homem do mar – Lance, o enteado de Hans, disse animadamente – Eu queria que você fosse meu pai. Posso te chamar de pai?
_ Ghar, har, har! Essa vai ser ótima... Um leão marinho com um pingüim como filho! Ghar, har, har!
_ Eu não sou um pingüim! Sou um golfinho!
_ Ah? – o Capitão pareceu admirado – Hans é um pingüim.
_ Meu pai é um golfinho também! – retrucou o menino, antes de se dar conta e gaguejar – Oops... Esquece o que eu acabei de dizer. Eu não quis chamar ele de pai! Quem ia querer um pai como ele!
_ Ghar, har har ha-a-a-a-a!!
Foi certamente com espíritos mais leves que os amigos seguiram pelo abrigo, rumo à antiga torre de observação de Shevat, onde Zephyr observava a neve que caía. Os dois estavam incertos quanto a perturbá-la, mas a Rainha disse, ainda sem se voltar:
_ A neve continua a cair... Cobrindo suavemente a tudo neste mundo. Nossa angústia, nossa profanação, nossos enganos... Se ao menos pudéssemos apagar essas coisas tão facilmente assim... O que nós... O que eu... estive fazendo... Estive perseguindo... ao longo destes últimos anos?
_ Majestade...
Citan acabara de se unir a eles, e a Rainha pareceu sair de sua contemplação.
_ A propósito, como está a pessoa que resgatou da Merkava? Ouvi dizer que ele recuperou a consciência.
_ Sim, bem – Citan ajeitou os óculos, também voltando os olhos para o campo nevado que se estendia por toda a volta – A princípio, ele tinha perdido a fé em si mesmo, mas agora está melhor. Kahr reviveu a si mesmo, e descobriu verdadeiro significado em sua vida. Se ele decidir lutar ao nosso lado, então nosso poder total de batalha será grandemente ampliado.

Horas antes, Sigurd e Citan estavam na enfermaria onde Kahran Ramsus despertara, ainda parecendo desolado, e estavam em vão tentando chamá-lo de volta à razão.
_ Kahr... Por favor, me ouça! Neste momento, devemos esquecer quanto a amigo ou adversário. Todos devemos apoiar um ao outro, da forma que pudermos... Neste momento, precisamos de sua ajuda!
Ramsus não respondeu de pronto, sentado onde estivera e de olhos baixos, fixos no chão. Quando parecia que ele não daria resposta, sua voz veio num murmúrio rouco:
_ ... Eu... sou... Apenas lixo... Um dejeto...
_ Pare de sentir pena de si mesmo e se recomponha, homem!!
Citan avançou até Ramsus num único passo e deu-lhe uma bofetada, surpreendendo Sigurd com uma reação tão incomum.
_ Hyuga?! O que você...
Citan ergueu a mão, silenciando-o. Após um instante, em que Ramsus não erguera os olhos, ele continuou:
_ Lixo... Dejeto... Pode ficar com pena de si mesmo e se chamar de tudo o que quiser, mas e quanto a elas?!
Ramsus ergueu os olhos, percebendo finalmente que não estavam apenas os três ali. Dominia, Kelvena, Tolone e Seraphita estavam lado a lado diante dele e sem dizer palavra. E Citan perguntou:
_ Por acaso essas mulheres são estúpidas, ou lixo, ou dejetos, também, por acreditarem em você?
Ramsus não disse palavra, olhos fixos nas mãos juntas.
_ As razões pelas quais você ajudou as garotas, que não tinham ninguém a quem se voltar, podem não ter sido tão nobres, mas ainda assim, elas permaneceram com você. Sabe por quê?
“Elas o conhecem melhor do que qualquer outra pessoa. Elas conhecem a verdadeira bondade que existe dentro do seu coração. Elas sabem por que querem ser amadas. É por isso que elas não vão abandoná-lo. Kahr... Não as torne no lixo, ou dejetos, de que fala”.
_ Comandante...
_ Todas vocês... – Ramsus murmurou, finalmente erguendo os olhos ao ouvir a voz de Dominia. E Citan deu-lhes as costas, ajeitando os próprios óculos.
_ Desnecessário dizer, você não é um lixo ou dejeto... Nós sabemos disso melhor do que qualquer um.
_ Eu... não percebi que o que estive procurando... estava tão perto de mim... Eu peço desculpas... por não perceber antes!
_ Ah, Comandante...!!

Fei também estava olhando para o campo nevado, perdido em pensamentos. Desde a entrada intempestiva pela janela do palácio em Bledavik, quando ele chegara em cima da hora para salvar Bart de Ramsus, até aquele momento ali, de pé, depois de tanto tempo.
_ Tanta coisa aconteceu entre ele e eu... Quando esta batalha acabar, eu quero enfrentar Ramsus homem a homem por esporte, não guerra, como um artista marcial.
_ Eu tenho certeza de que ele deseja a mesma coisa também – Zephyr respondeu, e Fei acenou distraidamente, a princípio sem reparar de que a Rainha o estava observando.
_ Fei... Posso perguntar uma coisa? Sobre Elly... E se, mesmo que quebremos o feitiço de Zohar, ela não voltar ao normal...
_ Elly vai voltar a ser como costumava! – Fei replicou sem se voltar – Vou seguir adiante acreditando nisso. Mas, mesmo que isso não aconteça... Eu ainda vou... Bem, digamos apenas que estou preparado pra isso também!
_ Você não tem que fazer isso se não quiser, sabe – Zephyr respondeu, sem olhar para ele – Seu oponente é a pessoa a quem você ama... Se decidir desistir agora, ninguém vai culpá-lo.
_ Desistir seria sem sentido. Tudo pelo que eu lutei, e tudo pelo qual eu vivo, ficariam sem sentido algum. As pessoas deveriam ser livres. Sem ninguém preso pelos outros, sem ninguém prendendo os outros... Dentro de mim, há uma parte de mim deseja essa liberdade, e uma parte de mim que me dá esperança. Então, eu lutarei para conquistar a verdadeira liberdade! Pois nós ainda estamos vivos! Nós lutamos para viver. Essa é a razão pela qual eu luto. É a prova de que eu sou humano. Eu prometi ao meu pai, e pra mim mesmo também, que eu libertaria Elly dos laços de Deus, que eu a salvaria.
_ Eu entendo... Então, vamos continuar acreditando... e esperemos por um milagre...
_ Er, com licença? Fei?
Eles se voltaram. Um dos auxiliares da tripulação da Yggdrasil III viera até eles.
_ Pode não ser nada, mas... A Madre Marguerite pediu que os avisasse... Chu-Chu parece ter desaparecido.
_ Mais essa – Bart resmungou – Procuraram por aí? Ela pode só ter ido visitar os outros Chu-Chus de Shevat, oras!
_ Bem, ninguém parece tê-la visto saindo da nave, jovem mestre...
_ Tch! E vocês não conseguiram encontrá-la sozinhos?
_ Ande, Bart, não custa dar uma olhada – Fei replicou, e perguntou – Faz muito tempo?
_ Parece que não, a Madre Marguerite acabou de nos avisar...
_ Então ela não pode estar longe. Vamos!
Após uma busca curta próxima ao quarto de Margie, os três a encontraram no hangar de Gears, em sua forma gigante, parada onde antes costumava ficar Vierge, e levando uma bronca do encarregado.
_ Chu-Chu! O que, raios, está fazendo aqui?! Você não precisa de manutenção!! E está no caminho! Vai comer alguma coisa e tirar uma soneca, ou sei lá o que!
_ Eu echutou exausta também! Já que está aqui... Gochutaria de uma massagem!
Diante do riso do trio e da surpresa do encarregado, ela acenou.
_ Só echutou brincando... É que... Elly... Ela era tão gentil... Sei que não chou a única que sente falta dela. Sei que Bart, Margie, Billy, Citan, Rico, Maria, Emeralda e Fei, todos sentem também. Mesmo que não digam, eu pochu sentir... De pé aqui, eu lembro do sorriso gentil e bondochu dela. A Elly vai voltar, não vai?
_ ... Obrigado, Chu-Chu – Fei respondeu, depois de um instante de silêncio – Obrigado por tentar reduzir toda essa tensão no ar por mim. Eu vou me lembrar disso... De qualquer modo... Elly tem que estar viva! Certo?
_ Fei...
_ Vamos voltar para o quarto. Acho que Margie está preocupada.
_ Tá. Eu vou juntchu!
O quarto de Margie, Primera e Chu-Chu ficava próximo à entrada do hangar de Gears. Lá entregaram Chu-Chu a Margie, aliviada em saber que a outra estava bem.
_ Não faça isso de novo, tá bem? Me deixou preocupada!
_ Dechuculpe...
_ Bom, agora que tá tudo certo – Bart comentou – e já que estamos a bordo, é melhor nos mexermos, não? Quanto mais tempo dermos, melhor vai ser pra Deus.
_ Não podemos atacar até todos estarem prontos, Bart – Fei lembrou.
_ Eu sei. Só tô dizendo pra irmos dar uma olhada...
_ Jovem mestre...
Bart deteve-se na porta, surpreso com o tom de voz e as palavras de Margie, incomumente séria.
_ É melhor que você não morra! Me prometa!!
_ Ah... É lógico! Eu não vou morrer! Ih, vê se pára de ficar falando essas coisas estranhas!
_ Desculpe... – ela escondeu o rosto – É... Você tem razão... Vai conseguir voltar... E quando você voltar, eu vou... Bem... Eu só pensei... Que talvez eu pudesse... ficar mais próxima a você... sabe...
_ Ei, whoa, corta essa! Sabe o que está dizendo?!
_ Heh, só estava brincando – ela sorriu, voltando-se para Bart – Jovem mestre, você ficou todo assustado!
Bart murmurou algo inaudível em resposta, e os três foram para a ponte de comando, onde Sigurd os esperava.
_ Deus integrou-se com Zohar e despertou... Mas descobrimos que Deus está no centro da estrutura gigantesca criada da Merkava caída. O único meio em que podemos pensar para destruir Deus é penetrar por lá e abrir caminho até o centro. Aquela estrutura costumava ser a própria Merkava, mas devemos assumir que o interior mudou significativamente. Não sabemos que perigos aguardam lá dentro. Por favor, sejam muito cuidadosos.
_ Certo, obrigado Sigurd. Deixe que eu cuide disso – Fei apertou os punhos – Eu vou destruir Deus. Mesmo que me custe tudo o que tenho...
_ Fei... Você tem certeza disso?
_ Bart... ?
_ Sei no que você deve estar pensando agora – Bart continuou, de rosto baixo – Se você destruir Deus... a proliferação das nanomáquinas que estão pra transformar o próprio planeta numa arma vai parar... Mas, se você terminar perdendo Elly, que foi unida a Deus pra esse mesmo propósito, então de que vai adiantar?
_ Mas...
 _ É verdade, Fei – concordou Sigurd – Ela é nossa amiga, que passou por muita coisa conosco, também. Eu penso que salvar uma amiga querida é tão importante quanto proteger nosso planeta ou salvar o mundo. Que melhor razão existe para lutar? Se não se pode nem salvar seus amigos, então como se poderia salvar o mundo? Não concorda?
_ É, o Sig tem razão – Bart apoiou – Nunca, jamais desista, Fei. Não importa o que aconteça! Você é o único que pode libertar Elly do feitiço de Deus. Mas nós vamos te dar tanto apoio quanto pudermos. Então...
_ Muito obrigado... Bart, Sigurd. Eu não vou desistir.
_ Você se voluntariou a lutar pelo jovem mestre e o resto de nós – Sigurd acenou em cumprimento – Então, é a nossa vez de lutar por você e Elly. Vamos, Fei... Conseguir a verdadeira liberdade!! Lançamos a Yggdrasil?
_ Vai nessa, Sig! Fei, Citan, vamos pros Gears! Quando chegarmos na área da queda da Merkava, saímos e fazemos um reconhecimento, e ainda testamos aqueles desmontadores do Taura!
_ Chamando...
Os quatro se voltaram, e só então perceberam Emeralda parada de pé atrás deles, olhando fixamente para Fei. Havia algo muito sério em seu rosto e Fei, estranhamente, sentiu que podia entender.
_ Chamando...? O que você...
_ Chamando... No farol... Chamando.

  

FOGO FRIO SE AGARRA AO MEU CORAÇÃO

sábado, 8 de abril de 2017

Capítulo Sessenta

Capítulo 60 – Plano de Ataque



Uma reunião tinha lugar a bordo de uma nave de batalha de Shevat onde Fei, seus amigos, os Sábios de Shevat e a Rainha Zephyr tentavam decidir como poderiam enfrentar a arca de Deus, Merkava.
_ ... Então, se destruirmos aquela coisa Zohar, vai estar tudo acabado, certo? – perguntou Bart, e Citan confirmou.
_ Sim. A fonte de nossos poderes ether e a fonte de energia para os geradores que fazem nossos Gears funcionarem, tudo vem do ‘Modificador Zohar’, o motor que pode controlar qualquer evento potencial. Se nós o destruirmos, Deus e os anjos – Seraph – ... Serão todos desativados. E então, também deveremos ser capazes de libertar Elly, que ficou conectada ao sistema como ‘Miang’. Certo Fei?
_ Isso. É o que a ‘Onda Existência’ me disse.
_ Mas então, há a conseqüência – Citan ponderou – Isso também deve significar que não seremos mais capazes de usar nossos Gears ou poderes ether.
_ Aliás, o que são aqueles anjos – Seraph – afinal de contas? – interrompeu Rico – Aquela aparência esquisita, como se faltasse alguma coisa... Como se não fossem nem seres vivos nem meras armas...
_ Zohar sente a consciência humana e encarna os Seraphs.
_ ‘Consciência humana’? – Billy perguntou, e Citan continuou a explicar:
_ O próprio Zohar envolve o princípio da incerteza. A percepção do observador de Zohar determina a entidade em que ele de fato vai se tornar. Em outras palavras, eu acredito que aqueles anjos são as encarnações dos espíritos das pessoas... As pessoas que foram absorvidas por Deus para se tornarem peças dele.
_ Então – perguntou Bart, de cabeça baixa e braços cruzados – que mérito há pra eles em eliminar toda a civilização?
_ É alguma espécie de ódio pelos humanos que sobreviveram? – sugeriu Maria, e Citan meneou a cabeça.
_ Claro que não. As pessoas que foram criadas e assimiladas como peças para Deus não teriam tais intenções. Tente lembrar-se do que Elly, quando se tornou Miang, disse.
_ ‘As criações de deus algum dia serão um empecilho’ – citou Fei – ‘É por isso que devem ser eliminados...’
_ Sim, é por isso que Merkava está sendo usada para começar a destruição. Mas... Deus não está seguindo o seu programa de exterminar toda a civilização... Os Seraphs, que são armas de interface terminal de Deus, estão usando seus corpos compostos de nanomáquinas para absorver quantidades imensas de pessoas, pouco importando que estejam vivos ou mortos. Não está discriminando entre as pessoas mutantes e não-mutantes. Isso é altamente peculiar, o fato de que as pessoas que deveriam ser destruídas estejam sendo tomadas também... Isso é o oposto absoluto do que ele deveria estar fazendo.
_ Talvez não haja peças suficientes – sugeriu Fei, mas Citan novamente menou a cabeça.
_ É improvável. Além daqueles corpos que eram destinados a ser peças para ele, Deus, que já adquiriu as habilidades das nanomáquinas e pode usar praticamente qualquer material para construir seu corpo. É óbvio, ele tem outras intenções em mente.
_ Tais intenções – ele ponderou de olhos baixos – Krelian chamou Deus ‘a mãe’. Se Deus é a mãe, então tais motivos estão vindo da Grande Mãe. Impedir o crescimento do filho, envolvê-lo, trazendo a criança de volta ao útero para se tornar um com ela. Esse é o seu motivo. Embora tal programa não existisse em sua estrutura de origem. Provavelmente, lhe foi dada essa vontade incomum por mais alguém. Ou por Elly, que foi mesclada a Deus, ou...
_ Seja como for – cortou Fei – não muda o fato de que nós temos que lutar, sejam quais foram as intenções deles. O problema é como supostamente vamos lidar com a situação. Acha que podemos fazê-lo em nosso estado atual?
_ Esta nave secreta de batalha, Excalibur, também tomará parte do confronto final – disse Zephyr – Adicionalmente, o potencial militar de todas as forças da superfície se reunirá aqui.
_ Mesmo que possamos reunir uma força imensa – Bart deu de ombros – ainda temos o problema do armamento principal da Merkava. Precisamos saber como derrubar aquilo. Enquanto não o fizermos...
_ O canhão de alcance ultra longo da Merkava tem a habilidade de vaporizar qualquer substância – concordou Citan – E além disso, eles têm uma barreira em volta de seu perímetro, o que nulifica todos os ataques.
_ Nós lutamos contra Merkava muitas vezes para tentar impedir seus inúmeros massacres – Zephyr comentou – No entanto, não conseguimos sequer nos aproximar. Assim sendo, tivemos que nos retirar todas as vezes.
Houve um instante de silêncio, e Fei bateu na parede atrás de si de frustração.
_ Maldição! Não importa o quanto queiramos salvar Elly; se não conseguimos penetrar na Merkava, é inútil.
_ A se acrescentar a isso, há o problema daqueles  Seraphs – lembrou Sigurd – Eles funcionam como as armas de interface terminal para defesa de proximidade. Posso dizer tranquilamente que seu poder de ataque é equivalente ao da classe dos Omnigears.
_ Eles têm até a habilidade regenerativa, devido às nanomáquinas – Bart murmurou, concordando.
_ Não se preocupem com isso.
Todos se voltaram para Taura, surpresos em ver um sorriso no rosto do velho sábio.
_ Fui capaz de obter alguns dados de Xenogears... Entendem, Xenogears evoluiu mutagenicamente devido ao seu contato com Zohar. Usando esses dados, todos os seus novos Gears devem ficar completos em breve. Adicionalmente, todas as outras armas e blindagens estão sendo modificados para implementar a ‘Função de Desmonte’.
_ ‘Função de... Desmonte’? – perguntou Billy.
_ Em contraste aos nanomontadores, que criam matéria para reparos, os desmontadores têm a habilidade de desmontar ou destruir matéria. Eles podem até mesmo desativar a habilidade restauradora das nanomáquinas, desativando seus programas de reparo. Isso deve ser suficientemente efetivo mesmo contra os Seraphs de Deus.
_ Tudo bem, mesmo que consigamos lidar com os anjos – Fei perguntou – exatamente como vamos lidar com aquela Merkava? Não conseguimos chegar perto da coisa...
_ Não existe algo como uma ‘defesa perfeita’ – objetou Citan – Existe um meio. Olhem todos aqui.
Um globo holográfico formou-se em meio a todos, e eles se aproximaram para examinar o que parecia um gráfico tridimensional da estrutura triangular que era a torre do canhão principal sobre a Merkava, enquanto Citan explicava:
“A arma principal da Merkava requer um intervalo de 1.2 segundos para recarregar devido à sua tremenda saída de energia. Quanto ao disparo, embora seja apenas seccional, haverá uma porção da barreira que será aberta. Há um atraso de 1.87 segundos antes que a barreira se reforme naquela área. Se pudermos usar essa janela de tempo para marcar o alvo e destruir aquele canhão, será possível nos aproximarmos. Se pudermos chegar perto o bastante, podemos atravessar com correção espacial-gravitacional.”
_ Bem, essa é a idéia por alto.
_ Infelizmente, não temos um canhão de tão longo alcance – lamentou Sigurd – que consiga marcar um alvo num intervalo de tempo tão breve.
_ Então, o que estão dizendo é que só precisamos silenciar aquele canhão imbecil, certo?
Todos se voltaram para Bart, surpresos com seu tom de voz animado. E uma vez que ele tinha exposto sua idéia, a surpresa foi ainda maior.
_ ... Você quer ir direto pra cima da Merkava?!
_ Ora vamos, está sendo descuidado de novo! – bronqueou Billy – Isso é suicídio!
_ Não, escutem – Bart acenou – Não vamos simplesmente correr pra cima dela. A Yggdrasil IV e essa Excalibur também estão equipadas com barreiras. É isso o que vamos usar. Embora por pouco tempo, nós podemos resistir a um impacto direto do canhão principal da Merkava. Daí, podemos nos aproximar e ficar de olho naquela parte da barreira, pra fazer ela cair, e então destruímos o canhão.
Silêncio seguiu-se às palavras de Bart. Um plano ousado e impetuoso, exatamente como algo que deveria vir dele, e embora fizesse algum sentido, ainda deixava espaço para muitas dúvidas.
_ Quanto tempo nossa barreira vai durar? – perguntou Fei, e Bart cruzou os braços e baixou a cabeça, parecendo ponderar.
_ Uns vinte segundos.
_ Só isso? Não faria diferença o quanto podemos ser rápidos. Nesse limite de tempo, vamos ficar sem uma barreira antes de conseguirmos entrar em alcance de tiro. E esses números só são válidos se o gerador estiver a plena carga, certo? Só se pode alcançar essa média se sacrificarmos toda a saída e propulsão secundários.
_ Eu não tô sugerindo que saiamos de frente, cuspindo fogo, sabendo que vamos perder – Bart replicou novamente – Nós vamos por uma tampa física em cima dele, diretamente!!
A dúvida era óbvia nos semblantes de todos, que até então estavam assistindo à discussão de Fei e Bart como a uma partida de tênis, e viram o pirata sorrir.
_ Como você disse, a barreira da Yggdrasil IV ou da Excalibur não podem defender por tempo suficiente contra o ataque da Merkava. Pelo menos, não com um gerador...
_ Significando que...? – Billy perguntou, e Bart concluiu o raciocínio.
_ Significando que podemos nos defender contra a Merkava com o dobro do tempo, quarenta segundos, se acoplarmos os dois geradores um no outro. Dessa forma, podemos conseguir alcançar o coração da Merkava.
Mais silêncio. Era curioso como, de uma idéia totalmente sem sentido, o plano de Bart começava a tomar a forma de algo prático e funcional. Enquanto as expressões de todos começavam a aceitar a idéia, Maison perguntou:
_ Então, quanto à propulsão...?
_ Calma, só me escuta. É isso o que vamos fazer...
Apressadamente colocando dados no computador holográfico, Bart surgiu com uma mostra tridimensional da nave em que estavam e do Gear Superdimensional Yggdrasil IV enquanto explicava:
“Primeiro nós transformamos minha Yggdrasil no modo de ataque pesado, e montamos ele na Excalibur, pra podermos conectar os geradores. Fazendo isso, podemos reduzir o uso de energia apenas apoiando ele no casco da nave, e gerando a barreira. Isso vai permitir que a maior parte da energia seja voltada pra a geração da barreira”
Um segundo holograma mostrou um cone formado diante da Excalibur e da Yggdrasil, e a explicação continuou:
“Depois, mudamos a barreira totalmente pra dianteira e focalizamos ela pra um único ponto onde o canhão principal deles vai fazer seu ataque”
“Agora, quanto ao movimento. Primeiro que tudo, desenvolvemos uma barreira ativando o gerador da Excalibur à força máxima. Pra propulsão nessa hora, vamos instalar na Yggdrasil aqueles foguetes gigantescos que pegamos nas ruínas do Dispersor em Massa.”
A holografia mudou, agora mostrando o Gear gigante de Bart com um míssil em cada uma das mãos, e a barreira projetada diante da nave.
“Quando a barreira da Excalibur expirar, vamos usar o gerador da Yggdrasil IV pra desenvolver uma barreira. Daí, também desligamos os foguetes sólidos e mudamos a Excalibur pra vôo convencional”
Mais uma mudança. Desta vez, o diagrama mostrava a torre de tiro triangular da Merkava, com a Excalibur a pouca distância e a Yggdrasil IV de pé sobre o canhão.
“Usando esse método, podemos ir direto pra cara da Merkava. Depois que ela atirar, vai ficar indefesa. Durante esse tempo, vamos tapar a saída do canhão da Merkava com o aríete frontal da Excalibur. Até aí, devemos ter 0.67 segundos...”
O último diagrama apareceu, mostrando uma sutil mudança. Um feixe de energia partia da Excalibur e a Yggdrasil estava no centro do ponto de impacto.
“Com um tiro dos canhões da Excalibur, vamos destruir o gerador escravo da Yggdrasil IV e assim incapacitamos a Merkava de uma vez. E então... nós entramos!”
Desligando o projetor holográfico, Bart sorriu para todos, obviamente impressionados. O plano era bom, apesar dos detalhes.
_ ... Basicamente, esse é o plano. A combinação das barreiras das duas naves... cair matando em cima da Merkava... O tempo pra o tiro dos canhões da Excalibur... Tudo vai ser crucial. Basta errar um desses passos e as conseqüências vão ser tremendas. Assim, vai ser necessário fazer as duas tripulações estarem em sincronia uma com a outra. Por isso, eu gostaria de colocar o Sig no comando da Excalibur.
_ ... Não tenho reservas quanto a isso – Sigurd respondeu, acenando com a cabeça solenemente diante do olhar de Bart, que então se voltou para Zephyr.
_ O que diz, Rainha? Pode nos emprestar sua nave de batalha?
_ Já que não parece haver outra alternativa, façamos como diz. Por favor, use-a como achar adequado.
_ Mas não estamos cortando um pouco rente demais...? – Citan questionou, parecendo preocupado – Quando calcular o tempo de chegada e o tempo de geração da barreira, vai entender do que estou falando! Um erro mínimo nos colocará numa situação em que podemos ficar sem energia para a barreira antes da nossa chegada.
_ E também, estaremos devotando ambos geradores a manter as barreiras ativas – lembrou Sigurd – Isso não vai nos deixar sem defesas de perímetro? Não teremos a menor chance se depararmos com os anjos Seraph no caminho para Merkava.
_ Nós vamos mantê-los afastados – Fei adiantou-se, acenando com confiança para Bart. O plano era muito arriscado, mas também brilhante. Bart estava se propondo a ficar diretamente sob o fogo do canhão da Merkava para levar a invasão a cabo; ele ajudaria como pudesse.
_ Podem contar conosco! Vocês apenas se concentrem em derrubar aquele canhão principal.
_ Valeu – Bart sorriu – Contamos com vocês, então.
_ Tudo bem, todo o resto já foi resolvido, de um jeito ou de outro – Fei dirigiu-se a todos – Esse é o único lugar que restou. Essa vai realmente ser a ‘batalha final’.


<Fei>

Nós partimos para silenciar a arca de deus, ‘Merkava’, que era a epítome do poder ofensivo e defensivo... e então íamos irromper para dentro dela...

Nós iniciamos a operação para destruir ‘Zohar’.


No dia seguinte, de trás de uma cordilheira próxima, a Excalibur surgiu com o Gear Superdimensional Yggdrasil IV de pé sobre sua proa, carregando um míssil gigantesco do Dispersor em Massa em cada uma das mãos, e conforme o plano de Bart, a propulsão em vôo era provida apenas por eles.
Com a aproximação do objeto estranho, a torre de tiro da Merkava girou e travou o alvo, enquanto suas inúmeras células de projeção iluminaram-se antes de enviar um feixe poderoso de energia que engoliu o alvo com seu poder...
... mas a barreira da Excalibur, como Bart antecipara, resistiu ao impacto e a força propulsora dos foguetes continuou a impulsioná-los adiante, cada vez mais próximos do objetivo.
Quase na metade da trajetória, a Yggdrasil soltou seus foguetes e ativou sua própria barreira, enquanto a Excalibur mudava para vôo convencional, agora protegida da descarga de energia pelo poder do Gear gigantesco de Bart.
Seguindo sempre adiante, eles penetraram no limite da barreira invencível da Merkava ao mesmo tempo em que o disparo do canhão principal cessou. O aríete de proa da Excalibur destacou-se e Yggdrasil IV saltou, impulsionado adiante pelos jatos em suas costas, empunhando o aríete como uma espada longa. E antes que o canhão fosse reativado, suas células projetoras de energia foram atravessadas pelo golpe da Yggdrasil.
E o novo Andvari de Bart, pilotando o Gear Superdimensional através da ponte de comando montada em sua cabeça, moveu o timão externo e destacou-se de seu posto, dando o sinal para que os canhões principais da Excalibur alvejassem o gerador escravo da Yggdrasil IV com tal poder que o imenso Gear foi atravessado de um lado a outro, e foi tal visão que ficou congelada por um momento no olhar de Bart Fatima antes da explosão.
_ Missão cumprida, Yggdrasil – ele murmurou, lamentando que não pudesse ser de outro modo – Bom trabalho.
De repente, ouviu o sinal de alarme a bordo da cabine de comando e viu o motivo. A detonação do canhão principal da Merkava foi seguida de uma nova explosão, enquanto chamas alastraram-se por toda a extensão da arca de deus, visíveis do exterior por cada ponto exposto de sua estrutura. A voz de Fei, ouvida pelos comunicadores da ponte de comando da Yggdrasil III veio num murmúrio:
_ Não pode ser!
_ Uma explosão secundária...?! – perguntou Billy, em meio às luzes e sirenes de alerta, e Citan levou a mão à cabeça.
_ Oh não! Eu deveria ter sabido. Que erro de cálculo!! A explosão foi grande demais. Ela reagiu com o condensador principal logo abaixo do canhão principal e induziu uma explosão secundária... Como pude ser tão estúpido!?
_ Peraí – veio a voz de Bart pelo comunicador – Tá dizendo que nós exageramos!?
_ Por que não percebi isso antes?! – Citan meneou a cabeça, desconsolado – Isso significa... que podemos ter... oh não, Elly...!
_ Ah... Minha nossa... – Fei murmurou – Elly...!!
Um novo som, profundo e forte, se fez ouvir por toda a volta, levando todos os tripulantes a olharem em volta, assustados, e Billy perguntou:
_ O q-quê?! O que foi dessa vez?
_ Ô Citan! – Bart chamou novamente – O que mais vai acontecer?!
_ Algo está acontecendo no interior da Merkava – Citan observou pelo monitor – O que poderia ser...?!
Lá embaixo, a estrutura em chamas da Merkava subitamente rompeu-se de dentro para fora, enquanto o que parecia uma montanha metálica brotou dos destroços, continuando a desdobrar-se para o alto e para os lados, assumindo uma forma peculiar, semelhante a antenas, ou asas. E um projetor de energia de alguma espécie formou-se diante da estrutura, emitindo uma forte radiação.
E uma onda de energia espalhou-se por toda a volta num raio amplo, recobrindo o terreno à sua volta instantaneamente com uma espessa camada de metal opaco, e foi uma reação tão ampla que foi visível mesmo à altura da órbita de Ignas.


<Fei>


Naquele momento, a terra sacudiu e tremeu. E, do local onde a Merkava caiu, um objeto gigante apareceu.
Era a forma final de Deus.

A Merkava era meramente seu veículo.
Deus evoluiu, através do uso das nanomáquinas de Krelian, em uma arma de escala planetária, e começou a terraformar.
Estava tentando converter este planeta inteiro numa arma...

Nos retiramos para a base nas planícies nevadas para formar uma nova estratégia...

Decidimos voltar para o interior de Deus. O tempo estava se esgotando para nós.

  

NÓS PODEMOS CORRER ATÉ O FIM DO MUNDO.

sábado, 1 de abril de 2017

Capítulo Cinquenta e Nove Ponto Um

(...)

Um remexer tímido de Crescens indicou a Citan que Emeralda estava despertando, e o distraiu do primeiro movimento dos dois Omnigears, que colidiram com estrondo no espaço entre eles.
O Verdadeiro Weltall de Grahf deslizou para trás, impulsionado pelo choque com Xenogears, mas se recuperou primeiro, apesar do Gear de Fei ser claramente mais poderoso.
_ Fei ainda não se habituou com a resposta e os novos poderes de seu Gear, ao que parece – murmurou Citan com preocupação – Isso, diante de um adversário como Grahf, pode ser fatal.
_ É, mas parece que ele tá pegando o jeito depressa – exclamou Bart – Olha lá!
O Weltall de bronze avançou depressa sobre suas asas de metal, reduzindo a distância até o oponente num instante. Mas Xenogears estendeu sua mão esquerda, e apesar da esquiva para o lado oposto, o Gear de Grahf foi atingido uma vez.
Um segundo movimento, agora com a mão direita, e Xenogears tornou a perder o adversário por milissegundos. E Grahf estava sobre ele, os punhos do Verdadeiro Weltall repletos de chi vermelho.
E seu ataque se perdeu quando Xenogears recuou deslizando, moveu os braços adiante enquanto se esquivava, e apenas então Grahf compreendeu que os ataques anteriores apenas tinham servido para colocá-lo na posição correta e abrir sua guarda. E não havia como se proteger ou evitar o ataque à distância de Fei.
_ Uma versão mais poderosa do Raigeki, conduzida com ondas sutis de energia! – Citan analisou admirado – Pode abrir a guarda do adversário e golpeá-lo com maior potência, mesmo sem fazer contato...! Impressionante!
_ É, e ainda bem que tá do nosso lado dessa vez – Bart suspirou aliviado, enquanto de trás dos dois, tendo deixado seu Gear, Emeralda olhava fixamente para o Gear branco que lutava.
_ Fei...?
O Verdadeiro Weltall de Grahf tornou a atacar, mais veloz agora e pelo alto, alcançando Xenogears por cima e atingindo-o em cheio com a seqüência de chutes do Hazan.
E então se voltou, num salto mortal de costas e pairando no ar com suas asas de bronze, despejando sobre Xenogears as esferas de chi do Fukei à curta distância e à queima-roupa, um ataque devastador e próximo demais para que Fei evitasse.
Foi quando Xenogears saltou, as asas celestiais agora abertas e parecendo, de algum modo, servir como proteção contra o grosso do ataque de Grahf.
Ainda que admirado, Grahf deixou de atacar por um instante e concentrou as ondas de chi e vento no punho direito, e lançou o ataque no mesmo momento em que as duas mãos de Xenogears alcançaram o peito do Verdadeiro Weltall.
Ambos os Gears foram arremessados para trás, Xenogears rolando no ar para trás e o Verdadeiro Weltall de costas, fumegando, enquanto seu piloto reconhecia a própria situação. Fizera um de seus melhores ataques, e o outro ainda o atingira. E ele também sabia, o Gear de Fei agora estava com a vantagem.
Xenogears, à distância, assumiu uma postura diferente, parecendo relaxado. Para Bart, Citan e Emeralda, fazia parecer que ele desistira da batalha, recusando-se a se defender, mas Grahf podia reconhecer aquela posição.
_ Maldição... Não vai ser tão fácil!
Havia um último recurso a usar, e o Verdadeiro Weltall tornou a arremeter contra Xenogears, seus Turbos no máximo e as descargas de energia devastadoras do Fukei emitidas em perfeita sincronização com seu piloto, tirando proveito do deslocamento para aumentar seu poder de impacto.
Do outro lado, Xenogears também avançou, carregado por suas asas de energia e os braços em posição para atacar, sem tentar desviar. Aquele golpe requeria que ele não desperdiçasse movimentos se esquivando ou bloqueando, e se ao menos Grahf pudesse atingí-lo com mais algumas esferas de chi...!
_ Xenogears em Modo Hyper: Kosho X!!
O Verdadeiro Weltall revestiu seus pulsos com chi vermelho e procurou bloquear o ataque, mas os braços de Xenogears moveram-se depressa, recobertos com chi dourado flamejante, numa versão muito mais poderosa da técnica em Modo Hyper. Todos os movimentos de defesa de Grahf falharam, chegando uma fração de segundo atrasados para impedir os impactos explosivos que enviaram o Verdadeiro Weltall de costas para trás, deslizando desamparado sobre gelo derretido e solo enquanto Xenogears se detinha na postura do último ataque.
As asas metálicas estavam baixas, e era evidente pela postura do Verdadeiro Weltall que Grahf não suportaria continuar por muito mais tempo. Mas sua atitude de desafio continuava.
_ Por que não acaba comigo? Se não se livrar de mim, então não poderá ter tudo o que deseja.
_ Está tudo bem... pai. Eu entendo. Você não é Grahf. Você é meu pai. Você e Grahf são um. Sua vontade e propósito nunca mudam. Eu soube assim que lutamos. Mas vamos parar agora. Nossos objetivos deveriam ser os mesmos. É o mesmo que nos tornarmos um. Não temos que lutar.
Uma luz intensa pareceu brilhar apenas para Fei, e de repente ele e Xenogears foram envoltos por uma energia externa tão poderosa que não havia como enfrentá-la.
_ Arrghh! O que...?! Meu corpo...!?
_ Zohar está procurando por você! – Grahf compreendeu, olhando de Xenogears para a placa metálica atrás de si – A peça final a se combinar com o sistema de Deus. Ele procura se unificar com você... O primeiro a ter sido dividido.
Fei não conseguia resistir a princípio, sentindo como se a pele estivesse sendo repuxada na direção do Modificador Zohar. Aos poucos, porém, o controle sobre seu próprio corpo começou a retornar. Sentiu que seu Gear também estava sendo liberto, e então notou que o Verdadeiro Weltall estava de asas abertas diante da placa metálica.
_ O que...?!
_ Isso é o que Lacan queria o tempo todo – Grahf respondeu – Afinal, eu sou uma existência imperfeita. Era inevitável que chegasse a isso... Considerando o que tinha acontecido no passado.
“O contato secundário imperfeito de Lacan com a Onda Existência dividiu sua personalidade em duas. Eventualmente seu corpo morreu, mas o Lacan original transmigrou... Trazendo consigo o destino de se tornar um Contato, ele renasceu como o seu corpo atual. A persona remanescente, apenas seus desejos, viveu à parte possuindo os corpos de outros. Isso é Grahf... Isso sou eu”.
_ Posso ter herdado a vontade de Lacan, mas não sou o mesmo que o ‘Contato Lacan’. É impossível para mim fazer contato verdadeiro. Não haveria verdadeira fusão e liberação. Mesmo que nossos corpos sejam diferentes, porém, eu ainda sou metade de você. Esse fato permanece. Embora seja imperfeito, eu posso me fundir temporariamente com Zohar, e assim posso ser capaz de ganhar para você algum tempo. Essa é a única forma de poder ser um com você.
O Verdadeiro Weltall de Grahf ergueu também seus braços, e luz dourada começou a brotar de Zohar, enquanto Grahf continuou:
_ Isso é tudo o que posso fazer. O sistema de Deus vai começar a procurar por você novamente. Antes disso, você tem que destruir o recém-aperfeiçoado Deus e este Modificador Zohar. Você é o único que pode destruir a barreira física que aprisiona o corpo de deus.
_ Pai!
_ Como você disse, aquela era Karen – e a voz da máscara pareceu ser a voz de Khan novamente – Ao longo de muitas gerações, Miang está começando a se libertar de seus laços. Agora que Elhaym mesclou-se com Deus, ela tem todas suas memórias outra vez. Todas as memórias, de seu nascimento original como o complemento do Contato até sua transmigração atual. Isso inclui todas as vidas que ela viveu como Miang, e suas substitutas ao longo dos séculos. E é claro, isso inclui as memórias de sua mãe também.
_ As memórias da mamãe...?
_ Fei, corte todos os laços da humanidade – a voz de Khan soou diferente, como se ele se afastasse aos poucos – Você deve ser capaz de fazê-lo agora. Salve-a, e todas as outras mulheres aprisionadas com ela!
Numa luz muito mais intensa, Zohar ascendeu e libertou-se do solo, enquanto o Verdadeiro Weltall erguia-se com ele e levantou sua cabeça, fundindo-se à luz e desaparecendo aos poucos, e juntamente com ele as últimas palavras de Grahf.
“Eu estou implorando, Fei...!”

Citan, Bart e Emeralda aproximaram-se de Fei, que a princípio apenas descera de seu Gear no local onde Zohar emergira do solo. Ele parecia perdido em pensamentos a princípio, mas sua atenção foi atraída pelo brilho da lava refletido em algo no solo.
_ O que é isso...?
Fei ajoelhou-se, recolhendo o objeto caído e percebendo que era algo muito familiar.
_ Esse pingente... Esse é o de Sophia... Ou da minha mãe...?
_ Hã?
_ Não, nada... – ele voltou-se para os amigos – Só estou falando comigo mesmo. Sinto muito, por todos os problemas que causei a todos. Muito obrigado a todos vocês.
_ Bem... Vamos andando! Agora resta pouco tempo... Pra mim... e para o nosso planeta!

_ Que lugar é esse...?!
Bart olhou ao redor admirado, e mesmo Citan não parecia entender. Fei tinha uma expressão serena e profunda, enquanto subia lentamente a colina verdejante.
_ É aqui, onde tudo começou. Essa é a nossa gênese! Nós... Não, os humanos nasceram aqui.
“Há muito tempo, Deus colidiu com este planeta numa nave colônia interplanetária – ele explicou, enquanto Citan, Bart e Emeralda seguiam, parecendo confusos – A fim de se reviver algum dia, Deus destacou o núcleo do Modificador Zohar. Depois que essa unidade do núcleo caiu aqui, uma única mulher despertou e se ergueu dela. Ela é a mãe de toda a humanidade. Depois que despertou, ela usou todo o seu poder para dar vida a vários seres. Eles se tornariam os ancestrais da humanidade inteira.”
Fei atingira enfim o cume da pequena colina, e para a surpresa de Bart e Citan, havia uma peça de maquinário ancestral lá em cima, parecendo tão antiga quanto o próprio mundo.
_ Eles eram o Imperador e o Ministério Gazel. Finalmente, ela deu à luz réplicas de si mesma para serem as guardiãs da humanidade – e baixou os olhos, enquanto Bart e Citan olhavam admirados para a estrutura – Dois ‘eus’ diferentes... A mãe – humana – e a arma... O objeto e o complemento. Isso são Elly e... Miang. Eu, o único sobrevivente da nave colônia, encontrei Elly e... tudo começou de lá. A terra da gênese – Kadomony – ... Este é o lugar.
_ Tá, mas Fei... – Bart perguntou – Mesmo com seu destino partilhado com Deus, por que você tem memórias tão antigas...?
_ Geralmente, memórias humanas não podem ser transferidas através das gerações. Humanos normalmente não possuem a habilidade de comprimir e guardar memórias em seus introns. Mas Elly e eu... E Miang... somos diferentes. Devido à nossa conexão com a ‘Onda Existência’ – ele voltou-se para a máquina antiga – Isso é, devido à habilidade de Zohar de mudar fenômenos possíveis, nós podemos claramente guardar dados em nossos introns. Em outras palavras, nós podemos deixar memórias a serem herdadas por nossos descendentes.
“Assim como a Onda Existência está aprisionada no interior de Zohar, a informação está afixada em mim, por assim dizer, por algum poder da Onda Existência.”
_ Então, esta é...!
Fei viu Citan, admirado, aproximar-se ainda mais da máquina. O eixo central da estrutura pareceria quase com uma espinha dorsal, com doze ramificações laterais e um cilindro verde central, onde ainda parecia possível avistar alguma coisa que ali estivera por muito tempo. Alguma coisa... Ou alguém.
_ Esta é a forma de quando Elly e Miang ainda eram um só ser... Esta é a primeira mulher do nosso mundo.
“Nossa mãe...”
Era possível observar, olhando com atenção, uma forma que parecia humana no interior do elemento central da máquina. Havia muito tempo, quando o menino que seria Fei olhara para ela, havia uma mulher parecendo adormecida no interior do cilindro. Uma mulher de longos cabelos vermelhos. 



NÓS PODEMOS CORRER ATÉ O FIM DO MUNDO...