domingo, 28 de agosto de 2016

Capítulo Quarenta e Sete Ponto Dois

(...)

Fei mal podia acreditar, flexionando os dedos e as mãos estendidas diante de si mesmo e então olhando para o ventre, e para as pernas. As lembranças estavam muito confusas, mas acreditava se lembrar de algo quebrado em seu tronco... Talvez também a perna direita... E agora...
_ ... Estou curado...
_ Você ficou dormindo nesse nanorreator por três semanas.
Havia um senhor idoso de ar gentil diante dele, e Fei tinha certeza de que não o conhecia de parte alguma. Olhou para a máquina que lembrava um liquidificador e de volta para o desconhecido.
_ Nanorreator...? Quem é você?
_ Eu...? – deu de ombros e se afastou um pouco, de costas para Fei – Eu esqueci o meu nome... Algumas pessoas me chamam Taura...
O homem voltou-se, sorrindo abertamente para Fei. O rosto estava meio encoberto pelo manto branco que usava, mas era possível notar que ele estava muito avançado em idade, talvez fosse a pessoa mais idosa que Fei já vira. Bem, depois da Rainha Zephyr, embora ela não parecesse ter a idade que tinha. Mas, ainda havia muita vitalidade naquele senhor, que obviamente sorria ao acenar afirmativamente para ele.
_ E você, parece ter se recuperado completamente. Aqueles eram ferimentos terríveis, mas talvez sua juventude e força tenham ajudado. Mas... os ferimentos da sua amiga são mais sérios, e podem tomar um pouco mais de tempo...
E ele solenemente se afastou, enquanto Fei se dava conta do outro cilindro no aposento.
_ Minha amiga...? Elly!!
Imersa no mesmo líquido esverdeado e num cilindro diferente, Elly dormia. Estava flutuando sentada em posição fetal e parecia inconsciente, e Fei sentia em si uma confusão de sentimentos ao vê-la naquele estado. Ao menos, pelo pouco que podia enxergar de seu rosto, ela parecia tranqüila, e não sentindo dor.
_ Elly...
_ Ei! – Taura chamou da porta do aposento enquanto saía – Pare de ficar olhando para a garota nua e venha pra cá!
Foi quando Fei se deu realmente conta do estado de Elly e ficou de costas, o rosto em brasa enquanto Taura deixava o recinto. Mas, ao se voltar para fazer o mesmo, Fei percebeu alguma movimentação no cilindro.
_ Elly...?
Era como se ela tivesse se movido. Continuava inconsciente e flutuando no nanorreator, mas estava voltada para ele.

_ Fei!!
Citan estava esperando lá fora, e o alívio em seu rosto era imenso quando ele se aproximou e cumprimentou o jovem amigo.
_ Doc!!
_ Eu ouvi o que houve de Taura e vim direto para cá! Rapaz, aquilo sim foi sorte. Foram muito afortunados de ter descido perto da instalação de pesquisas de Taura...
_ Hm, isso não é instalação de pesquisas nenhuma – Taura corrigiu – É o ‘esconderijo de um homem’! E você, rapaz... Citan me falou a seu respeito. Eu fiquei chocado ao ver um casal caído e encoberto de sangue.
_ Um casal...
_ Seja lá como for – Citan interveio – Vocês escaparam por muito pouco. Fei, não se esqueça de agradecer a Taura!
_ Taura, muito obrigado a você – Fei curvou a cabeça – por ter salvo Elly... Elly e eu fomos feridos com tanta gravidade, e agora... Afinal, que máquina é aquela?
Ele tornou a olhar para o próprio corpo, sentindo o local onde tanto doía antes. Parecia difícil acreditar que realmente estivera ferido, porque não havia sequer uma cicatriz.
_ É chamada de ‘nanorreator’. É um equipamento que pode reconstruir substâncias em nível molecular. Não apenas pode curar humanos mas, em teoria, deve também ser capaz de criar muitas substâncias.
Ao ouvir falar em cura molecular e criação de substâncias, Fei sentiu sua memória se agitar. Agora se lembrava de onde ouvira o termo ‘nanorreator’ antes.
_ Não é a mesma coisa que daquele cara em Solaris...? Digo, é o mesmo que Krelian está estudando?
_ Sim, isso mesmo – concordou Taura, desviando os olhos – Eu fui a pessoa quem ensinou nanotecnologia a ele.
_ Foi você?
Um sinal eletrônico se fez ouvir no outro aposento, e Taura voltou seus olhos para a porta.
_ Não deveríamos desperdiçar tempo falando de um assunto tão pouco importante. Parece que o tratamento dela terminou. Ah, você não precisa vir – ele acrescentou, ao notar que Fei parecia disposto a acompanhá-lo – Apenas espere aqui.
Fei se manteve em silêncio, pensativo enquanto esperava, e Citan percebeu que seu jovem amigo estava imerso em reflexões. E assim ele se manteve até que a porta se abriu e Taura retornou, com Elly caminhando diante dele e parecendo tão ilesa quanto o próprio Fei.
_ Elly!
_ Fei... Eu...
Os dois olharam de um para o outro nos olhos em silêncio pelo que pareceu um tempo muito longo. Enquanto estavam inconscientes... algo acontecera. Algo que dançava nos recessos das memórias de ambos, algo muito importante e profundo, que dizia respeito aos dois. E não havia como descreverem o alívio que cada um sentia por ver o outro plenamente recuperado.
_ Aham! – fez Taura, interrompendo o silêncio – Agora, por que os dois não vão respirar um pouco de ar fresco lá fora? Isso deve acalmar o choque da mudança.

_ Eu sabia que era você...
_ Fei...?
Estavam do lado de fora da casa de Taura, na floresta. Era dia claro e no entanto, estava consideravelmente escuro ali; as copas das árvores eram amplas e próximas e escondiam muito da luz do sol, como na Floresta das Trevas onde ele a conhecera. Ou... onde a reencontrara...
_ Quando você entrou na sala agora a pouco – ele deu as costas a ela, parecendo encabulado – Eu tive medo de que você pudesse ter esquecido de mim e de todo o resto...
_ O que quer dizer...?
_ Digo... porque... Elly, você parecia um pouco diferente de antes...
Elly também deu as costas a ele. Agora ela também estava sem jeito.
_ O... O meu rosto mudou?
_ Não, não é isso – ele voltou-se para ela – Foi mais como se... Bom... Eu quis dizer que sua atmosfera, ou impressão está diferente... Só um pouquinho... Mas... eu senti algo familiar...
Ele tornou a esconder o rosto, e baixou os olhos. Era estranho, sabia do quê estava falando, mas não sabia como dizer aquilo. Principalmente, não sabia como dizer sem parecer ter enlouquecido.
_ Eu me senti do mesmo modo como quando conheci você... Uma sensação peculiar como se já tivéssemos nos encontrado antes, em algum lugar...
_ Fei...
Elly também se afastou um pouco, sem se voltar. Quase parecia que ele também...
_ Sim, o que foi?
_ Eu não me lembro muito do que aconteceu depois que fomos alvejados...
_ Acho que é melhor assim.
_ Mas eu ouvi alguém chamando o meu nome – Elly voltou-se para ele, muito séria, e sabia que de algum modo ele saberia do quê ela estava falando – Eu senti que estava coberta com algo muito caloroso... Me lembro disso com clareza.
Ele não encontrava nada para dizer. Era estranho. Era como se houvesse muito a dizer, mas não com palavras.
_ Obrigada, Fei.
_ Elly...
Cada um deu um passo na direção do outro, ambos olhando diretamente nos olhos. Era sério, muito sério. Estarem juntos ali, vivos apesar de tudo, era algo de extrema importância. Era o que tinha de ser.
_ Fei...
_ Ei, já deu a hora de vocês dois voltarem para dentro! – gritou Taura lá embaixo – Há uma coisa importante de que precisamos falar com vocês!
Os dois olharam ao redor como se despertassem de repente, e Fei tornou a olhar para Elly. O momento passara, sabia. Ela suspirou profundamente e ele respondeu gaguejando que já estavam indo.
Fei e Elly retornaram à câmara do nanorreator, e Taura olhou para ambos com um sorriso satisfeito.
_ Como se sentem agora? O ar fresco da floresta deve tê-los refrescado um bom bocado, hein?
Fei e Elly se entreolharam. Fei só podia supor, mas pela expressão de Elly ela partilhava a opinião dele, de que Taura podia muito bem ter esperado mais uns dois ou três minutos antes de chamá-los de volta. Sem fazer qualquer conta da troca de olhares, no entanto, o ancião pigarreou e prosseguiu:
_ Seja como for... É sobre a remoção do selo... Eu descobri que ele pode ser liberado usando-se a nanotecnologia que regenerou vocês dois. Os nanomontadores estão selados neste casulo.
_ Se ao menos pudéssemos espalhá-los por sobre o mundo todo – murmurou Citan, e Taura voltou-se para ele.
_ Há uma antiga instalação militar nas proximidades... Podemos ser capazes de utilizar o ‘Dispersor em Massa’ localizado lá para lançar este casulo até a atmosfera superior. Uma vez que os nanomontadores sejam liberados lá em cima, as correntes convergentes devem bastar para espalhá-los pelo mundo!
“Eu gostaria de poder fazê-lo – ele acrescentou, voltando-se para Fei – mas estou ficando velho demais para esse tipo de coisa. Além disso, diz respeito ao seu futuro. Um velho não deveria se intrometer. Vocês, jovens, devem fazê-lo por si mesmos! Aqui”.
E entregou a cápsula com os nanomontadores que, caso a missão fosse levada adiante com êxito, liberariam os Limitadores de cada pessoa em Ignas. Fei olhou para o objeto do tamanho de um controle remoto, imaginando como algo tão pequeno poderia afetar o mundo inteiro.
_ E, naturalmente, não estou pedindo que faça isso de graça – Taura acrescentou, retirando algo do bolso – Experimente essa braçadeira.
Sem entender, Fei colocou no pulso esquerdo o que parecia ser apenas uma pulseira de cor escura.
_ O que é isso? – perguntou Citan.
_ Um ‘Dispositivo de Controle das Emoções’ no qual nanotecnologia é aplicada – Taura explicou – Desta máquina em forma de braçadeira, nanomáquinas são infundidas através de sua epiderme até o seu cérebro. Lá, elas refinam as substâncias intracerebrais SSRI, tais como a Serotonina, que controlam as emoções.
Taura voltou-se. Fei continuava olhando para ele com dúvida, e ele acenou negativamente.
_ Bem, eu suponho que seja razoavelmente difícil que você compreenda... Mas, de forma resumida, significa que a manifestação de sua segunda personalidade, ‘Id’, pode ser suprimida.
_ Id...
Fei desviou os olhos e baixou a cabeça. Sim, era forçado a retornar à batalha. E Id estava esperando exatamente por isso para vir à tona novamente. Talvez, dessa vez, em definitivo. Ele sentiu a mão de Elly em seu ombro e perguntou-se se iria colocá-la em risco outra vez.
_ Bem, é claro, isso tudo é teórico... – Taura prosseguiu – Ah, e eu fiz mais uma coisinha, também...! Instalei o mesmo sistema de controle no seu Gear...
_ Você quer dizer que isso pode libertar Id à vontade...? – Citan perguntou, incrédulo.
_ Sim. Eu o chamo ‘Sistema Id’. Mas, naturalmente, não deve ser utilizado indiscriminadamente – Taura acrescentou, uma nota de aviso em sua voz – Use-o apenas como um último recurso.
_ Elly, Doc... Eu...
Fei estava dividido entre a necessidade de agir e o risco que isso envolvia. Eles, os amigos próximos, seriam os primeiros a se ferirem caso algo saísse errado. E não acabaria neles; ele ainda se lembrava do que lhe haviam dito sobre Solaris.
_ Fei, não havia nada que você pudesse fazer – Citan comentou – Embora, isso nunca tornará a acontecer com a tecnologia de Taura. Ele é um dos três Sábios de Shevat.
_ Se você acredita ou não, cabe a você – Taura deu de ombros, e Fei olhou para a braçadeira em seu pulso. A idéia de usar o poder de Id e manter-se no controle podia ser a resposta a várias situações de crise... mas o próprio Taura admitia que não era mais do que teoria. Se algo saísse errado...
Então ouviram a porta de entrada do outro aposento abrir e fechar-se, e Taura olhou naquela direção.
_ Ah? Parece que temos um visitante!
_ Fei...! Nós temos problemas!!
Era um emissário de Shevat. Longe de parecer preocupado com o fato de Fei estar livre, no entanto, ele vinha pedir ajuda.
_ Hoje, um acordo de paz entre Aveh e Kislev está sendo assinado em Shevat... Mas, as armas móveis de Solaris estão se aproximando de Shevat enquanto falamos! Por favor, nos ajude!
_ Isso não tem nada a ver com este jovem!! – Taura interrompeu, passando adiante de Fei e Elly e se colocando entre eles e o emissário, que ficou tremendamente surpreso.
_ Taura!!
_ Vocês me dão nos nervos por serem tão egoístas. Citan me falou de vocês. Vocês aparecem depois de descobrir que Id agora está sob controle... Não têm vergonha? Vocês não mudaram nada desde aquela época! Só se importam consigo mesmos! Fei! – ele voltou-se para o rapaz – Não precisa escutar essas pessoas que um dia tentaram matá-lo!!
_ Mas...
Ele também pensava assim, mas de algum modo, aquilo não parecia correto. Parecia errado não tomar atitude alguma enquanto Solaris se lançava ao ataque e, mesmo já tendo outra missão diante de si, ele...
_ Por favor vá. Eu irei até o Dispersor em Mssa...
_ Elly?
_ Não importa o que aconteceu antes – Elly estava de costas para ele, se afastando – Shevat precisa de sua ajuda agora. Mesmo que você esteja salvando algumas pessoas egoístas... Ainda há o mundo e seus países, com muito mais gente inocente. Por favor, não se esqueça disso.
Ela voltou-se para ele, olhando-o nos olhos, e um entendimento mútuo passou entre os dois.
_ Bart e seu pessoal estão lutando para proteger essas mesmas vidas, não estão? Então, por favor, vá ajudá-los!
_ Tem certeza disso? E quanto a você?
_ Não se preocupe comigo. Eu vou conseguir de algum jeito.
_ Mas, você sozinha...
_ Eu acompanharei Elly – Citan assegurou – Você não precisa se preocupar. Eu trouxe comigo o meu próprio Omnigear.
_ Seu próprio Omnigear...? – Fei voltou-se para Citan, admirado, e o catedrático sorriu.
_ Sim, meu Omnigear, ‘Fenrir’. É o mesmo que eu trouxe de Solaris. Eu o deixei com Gaspar para o caso de uma emergência.
_ Doc... – e Fei concordou – Muito bem. Por favor, tome conta dela por mim. E Elly, tome cuidado.
_ Ficamos realmente gratos pela sua bondade, Fei!! – o emissário exclamou, e Taura deu-lhe as costas.
_ Hmph! Se enxerguem.
_ Meu destino é Ignas, certo? – perguntou Fei, e o emissário confirmou.
_ Sim. O objetivo do inimigo é destruir as cidades em Ignas. Já destruíram metade de Bledavik e provavelmente alcançarão Nisan em cerca de quatro horas. Shevat vai tentar afastá-los com todo o poder que tem!
_ Quatro horas – Fei ponderou – Isso é muito em cima!
_ Não precisa se preocupar – Taura sorriu – Balthasar e eu consertamos seu Gear com as nanomáquinas. Está muito mais poderoso do que jamais foi antes. E digo mais, você pode chegar lá na metade do tempo.
_ O quê? O Velho Bal está aqui?
_ Emeralda também está aqui – Citan ajeitou os óculos, e todos foram para fora, onde Weltall esperava por Fei. Era o mesmo Gear de antes, mas não era exatamente o mesmo. As aletas em suas costas assemelhavam-se mais com asas, ele ganhara uma crista maior sobre a cabeça e um ar mais imponente. Parecia exalar confiança.
_ Isso é incrível...! – murmurou Fei.
_ Nos encontramos novamente.
Balthazar veio de trás do Gear e acenou solenemente a cabeça para Fei, voltando-se então para olhar o Gear negro atrás de si.
_ O hospedeiro para o espírito do assassino de deus... Não achei que eu voltaria a trabalhar nele novamente...
_ Mas – Fei olhou para Balthazar e Taura – por que vocês dois estão me ajudando...?
_ Há algumas coisas que não se pode explicar com as palavras – Taura deu de ombros – Destino. Você vai ter que ver o que vai acontecer com seus próprios olhos.
_ Fei... Indo?
Emeralda surgiu de algum lugar por trás do grupo. Fei voltou-se para ela e confirmou.
_ É, isso mesmo. É melhor eu me apressar!
Sem mais uma palavra, Emeralda se afastou.
_ Ei, pra onde você vai?
_ Fei, por favor se apresse! – pediu o emissário.
_ Ah... c-claro.
Os jatos às costas de Weltall-2 foram ativados e, por um instante, ele se manteve onde estava como se apenas se aquecesse. Subitamente, o Gear negro curvou os joelhos e saltou, ganhando os ares velozmente. E sobre a casa de Taura, Elly e Citan observavam a partida.
_ Tem certeza de que você quer seguir adiante com isso? – Citan perguntou – Você queria viver de forma tranqüila, longe do campo de batalha, não queria?
_ ... Eu percebi a mim mesma fugindo da realidade – Elly murmurou, dando as costas a Citan – No início, eu achei que minha situação era parecida com a dele. Eu achei que Fei entenderia meus sentimentos... Eu não sabia se meu amor por ele era real... Eu podia apenas estar desesperada depois de perder minha mãe e meu pai...
_ Elly...
_ Apesar de tudo aquilo – ela voltou-se para Citan, os olhos ainda baixos – eu talvez ainda o ame... É por isso que, eu quero ver o que Fei pode fazer e o que eu posso fazer. Quero que fiquemos separados e pensemos sobre nós mesmos outra vez. Quero entender... como eu realmente me sinto...
Ela desviara os olhos, olhando para algum ponto adiante na mata. Após um instante de silêncio contemplativo, Citan comentou:
_ Você mudou muito, Elly. O que aconteceu a você nessas últimas três semanas?
_ Mesmo? – ela voltou-se, sorrindo fracamente para Citan – Eu não acho que mudei...
_ Sim, você mudou. Eu diria... que você amadureceu. Como uma mãe...
_ Como é que é! – ela ergueu os olhos, agora tremendamente corada – Eu só tenho dezoito anos! Não estou nem perto da idade de ser sua mãe!
_ Desculpe – Citan riu – Você me deu essa impressão, foi só isso.
Ele continuou rindo por mais algum tempo, e Elly sacudiu a cabeça. Fosse como fosse, os eventos já estavam se dando. Não podiam esperar mais.
_ Seja como for, Citan, eu estou indo.
_ Muito bem – ele concordou – Seguirei você assim que terminar por aqui...
_ Eu, eu vou, também.
Emeralda se aproximara enquanto os dois conversavam, e apesar da aparência infantil, seus olhos deixavam bem claro que aquilo não era um pedido; era um comunicado.
_ O quê?
_ Eu vou!
_ Emeralda – Elly abaixou-se, ficando no mesmo nível que o rosto da menininha – eu não posso levar mais ninguém comigo para uma coisa dessas. Vou ficar bem se for sozinha.
Emeralda deu as costas a ela e cruzou os braços, repetindo:
_ Se Elly vai, eu vou também. Emeralda tem que ir com você.
_ Emeralda...?
_ Não! – ela voltou-se e gritou – Emeralda vai também!
Elly olhou para a menininha sem saber o que fazer. Emeralda já se provara em batalha, mas aquilo não seria um passeio, e ela não achava que poderia tomar conta de si mesma e da outra quando estivessem lutando. E Citan sugeriu:
_ Por que não deixá-la ir? Eu estou certo de que Solaris tem um pressentimento quanto ao Limitador. Eles podem interferir, então você talvez se sinta insegura quanto a ir sozinha. Eu acho que Emeralda é perfeita para esse trabalho. Além do mais – ele acrescentou num tom mais baixo, enquanto Elly se voltava para ele – ela vai querer ir, não importando o que diga. Cuide dela até que eu possa me juntar a vocês, por favor?
Elly suspirou e então sorriu e acenou que sim, tornando a se abaixar para falar com Emeralda.
_ Tudo bem, você venceu. Vamos ajudar uma à outra, tá bem?
_ Eu posso fazer isso sozinha – a menina retrucou, tão confiante quanto Rico – Você fica olhando.

Em sua biblioteca, Taura verificava alguns livros e anotações de forma distraída. Ao menos, era o que parecia. Mas ele não estava tão desatento que não pudesse notar o momento exato em que o outro entrara, sem usar a porta. O único sinal de que ele percebera a presença do intruso foi parar de mexer em seus livros.
_ Como eu pensava – ele murmurou sem se voltar – Então, foi você quem trouxe Fei e a garota dele até mim... Eu percebi no momento em que vi os dois juntos. Aliás, como eu poderia deixar de notar... Eles eram tal e qual você e ela. Sim, o mesmo que vocês dois pareciam naquela época... Certo, Lacan?
Ele finalmente se voltou. De pé, semioculto nas sombras mal iluminadas pela vela, Grahf olhava para Taura com os braços cruzados e em completo silêncio.


...ENQUANTO PAIXÃO QUEIMA EM SEU CORAÇÃO

domingo, 21 de agosto de 2016

Capítulo Quarenta e Sete Ponto Um

(...)

<Elly>

Um sonho...

Eu estava sonhando um sonho...
Ou talvez fosse uma memória
De um passado distante...

Um sonho...
Uma memória...

Aquelas palavras que eu era
Incapaz de expressar...
Naquele dia...
Naquele tempo...

Aqueles pensamentos que eu era
Incapaz de levar adiante...

Palavras e pensamentos...
A conexão entre os dois...

Sem palavras,
Pensamentos não podem ser expressos...
Sem pensamentos,
Não há palavras...
São ambos vitais,
Tanto um quanto o outro...

Eles nunca podem ser divididos...
Como as asas dos anjos...
Como um homem e uma mulher...

Um destino imutável...
Sentimentos que uma pessoa gostaria de poder mudar...

Me encontrar com a pessoa que me transformaria...
E assistir a mim mesma enquanto mudava...

Eu sonhei um sonho tal como esse...

Um longo...
Sonho sem fim...

_ La... Can...

Uma janela imensa aberta na parede. Uma janela, em forma de um crucifixo cristalino. A luz do sol penetrava por ela em sua plena majestade naquele horário, fazendo parecer que a figura representada na parede era feita de luz.
_ Lacan, o que houve?
A porta estava fechada, ninguém interromperia, e ela não entendia por que ele parecia tão inquieto.
_ Lacan?

Naquele sonho, eu era chamada ‘Sophia’...

Madre Sophia...

Um nome simbólico...
Colocado como uma coroa sobre a pessoa que seria a esperança do povo...
Um nome que eu estava destinada a ter.
Quer eu o quisesse ou não...

_ Hã... Não, não é nada.
Mas ela o conhecia bem demais para acreditar tão facilmente. Alguma coisa o perturbava, e ela gostaria muito que ele não fosse tão reservado agora, quando estavam sozinhos.
_ ... Vamos encerrar por hoje. Você parece um tanto cansado... Está mesmo bem?
_ Eu estou bem, obrigado. Mas, agora que mencionou...
Ele parou de pintar, parecendo realmente prestar atenção a ela pela primeira vez em quase uma hora; em seus olhos e na pessoa dela, não em sua modelo.
_ Que tal se encerrarmos por hoje? Deve ser você quem está cansada, ‘Madre Sophia’?
_ Já chega disso.
Ela baixou os olhos. Não havia como evitar aquele nome, mas era pior ter que ouví-lo vindo dele. Fazia com que mesmo ele a tratasse de forma diferente.
_ Quando estivermos só nós dois, sozinhos, quer parar de me chamar assim? – e olhou para ele, o pedido implícito em seu olhar – Me chame apenas de ‘Elly’... Como você costumava fazer nos velhos tempos... E não tem que ser tão rígido e formal.
_ Ah, er... Está certo. Muito bem então... Não, digo...
Ela sorriu, ocultando o riso verdadeiro que estava em seu interior. Assim era melhor. Quando ele ficava sem jeito, era como nos velhos tempos. E ele também parecia mais à vontade quando sorriu e respondeu:
_ É, vamos fazer isso então, ‘Elly’!

‘Elhaym’...

Eu sempre gostei desse nome...
Porque, quando eu me encontrei com ele pela primeira vez,
Foi assim que ele me chamou...

Esse é meu verdadeiro nome...

Ele olhou inquieto para o quadro enquanto guardava seus pincéis, e acenou com a cabeça. Parecia insatisfeito com algo, e veio até o centro do tapete vermelho, onde o crucifixo desenhado a sol iluminou seu rosto quando ele ergueu a cabeça e disse:
_ Acho que eu podia voltar pra casa. Só por uma semana, mais ou menos.
_ Ah, mesmo? Qual o problema?
_ ... Fiquei sem tinta – ele respondeu, parecendo sem jeito – Então, eu... er, preciso ir fazer mais um pouco.
_ Vai andar toda aquela distância... só pra fazer isso?
Lá estava ele, querendo se afastar de novo. Mas por quê?
_ Se eu não for até lá – ele acenou com a cabeça, parecendo muito sério – não vou conseguir obter os pigmentos certos.
_ Ah. Então, que tal se eu pedir a um dos meus seguidores, os ‘Kahal’, para levarem você em um dos nossos Gears? Você vai chegar mais rápido e vai estar muito mais seguro.

Eu me pergunto quando foi que começou...

Que ele começou a me rejeitar...
Os muros entre nós...
Nossas ‘posições’...
Nossas ‘circunstâncias’...
Ele se recusava a reconhecê-las...

Não... Talvez fosse eu...

Sendo assim...
Eu não as queria...

Eu queria que nós dois
Ficássemos por nossa própria conta...

É isso o que eu desejava...
Por isso,
Eu fiz com que ele me pintasse...

Da forma como eu realmente sou...

Sonhos...

Uma vida de uma mulher chamada Sophia...
E as vidas de incontáveis outras mulheres...

Nada além de sonhos...

Agora que estou acordada,
Aquele número incontável de longos sonhos de partir o coração são quase absolutamente impossíveis de se lembrar...

Naqueles sonhos,
Eu amava um homem...
Não importando o dia,
Não importando a era...
Isso não mudava...

Apenas o nome dele...

‘Fei’


Aquele sonho me mudou...
Aquele sonho foi o catalisador para que eu resolvesse qual era meu propósito.

Eu acho que sei agora...
O que tenho que fazer...

Aquela memória longa, tão longa, de um sonho...
Aquilo talvez fosse a memória da minha alma...


Um sinal eletrônico se fez ouvir no que parecia uma biblioteca antiga, iluminada por velas. Mas não havia nada de antigo no equipamento localizado bem ao centro do cômodo, nem o sinal parecia surpresa ao senhor idoso que estivera lendo sob a vela e voltou-se para os cilindros separados. No interior do esquerdo, uma jovem de cabelos vermelhos flutuava num líquido esverdeado luminescente; no direito, um rapaz de cabelos castanhos presos num rabo de cavalo.
_ Hmm... Ele finalmente despertou...
O estudioso deixou o que estivera lendo e acercou-se do painel de controle no cilindro do rapaz, e sob os óculos seus olhos se iluminaram com um sorriso. As condições finalmente estavam estabilizadas, e ele iniciou os procedimentos de esvaziamento.
_ Pronto...! Aí está...

domingo, 14 de agosto de 2016

Capítulo Quarenta e Sete

Capítulo 47 – Sonhos


<Fei>

Sonhando...

Eu estava sonhando...
Talvez tenha sido apenas uma memória há muito esquecida...

Um sonho...
Uma memória...

Coisas lembradas quando a pessoa está adormecida...
Coisas esquecidas quando a pessoa está acordada...

Onde as camadas mais profundas das memórias
Se tornam as camadas mais expostas dos sonhos da pessoa...

Quais são realidade?
Quais são ilusões?
A pessoa não sabe dizer até despertar...

Ou talvez elas sejam,
Ao mesmo tempo, ambas as coisas.
Verdade e ficção...

Uma vasta nebulosa...
Sem limite algum...

Um vazio equivalente
À minha própria existência...

Eu sonhei um sonho tal como esse...

Um longo...
Sonho sem fim...

_ ... La... Can...

Uma janela imensa aberta na parede. Uma janela, em forma de um crucifixo cristalino muito familiar. A luz do sol penetrava por ela em sua plena majestade naquele horário, fazendo parecer que a figura representada na parede era feita de luz.
_ Lacan, o que houve?
A sala estava melhor focalizada agora. Havia um castiçal pendurado, e aquele aposento parecia tremendamente antiquado para ele.
_ Lacan?

Naquele sonho, eu era chamado ‘Lacan’...
Eu era um artista...
Eu tinha me tornado reconhecido como um artista talentoso e agora estava pintando o retrato da Madre de Nisan, ‘Sophia’...

Havia um grande retrato diante dele, e era ele quem pintava. A luz da janela em forma de crucifixo na parede se desenhava perfeitamente no centro do tapete vermelho quadrado no chão, e Sophia estava sentada numa cadeira, olhando para ele com ansiedade e alguma preocupação, e ele soube que deveria responder...
_ Hã... Não, não é nada.
O olhar dela era mais expressivo do que qualquer coisa que ela pudesse ter dito. Não acreditava nele. Mas era gentil demais para dizer tal coisa.
_ ... Vamos encerrar por hoje. Você parece um tanto cansado... Está mesmo bem?
_ Eu estou bem, obrigado. Mas, agora que mencionou...
Voltou sua atenção para ela. Tinha uma razão boa o bastante agora.
_ Que tal se encerrarmos por hoje? Deve ser você quem está cansada, ‘Madre Sophia’?
_ Já chega disso – ela baixou os olhos, e parecia um pouco aborrecida – Quando estivermos só nós dois, sozinhos, quer parar de me chamar assim?
Ela ergueu o rosto e, como sempre, não havia qualquer desagrado ali. Apenas a gentileza e a tristeza de sempre, que faziam com que ele deixasse de respirar por um momento.
_ Me chame apenas de ‘Elly’... Como você costumava fazer nos velhos tempos... E não tem que ser tão rígido e formal.
_ Ah, er... Está certo. Muito bem então... Não, digo...
Ele se sentia um idiota. Mas conseguiu sorrir quando tornou a olhar para ela.
_ É, vamos fazer isso então, ‘Elly’!

‘Elly’...

Era um tempo em que ela respondia por tal nome.
Um tempo em que tínhamos nos reencontrado...
Um tempo em que nada importava entre nós...

Era melhor daquele jeito...
Só duas pessoas, juntas...

Seria melhor que tivesse ficado daquele jeito...

_ Acho que eu podia voltar pra casa – ele suspirou, se afastando do quadro e ficando sob a luz da janela para então erguer a cabeça – Só por uma semana, mais ou menos.
_ Ah, mesmo? Qual o problema?
_ ... Fiquei sem tinta – ele respondeu, olhando para ela e ainda um tanto sem jeito – Então, eu... er, preciso ir fazer mais um pouco.
_ Vai andar toda aquela distância... só pra fazer isso?
_ Se eu não for até lá – ele acenou com a cabeça, parecendo muito sério – não vou conseguir obter os pigmentos certos.
_ Ah – ela ficou de pé – Então, que tal se eu pedir a um dos meus seguidores, os ‘Kahal’, para levarem você em um dos nossos Gears? Você vai chegar mais rápido e vai estar muito mais seguro.

Eu menti...
Não estava sem tinta.
Só temia que pudesse acabar o retrato.
Eu queria continuar pintando... para sempre.

Por isso eu queria ganhar tempo...
Ela provavelmente me desprezaria por isso...
Não, ela provavelmente só me daria o seu costumeiro sorriso.
Ela era esse tipo de mulher...

Sonhos...

Uma vida de um homem chamado Lacan...
E as vidas de incontáveis outros homens...

Nada além de sonhos...

Agora que estou acordado,
Aquele número incontável de longos sonhos de partir o coração são quase absolutamente impossíveis de se lembrar...

Naqueles sonhos,
Eu amava uma mulher...
Não importando o dia,
Não importando a era...
Isso não mudava...

Nem o nome dela...

'Elly'


Aquele sonho me mudou...
Aquele sonho foi o catalisador para que eu resolvesse qual era o meu propósito.

Eu acho que sei agora...
O que tenho que fazer...

Aquela memória longa, tão longa
De um sonho...
Talvez fosse a memória
Da minha alma...

sábado, 6 de agosto de 2016

Capítulo Quarenta e Seis Ponto Três

(...)

_ Este é o segundo advento de Lacan... Não, do sombrio! É o segundo advento de Grahf!
Citan tivera que repetir sua explicação diante do conselho de Shevat e, ao contrário da Rainha Zephyr, eles não aceitaram as notícias pacificamente. A própria Rainha, na verdade, parecia contrariada com a reação de seus conselheiros, mas não podia culpá-los. Ela entendia a razão dos temores deles.
_ Devemos detê-lo e selá-lo; caso contrário, não sabemos o que pode ocorrer!
_ Cessem esta discussão imediatamente! – ordenou Zephyr – Podemos ao menos aguardar que o Sábio retorne antes de tomarmos qualquer resolução?
_ Embora ele seja um tático, por que dá tanta importância a ele? – outro conselheiro questionou – Eu fiquei em silêncio esse tempo todo desde a morte de Khan, já que ele foi recrutado diretamente pela Rainha. No entanto, eu questiono a razão pela qual você usaria tal pessoa, cujos princípios ignoram qualquer entendimento de sacrifício?
_ Bem – Zephyr hesitou – É por que...
_ Precisa olhar para a realidade! – o conselheiro enfatizou – A existência daquele poder!
_ Peraí, peraí! – Bart interrompeu, olhando para Zephyr e para o conselheiro – Que história é essa de segundo advento do Grahf?
_ O Dia do Colapso foi causado por Grahf. Grahf manipulou Diabolos para que destruíssem este mundo. E aquele poder no interior de Id é semelhante até demais ao de Grahf. Não podemos permitir que tal ameaça seja libertada!
_ Deveríamos congelá-lo imediatamente em carbonita – outro conselheiro tornou – Caso contrário, podemos esperar pelo pior a qualquer momento.
_ Não! – Elly se intrometeu – Mas, o Fei atual não é o Fei verdadeiro? Se é esse o caso, então por quê...
_ Mas ele ainda é perigoso até demais! – o conselheiro repetiu – Pense nisso. Ele, de mãos nuas, aniquilou a capital de Solaris! Não podemos colocá-lo em liberdade!
_ Não só isso – Jessie replicou, a cabeça baixa e os olhos ocultos – No passado, houve incontáveis outras cidades que foram destruídas por Id. Não conheço as intenções deles, mas Grahf e Krelian sempre estiveram envolvidos de algum modo. E um daqueles incidentes foi Elru. Era a terra natal de Dominia. A purga de Solaris sobre a cidade rebelde de Elru foi feita através do uso de Id. Pra testar as capacidades dele. Como resultado, não apenas Elru foi arrasada, todas as unidades de Solaris presentes foram eliminadas.
_ Ele é responsável pelo que houve com a Ygg – Bart murmurou, também de cabeça baixa, seu único olho oculto sob os cabelos – E com a gente dentro...
_ Então, foi ele quem matou meus subordinados nos esgotos... – Rico murmurou, também parecendo sombrio. E isso foi mais do que Elly pôde suportar em silêncio.
_ O que é que há com todos vocês? – ela olhou de um para outro, inconformada – Nós não devíamos ser os amigos dele?
_ ... Parece que todos os demais estão de acordo... – Citan olhou para todos, ignorando Elly – Os riscos são grandes demais.
_ Citan?! – Elly não podia acreditar no que estava ouvindo – Não... Isso é terrível!
_ Está decidido então. Programemos o congelamento dele em carbono para amanhã.
Zephyr manteve-se em silêncio, olhando para as próprias mãos e de cabeça baixa. Ser a Rainha dava a ela autoridade, e muita responsabilidade também. Responsabilidade que, frequentemente, passava sobre seus desejos ou opiniões pessoais. E ela sozinha não poderia contrariar a maioria.

_ Eu ouvi a respeito pelo Doc. Id... Quem teria pensado que, dentro de mim, tem um outro eu...
Fei estava no bloco de prisioneiros de Shevat, preso numa jaula semelhante a uma gaiola. Elly estava com ele, a única de seus amigos ali e parecendo não poder se importar menos com o que todos os demais temiam.
_ Mas você é o mesmo Fei que eu sempre conheci. Você voltou a si. Por favor, não fique obcecado com isso.
_ Eles dizem que eu sou o segundo advento de Grahf – Fei comentou tentando parecer casual, embora não erguesse os olhos para Elly – Aquele que destruiu tudo neste mundo... Parece que Grahf costumava ser um habitante da superfície chamado Lacan...
_ Eles não estão pensando no que estão dizendo! – Elly retrucou – Só estão confusos por causa do seu poder!
_ Grahf me chamou de ‘aquele que destruiria deus’. De certa forma, eu agora consigo entender o que ele queria dizer. Embora o meu poder como Id não seja bom o bastante, se ele tem a mesma qualidade que o de Grahf... Eu...
_ Vamos fugir.
Fei ergueu a cabeça. Elly não dissera aquilo à toa, muito pelo contrário; havia propósito no olhar dela para ele, claro demais apesar da meia luz.
_ Se Grahf ou a guerra trazem Id, vamos para um lugar onde nenhuma guerra exista.
_ ... Se fizesse isso, você estaria...
_ Está tudo bem – Elly desviou os olhos – Eu também não tenho um lugar para o qual voltar...
Fei sorriu com tristeza, considerando a idéia por um momento. E então deu as costas a Elly, sacudindo a cabeça.
_ Obrigado Elly, mas não. Mesmo que eu abandonasse o campo de batalha, não há garantia alguma de que Id nunca mais vai aparecer. Além do mais... Eu tentei matar você. Está tudo bem pra você, levando isso em conta?
_ Então, você poderia ter me matado se quisesse de verdade, certo? – Elly insistiu junto às grades – O seu outro lado, o poder de Id, não é nada parecido com aquilo. Mas ainda assim você não foi adiante. Você soube quando bastava. Não é porque a sua vontade estava em ação?
Fei acenou com a cabeça. Não sabia. Ele queria acreditar no que ela estava dizendo, mas...
_ Se você fosse controlado por Id e todos à sua volta se tornassem seus inimigos... Eu ainda ficaria ao seu lado. Por que...
Fei olhou para Elly, que tinha seus olhos baixos. Ela suspirou profundamente e então olhou para ele, e o entendimento entre os dois quase dispensava palavras.
_ Por que... Eu sei que é muito solitário quando se está sem ninguém.

E ele quase podia ouvir aquelas mesmas palavras, ditas por alguém muito parecida com Elly. Mesmo o nome dela... Não, ele não conseguia se lembrar. Mas havia um crucifixo prateado cintilando na luz, e a mão estendida dela... Havia cabelos tão parecidos com os dela, mas diferentes de algum modo, e aquele estranho ar de serenidade, que ele já conhecia de algum lugar. Serenidade e tristeza. Onde foi que ele vira...?

_ Eu vou abrir agora. Vamos, Fei.
Fei voltou-se. Não conseguia lembrar bem o que passara por sua mente naquele momento, mas... Elly. Tinha algo a ver com ela.
_ Elly...

Weltall estava intacto no hangar. Retornara à sua forma costumeira, assim como seu piloto, sem qualquer marca da luta pela qual passara. Fei e Elly tinham conseguido alcançar o hangar sem atrair atenção sobre si mesmos, e sem palavra, concordaram. Era o melhor momento.
_ Eu achei mesmo que já era hora de vocês virem...
Citan se aproximou por trás deles calmamente, e Elly ficou em guarda entre ele e Fei.
_ Não adianta tentar me deter. Mesmo que seja você, se ficar no meu caminho, eu não tenho escolha a não ser...!
E ergueu o bastão. Citan meramente acenou com a cabeça em negativa.
_ Isso não é maneira de uma dama falar. Eu só vim até aqui para ver vocês partirem.
Apesar da penumbra do hangar, a expressão de dúvida de Elly foi clara, e Citan ajeitou seus óculos.
_ Eu reabasteci Weltall. Podem partir a qualquer momento.
_ ... Citan...
_ Mas, Elly, você não pode usar seu Gear, já que Vierge está em reparos.
_ O quê? Então, o que eu vou...
_ Sabe, há aquele Omnigear... E se você o pegasse emprestado...
_ De jeito nenhum – Fei acenou em negativa – Eu não posso levar propriedade de Shevat sem permissão...
_ Elly é a única pessoa apropriada para o Gear – mas Citan reparou que Elly tinha os olhos baixos, embora não dissesse nada – Ninguém mais pode operá-lo.
_ Não... Nunca!! – Elly deu as costas a Citan, sacudindo a cabeça numa negativa enfática – Eu não vou subir nele, nunca!!
_ Elly...? – Fei se aproximou dela, preocupado – O que foi?
_ Eu tenho tanto medo... – a voz dela tremia, apesar do apoio da mão de Fei em seu ombro – É por isso que... Eu nunca vou querer pilotar aquilo!!
_ Isso pode ser um problema... – murmurou Citan, e alguém atrás dele perguntou:
_ E se eu pilotasse ele com você?
Fei e Elly se voltaram. Margie, Bart e Billy estavam logo atrás de Citan, todos parecendo bem a par do que acontecia e em nada dispostos a interferir.
_ Pessoal...?
_ Fei... Me desculpa – Bart veio adiante, e baixou a cabeça. Não tinha esquecido do acontecido no deserto, mas também lembrava que fora ele quem insistira com Fei para se juntar a eles em sua luta. Se o que Citan dissera era verdade, ele também era em parte responsável pelas aparições de Id. Mais ainda, Fei era seu amigo; o verdadeiro Fei ao menos. E Billy, atrás dele, também inclinou a cabeça.
_ Peço desculpas.
Ele podia lembrar-se de Fei lutando para proteger Shevat quando chegaram lá pela primeira vez, e lhe parecia injusto que o povo dali se esquecesse daquilo tão rápido. Era verdade que o poder de Id assustava; ele próprio o vira desviando de tiros. Mas, aquele não era Fei.
_ Nos desculpe, Fei... – Margie pediu, também baixando a cabeça. Ela se lembrava de Fei tendo aparecido justamente quando o resgate que Bart planejara parecia fadado a fracassar, e de como ele fizera toda a diferença. Ela não teria escapado de Aveh sem a ajuda de Fei, que Bart considerava seu melhor amigo, e ela era grata a ele por isso. E Fei sorriu, tornando a acenar que não.
_ Não... Muito obrigado, a todos vocês.
_ Bem, eu sei que vocês odeiam partir – Citan interrompeu – Mas deveríamos fazer esta partida antes que chegue o amanhecer. Eu fiz algum trabalho no radar, então deve funcionar bem!

_ ... Eles se foram...
Citan, Margie, Bart e Billy estavam de pé no hangar, ainda ouvindo à distância o som dos jatos de Weltall, onde Fei e Elly tinham partido juntos. Cada um deles tinha, pessoalmente, a nítida impressão de que o casal não conseguiria encontrar um local afastado o bastante de Grahf, batalhas ou Id, mas apenas podiam esperar. O clima era pesado, no entanto.
_ Fei... Onde?
Os quatro olharam ao redor. Emeralda aproximou-se deles e deteve-se na grade, olhando para onde deveria estar Weltall. E Citan respondeu:
_ Eles foram para longe.
_ Eu... Vou... – a menininha murmurou, olhando para o hangar vazio.

Em outro lugar, o Ministério Gazel descobria os detalhes do ocorrido. Tinham conseguido deixar Solaris antes que a calamidade se abatesse, mas agora tinham perdido seu lar. E não estavam muito satisfeitos com isso, ou com o modo como os eventos tinham se precipitado.
_ Cain... Fazendo uma combinação ridícula com Hyuga...
_ Ele certamente tem suas deficiências, comparado à nossa existência digitalizada, que nos permite usar um nível mais alto de pensamento lógico...
_ Ele está restrito por sua forma humana.
_ De qualquer modo – outro ministro lembrou, voltando ao assunto principal – Com apenas uma máquina, ele aniquilou Etrenank... Seus poderes não devem ser subestimados...
_ Nós já estamos com pouco tempo. A Chave, usem a Chave...
_ Mesmo vocês estão começando a sentir a pressão?
A atenção do Ministério voltou-se para Krelian, na costumeira plataforma que ocupava quando falava com eles. Então, já concluíra seus afazeres.
_ Krelian... Qual é a situação de Cain?
_ O tratamento de extensão da vida de costume – Krelian deu de ombros – Ele vai resistir... por mais algum tempo.
_ Significa que podemos não conseguir em tempo...?
_ Eu não saberia – Krelian respondeu – Vocês falaram de usar a Chave. Têm mesmo certeza de que ele pode ser eliminado?
_ Isso nós não sabemos. Você sabe quem ele é...
_ Se ele for o ‘contato’, há uma possibilidade de que ele possa não transmigrar.
_ É um organismo composto de múltiplas gerações. É uma questão de probabilidade.
_ Isso não quer dizer que possamos simplesmente ficar inativos.
_ Sim. Neste ritmo, estamos fadados a cometer o mesmo engano. Mas nós não podemos fracassar uma segunda vez.
_ Bem, não se preocupem – Krelian retomou – Eu enviei Ramsus para lidar com ele.
_ O que um fracassado como ele pode fazer?
_ Ele nem sequer conseguiu defender Etrenank. O que se pode esperar de ‘lixo’ como ele?
_ Mesmo se ele tiver a ‘Relíquia Anima’? – Krelian perguntou, de braços cruzados, conseguindo toda a atenção do Ministério.
_ A ‘Relíquia’...?
_ A relíquia que recuperamos antes foi alinhada com o Gear dele – Krelian explicou – Não deve haver qualquer problema agora. Ele deve ser capaz de utilizar seu pleno poder.
_ Vai tomar a tarefa para si mesmo? – perguntou um dos ministros, intrigado – Embora ele tenha transmigrado, um dia ele não foi um dos seus? Eu não o compreendo.
_ Eu joguei fora todos os sentimentos da emoção humana – Krelian retrucou, seu rosto vazio – Tudo de que necessito é ‘ela’.
_ Mas, isso também não é uma emoção?
_ ... É claro – Krelian aborreceu-se. Apesar de ser óbvio, ele de fato não esperava que eles o notassem. Mas, não deviam compreender totalmente, fosse como fosse; teria que servir. Um dos ministros, olhando para sua expressão, perguntou:
_ Isso é um empecilho...?
_ Vocês são irritantes... Desejam encerrar sua existência?
_ Ótimo. Deixaremos isso como está.

“Elhaym?”
Ramsus estava cruzando os céus azuis numa velocidade incrível, enquanto lembranças de sua conversa recente com Krelian eram repassadas no olho de sua mente.
“Sim. Este é o local. Eu quero que a traga para cá. Ela é uma mulher importante para mim.”
“Não seja ridículo. Por que eu tenho que ouvir você? Se precisa dela, vá pegá-la você mesmo!”
“Você está absolutamente correto. Mas, pode dizer o mesmo depois de olhar para isto?”
Apesar de toda a sua experiência, Ramsus não teve como não se admirar da visão que o aguardava. Era o seu Gear, Wyvern... Em parte.
“I-isso é...”
“Seu Gear e a Relíquia Anima foram alinhados. Este é o Omnigear. Ah, e ela está com Fei agora.”
“O quê?!”
Mesmo agora, Ramsus podia sentir a revulsão, o estranho formigamento em sua pele e a mescla de sentimentos de raiva e medo, que se tornavam cada vez mais intensos recentemente sempre que ouvia aquele nome. E estava obcecado demais para notar o quanto Krelian o conduzira na conversa.
“Perder aquelas batalhas contra Fei, uma vez após a outra... Eu acredito que seja por causa da diferença no desempenho dos Gears. Acredito que você será capaz de utilizar cem por cento das habilidades dele. E então, que tal? No entanto, se ainda falhar com isso, você é realmente ‘lixo’.”
Ele apertou as mãos com força, como fizera ao ouvir Krelian. Ele não era lixo...! Estava farto de ouvir aquilo!
“Ramsus, você vai...?”

“Kahr, você está indo?”
Miang o encontrara no hangar e, não fosse ela, ele nem teria se dignado a responder.
“Sim. Eu devo me livrar dele com minhas próprias mãos.”
“Tome cuidado. Eu acredito em você, não importa o que os outros digam.”
_ ‘Fei’...! Que nome mais aborrecido. Eu fiz o meu próprio caminho até o topo, por minha conta. Mas ele arruinou tudo outra vez...
Seu radar começou a sinalizar, despertando-o de suas reflexões. Verificou o rumo e o sinal, e soube que sua busca estava no fim.
_ Este sinal...! É ele! – e seus olhos fixaram-se na tela principal, no ponto minúsculo já visível à sua frente – Eu não sou lixo! Eu não sou sem valor!!
Algumas centenas de metros adiante, Weltall também cruzava os ares em grande velocidade. Mas seu radar e a tela traseira indicavam que não estavam mais a sós, e Fei e Elly perceberam ao mesmo tempo.
         _ Que espécie de... Gear é aquele...?
_ Omnigear!! – Elly analisou os dados – E, de acordo com as leituras... É claramente diferente daquele que Bart usa, ou daquele em Shevat. Você acha que é o... Gear Perfeito?!
_ Gear Perfeito...?
_ Lembra-se do que Citan disse? – ela voltou-se para ele – Ele disse que os Omnigears são controlados por ondas mentais. O poder... O potencial varia dependendo da taxa de sincronismo. Os números indicam sincronização completa.
Enquanto eles debatiam, o Gear de Ramsus aproximou-se. Estavam a quase um quilômetro de distância quando foram avistados, e no meio tempo da descoberta, o Gear dourado com asas imensas de dragão os alcançou enquanto Ramsus murmurava entre dentes.
_ Lento... Lento demais! Seu desempenho é triste.
_ Estão nos alcançando! – Elly exclamou, e Fei procurou acelerar. Não foi capaz de impedir a aproximação do Gear desconhecido, porém, até que o perseguidor se mantivesse a uma distância fixa deles.
_ Hmph... Eu sabia que você estaria aí.
_ Ramsus?!
Foi quando Elly e Fei reconheceram o modelo do Gear. Não tinha mais sua espada e a aparência era distinta, mas tendo visto o piloto no painel, era possível associar o Wyvern de Kahran Ramsus com o Omnigear atrás deles. E, se ele já era um adversário difícil antes...
_ Entregue a Tenente Elhaym para mim, Fei!
_ O quê?! Por que eu tenho que te entregar a Elly...?! Ah, já entendi. É idéia de Krelian, certo? Não, acho que não! Não pode esperar que eu concorde!
_ Eu posso tomá-la a força, se quiser – Ramsus sorriu entre dentes – Mas, nesse caso, não tenha qualquer esperança de ser capaz de tê-la em seus braços novamente!
_ Fei!! – Elly parecia preocupada, mas Fei deteve sua fuga, fazendo Weltall voltar-se para encarar o adversário.
_ Não se preocupe, eu vou proteger você.
_ Palavras impressionantes – o Omnigear dourado arqueou suas asas, detendo a aproximação e pairando no ar, pronto para a luta – Fei, eu pretendo tomar tudo o que você tem!! É o seu aviso final. Entregue a Tenente Elhaym, agora!
_ Eu me recuso! – Weltall também se colocou em guarda.
_ Tem certeza de que quer se recusar? Será tarde demais para mudar de idéia depois!
_ Chega de fazer pose!
_ Humm... Bem, então terei que mostrar a você se estou fazendo pose ou não! Que assim seja; sem se conter, e sem clemência!
Os dois Gears convergiram um contra o outro mas, por melhor que fosse, Weltall não parecia capaz de alcançar o Omnigear com seus punhos, bloqueados ou desviados sem qualquer dificuldade por Ramsus. E então, o Gear dourado golpeou uma vez, e outra, e no terceiro golpe empurrou Weltall de volta.
Fei e Elly agarraram-se onde puderam, a cabine de comando sacudindo violentamente e os sensores acusando dano severo onde Ramsus golpeara. E a expressão do comandante no comunicador era serena, confiante demais.
_ Vamos, vamos! Que desempenho medíocre! O que há, Fei?! Na presença do meu ‘Vendetta’, seu Weltall é apenas um bebê!
Na verdade, até Ramsus estava secretamente admirado. As reações eram diferentes, mais velozes e poderosas do que ele jamais teria sonhado. Aquela era a resposta aos seus problemas...!
“Incrível! Esta diferença inegável em poder! Miang! Está assistindo?! Neste ritmo... e com este poder, eu posso derrotá-lo!”
Ele observou o Gear negro vazando fumaça no ar à sua frente, como se estivesse sangrando. Podia ver pelo comunicador os rostos de seus ocupantes, e a compreensão que transparecia neles: ele estava com toda a vantagem desta vez.
_ Hm hm hm hm hm hmm... Wah hah hah hah hah hah!
_ ... Ramsus, escute! – Elly chamou – Eu me entrego!! Por favor, pare de nos atacar neste instante!
_ O que está dizendo? – Fei voltou-se para ela – Se fizer isso...
_ É a mim que ele quer! Eu não posso colocar você em perigo só por minha causa!
Weltall estremeceu violentamente, atingido por mais um golpe do Vendetta, e Elly tornou a chamar:
_ Pare de atacar! Ramsus! Se é a mim que você quer, então me leve!
_ Hyah hah hah hah hah! Venci! Eu posso vencer! Eu não sou o inútil!!
_ Ramsus...?! – Fei percebeu então, enquanto lutava com os controles, a expressão vidrada do adversário – Não consegue nos ouvir...?
_ Ele se perdeu totalmente no poder imenso daquele Gear dele – Elly murmurou, reconhecendo o perigo da situação – Fei, é melhor fugirmos!
_ Acabou para você! Fei Fong Wong!
Vendetta mergulhou sobre eles novamente e golpeou. Seu punho atingiu o ventre, o peito e a cabeça de Weltall, e ele então se afastou. Unindo as duas palmas diante de si, o Omnigear concentrou energia e a disparou, uma descarga maciça que Weltall não pôde suportar e da qual não tinha como se esquivar, e Ramsus gargalhou ao ouvir os gritos de Fei e Elly.
_ Nuah hah hah hah! Eu não sou o inútil! Hah! Uha, haah... haah... hã?
Foi quando ele pareceu despertar para o que havia feito. Fosse no radar ou na tela principal à sua frente, não havia mais qualquer vestígio de Weltall ou Fei. Ou Elly.
_ Maldição...! Eu eliminei a tenente também... Me esqueci das minhas ordens...
E o que isso importava, afinal?
_ Hmph... Ah, bem... Pro inferno com as ordens de Krelian...

“Maldição... O sangue... O sangramento não pára...!”
Fei e Elly tinham sobrevivido ao que fora um terrível pouso de emergência, de algum modo. Mas isso ainda podia mudar muito em breve.
“Se as coisas não mudarem... Desse jeito, Elly não vai conseguir...!”
Estavam numa floresta desconhecida. Weltall estava caído e em chamas, a porta da cabine escancarada enquanto Fei carregava Elly que gemia, semiconsciente e sangrando muito.
_ Elly! Aguente firme!
Não estivesse tão preocupado com o estado da companheira, no entanto, Fei poderia muito bem estar desmaiado ele próprio. Sentia que algo estava quebrado em seu tórax, não conseguia firmar a perna direita... e não tinha a menor idéia de onde estavam. Mas não podia terminar daquele jeito.
_ Elly, eu vou salvar você! Eu prometo! Elly...!!
E os dois estavam feridos demais para perceber a figura sombria de Grahf, oculto e quase invisível, a observá-los.



CORRA PELO FRIO DA NOITE...