domingo, 28 de fevereiro de 2016

Capítulo Trinta e Seis

Capítulo 36: Portão 1 – Aveh

  
_ Sem agitação pra você – Bart disse à Margie quando voltaram a Nisan – Vai ter que se aquietar por um tempo.
_ O que quer dizer com, ‘por um tempo’? – ela emburrou.
_ Não fica tão agitada. Ha ha ha ha!
_ Malvado!
_ Sigurd!
Estavam todos reunidos agora na estalagem de Nisan, onde os cuidados devidos tinham sido dados ao ferimento de Margie, e um dos auxiliares do imediato acabara de entrar. Sigurd foi até ele, ouviu as informações trazidas e acenou, com ar grave.
_ ... Muito bem. Por favor, diga a Maison que vamos ficar por aqui por mais algum tempo.
_ Entendido!
_ Nós ouvimos de nossas unidades em Bledavik – Sigurd comunicou, enquanto seu auxiliar se retirava – As coisas estão se desenrolando com suavidade. Eles entraram no castelo. Estão investigando o quarto particular de Shakhan no piso superior. Mais uma coisa, a Yggdrasil está estacionada nas proximidades e apanhou vários Gears no radar.
_ Shakhan! – exclamou Bart, e Sigurd confirmou com um aceno.
_ Muito provavelmente. Mas aqueles Gears foram para a capital, e então voltaram e retornaram em nossa direção.
_ Ele viu que as coisas não pareciam muito bem e fugiu – deduziu Fei.
_ É... – Bart comentou, pensativo – Mas, faz parecer que ele tá voltando pra cá.
_ O que é que há por aqui...?
_ Quanto a isto, a informação da capital – retomou Sigurd – Não há um ‘Portão’ nesta área?
_ Um ‘Portão’?
_ Onde? – perguntou Citan.
_ Diretamente a oeste de Nisan – respondeu Sigurd, que se voltou para Bart – Jovem mestre, conhece a grande caverna que existe lá?
_ Caverna... no continente oeste? É perto do oceano – Bart concordou – Se me lembro bem, é grande o bastante pra um Gear andar lá dentro.
_ Sim, lá. Foram encontradas evidências de que há alguma espécie de grande construção no interior daquela caverna.
_ Shakhan está indo para lá – comentou Fei, sem entender – O que ele está fazendo?
_ Acho que vamos ter que ir lá e ver! – Bart bateu os punhos um no outro, e Fei se animou, concordando. Sigurd confirmou com um aceno de cabeça e disse:
_ Eu aguardarei aqui por informação da capital.
_ Um portão! – Citan admirou-se – Naturalmente, eu gostaria de chegar a vê-lo de verdade... mas acho que desta vez eu vou passar. Há mais dois restando. E além disso... Só para o caso das coisas não saírem muito bem, pode ser melhor se ficarmos aqui e protegermos Marguerite.
_ Entendido – Bart agradeceu – Eu deixo o resto pra vocês.
_ Marguerite e Bartholomew – a Irmã Agnes sorriu sonhadoramente ao ver os dois primos juntos – Fico muito feliz de ver vocês dois se dando tão bem.
_ Irmã, por favor, pare – pediu Margie – Está me deixando envergonhada de novo.
_ Mas não é vergonha, Marguerite – Agnes pareceu perplexa – Desde os tempos antigos, as Grandes Madres de Nisan e os Reis de Aveh sempre se...
_ Não, pára, não fala nisso... Ai aiaiaiaiaiai!
_ Margie! – Bart veio depressa para o lado dela, e a fez ficar quieta na cama – Fica paradinha aí, é melhor você não ficar forçando!
_ Aiai... Seu malvado...!
_ Jovem mestre, vai encontrar Andvari fora de Nisan na Yggdrasil – lembrou Sigurd – Ele já está refeito dos danos da última batalha.
_ ‘Andvari’? – Fei olhou em dúvida para Bart, que acenou.
_ É o nome do Omnigear de Fatima. Encontramos nos registros antigos da família sobre ele. Legal, né?
_ Bom, é... – Fei comentou, olhando ainda em dúvida para o amigo – Mas o que vai fazer com o Brigandier, então?
_ Reserva – Bart respondeu sem pestanejar – Não sabemos bem que tipo de coisa vamos encarar mais pra frente, mas vai ser preciso mais força. E, de qualquer maneira, meu velho Gear já é parte do tesouro de Fatima, também. Além do mais, a gente não sabe tudo sobre os Omnigears; pode ter algo que o Andvari não consiga fazer, e o Brigandier possa. Nunca se sabe, ele ainda pode ser muito útil no futuro.
Parecia improvável considerar uma situação em que o Omnigear de alguma forma perdesse para o Brigandier, mas Fei sabia que isso também tinha a ver com o grande respeito de Bart pelo que servia a ele. Fosse seu povo, fosse o seu velho Gear, nada era substituível.
Era preciso garantir a segurança de Nisan até que estivessem certos da vitória. Então, Bart julgou que apenas ele, Fei e Maria deviam investigar a caverna até que tudo estivesse resolvido. Fosse qual fosse a força protegendo Shakhan, provavelmente Andvari teria poder o bastante para lidar com eles, mas ter o apoio de Seibzehn e Weltall como garantia não era cuidado demais.
A caverna de fato não era afastada de Nisan. Havia uma pequena cadeia de montanhas a oeste da cidade, separando o continente do mar, e a entrada estava voltada para o sul. Após um primeiro exame superficial, os três entraram com Bart na liderança, já que ela era o único que conhecia o lugar. Ou ao menos, ele acreditava conhecer.
_ O quê?! – Bart parecia intrigado, olhando para a parede nos fundos da Caverna de Ignas.
_ O que houve? – Maria perguntou de sua posição sobre Seibzehn.
_ Aquele buraco, não estava lá da última vez em que vim até aqui.
_ Ande, vamos dar uma olhada.
Mas, assim que se aproximaram a ponto de Fei perceber uma espécie de painel luminoso montado próximo ao ‘buraco’ descrito por Bart, da entrada e da saída da caverna vieram Gears imensos cobertos em mantos. Gears que eles reconheceram prontamente.
_ São sobreviventes da última batalha! – Fei exclamou, colocando Weltall em guarda – Os Neo Etones!
De fato eram, quatro Gears ao todo, dois vindo do interior da caverna e dois outros da retaguarda, como se pretendessem aprisioná-los ali. No ato, sem que uma palavra fosse necessária, os três se lançaram à batalha.
Bart tomou a dianteira com Andvari, Weltall e Seibzehn confrontando a retaguarda. De cajados erguidos, um deles em chamas, os Neo Etones atacaram o Omnigear, ainda lembrando-se das ordens do Bispo Shakhan de apreendê-lo com poucos danos, se fosse possível.
E Andvari bateu seus chicotes em cruz, braços abertos fechando-se diante de si mesmo enquanto alcançava os dois adversários. Os dois cajados quebraram-se ao tentar bloquear o ataque, e também seus braços. O primeiro ataque fora demais para eles.
Bart sorriu, fazendo o Omnigear se voltar depressa. Ainda estava se adaptando a comandar com os pensamentos ao invés de usar controles, mas era uma adaptação rápida. Quase pudera sentir o choque dos chicotes contra os Gears, e fora como bater em palha. Procurou pelos amigos, imaginando se algum deles precisava de ajuda e pronto para continuar.
Mas seu entusiasmo o fizera esquecer que seus companheiros também eram fortes. Voltara-se a tempo para ver Weltall desintegrar um Neo Etone com um Tiro Guiado, enquanto os dois punhos de Seibzehn caíram pesadamente sobre seu adversário, que despejava chamas sobre ele. Aparentemente sem efeito.
_ Maria, você está bem?
_ Sem problemas, Bart – ela acenou de volta – O ataque atingiu Seibzehn, mas nada que a blindagem não suporte. E acho que esse foi o último.
_ Aqueles caras, parecia que estavam esperando por nós – Fei comentou ao ver o último Neo Etone cair.
_ Será que é uma armadilha? – perguntou Maria, ao que Bart deu de ombros.
_ Seja lá o que for, temos que continuar! Vai ser uma vergonha eterna se deixarmos eles escaparem!
Seguiram adiante pela caverna num corredor escavado diretamente na rocha com laser. Por fim chegaram a duas imensas portas metálicas que se abriram diante deles para revelar o que parecia um poço de metal sem fundo, e mesmo com a experiência que tivera nos tempos recentes, Fei ainda se surpreendeu com o que viu.
_ Isso é... o gerador do Portão?!
Três passarelas conduziam ao centro da imensa caverna, onde um pilar estava situado entre as três. Um fluxo de energia que parecia infinito era claramente visível a partir dele, algo que se parecia com a descrição que Citan e Sigurd tinham feito sobre o gerador. Mesmo Maria, que vinha de Shevat, estava impressionada, sem ter o que dizer, e Bart resumiu sua apreciação numa única frase.
_ ... Filho da mãe. Não só ele estava sentado no trono de Aveh, também controlava isso.
_ Exatamente.
O Gear de Shakhan pousou exatamente diante deles, entre o pilar do portão e os três Gears, e não parecia que ele estivesse disposto a fugir novamente. Andvari, Weltall e Seibzehn se puseram em guarda, mas Shakhan não tomou qualquer iniciativa a princípio.
_ Pensar que você sabia da existência do portão... Muito interessante. O portão que dividiu Solaris da terra estava sob a supervisão do ‘Ethos’.
“No início, era supervisionado sem qualquer verdadeiro conhecimento do que ele fazia. No entanto, ao longo dos anos, o ‘Ethos’ fez suas próprias experiências para revelar sua verdadeira natureza. Eles aprenderam como usá-lo. Em nome de nos libertarmos de Solaris, nós descobrimos uma nova forma de utilizá-lo!”
Das costas do Gear satélite de Shakhan, um longo tubo metálico destacou-se e se plugou diretamente na cápsula de energia do pilar atrás de si. No ato, todo o corpo do Gear começou a cintilar com energia e poder, parecendo algo bem próximo do invencível.
_ Seu! – Bart exclamou – Essa era a sua intenção original!
_ Ele provavelmente veio por causa desta caverna! – Fei entendeu – Ele só queria a energia do gerador de portão!
Foi então que algo inusitado aconteceu; o fluxo quase infinito de energia que cintilava por toda a estrutura do imenso Gear branco de Shakhan repentinamente desapareceu. Todas as leituras de sensores de Weltall, Andvari e Seibzehn batiam: não havia qualquer fluxo partindo do gerador de Portão para o Gear de Shakhan, embora não houvesse qualquer explicação plausível para aquilo. A não ser...
_ Isso... não pode ser...!? – ouviram a voz de Shakhan, tão surpreso quanto eles mesmos – É ridículo...! Esta coisa devia ser capaz de retirar uma quantidade adequada de energia do portão! Não devia ter havido qualquer problema na teoria! Por quê? Por que não se move?
Quase podiam imaginar Shakhan batendo nos controles, tentando inutilmente fazer o monte de metal ainda plugado ao gerador de portão se mover, e ainda que aquilo fosse um sinal de que a vingança de Bart seria muito mais simples do que teriam ousado sonhar, não deixava de ser ridículo.
_ Putz, você trocou as bolas? – Bart comentou sem expressão – Se meu pai ouvir falar que eu fui deposto por um idiota desses, vai se revirar no túmulo...
_ Eu não precisava disso, de qualquer maneira! – Shakhan parecia ter desistido de seu plano de utilizar a energia do portão, pois o Gear moveu os braços e pôs-se em posição de batalha – Acabarei com você eu mesmo!
Enfim, parecia que ao menos ele não se entregaria pacificamente. Mas então, um cintilar poderoso de energia e todos os Gears captaram um poder que não estivera ali até um minuto antes, e uma voz sinistra e familiar perguntou:
_ Você não deseja o poder?

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Capítulo Trinta e Cinco Ponto Dois

(...)


Saindo da ponte de comando, os quatro correram para os elevadores do bloco de energia, e assim que alcançaram o corredor um grupo de soldados de Shakhan apareceu disparando contra eles.
Billy jogou-se ao chão disparando contra eles, enquanto Bart cobriu Margie e Fei saltou novamente, apoiando-se no corredor para ganhar impulso e caindo sobre o primeiro dos soldados com seu Tenbu. Uma sequência de golpes rápidos e, quando os demais soldados apontaram suas armas, ele lançou aquele com quem lutava para o alto, saltou e chutou, lançando-o sobre os outros.
E o impacto derrubou a todos os soldados, espalhando-os para fora do caminho. Billy se colocou de pé, Bart também, e Fei comandou:
_ Agora! Acesso aberto!
_ Certo, Fei! – Bart bradou enquanto se aproximavam – A próxima é minha!
_ Vamos nos preocupar com isso quando chegarmos lá em cima – Billy comentou, recarregando – É de se esperar que eles estejam nos esperando no corredor, e aqui dentro, não temos espaço para atacar.
_ Tem alguma idéia, Billy? – Bart perguntou, e Billy acenou que sim.
Do lado de fora do corredor no bloco de energia, um contingente de soldados aguardava com os rifles apontados. Como Billy dissera, era mais fácil se já se soubesse onde estavam os alvos, e se não tinham recebido qualquer aviso pelo rádio, o que significava que o grupo de extermínio que descera fora derrotado.
Então, quando o elevador se aproximava, eles destravaram seus rifles e aguardaram. Assim que as portas se abrissem, não haveria para onde os alvos fugirem.
_ Tiro Guiado!
_ Disco Celestial!
_ Gunholic!
_ Chuva de Meteoros!
Três ataques de ether, mais a técnica de tiro sequenciado de Billy, todos disparados antes que as portas se abrissem fizeram com que elas explodissem sobre os soldados, derrubando os mais próximos e forçando os demais a cobrirem os rostos ou buscarem proteção.
E Bart veio adiante com Fei, agitando seu chicote e atingindo o soldado mais próximo com golpes carregados de elementos. Terra, fogo e água, terminando por prender o oponente e lançá-lo sobre a parede e sobre os companheiros.
_ Dinâmico!
Fei avançou por trás de Bart, lançando seu Tiro Guiado novamente entre os soldados para dispersá-los e então caindo sobre eles com os chutes de seu Hagan. Mais um grupo abatido.
_ Heh... Eu falei que a próxima era minha.
_ Mais avanço, menos conversa, Bart – Billy bronqueou, correndo adiante com Margie – Ainda não terminamos.
_ Que saco, eu já sei disso! Tá, tudo bem, a próxima é sua então. Isso já tá me cansando, mesmo.
Seguiram pelo corredor rumo à câmara do Omnigear quando, de repente, o grupo viu-se cercado por ambos os lados, e Bart apertou os cabos dos chicotes nas mãos, ofegante e dizendo entre dentes:
_ Um atrás... do outro. Será que esses caras... não desistem nunca?
E o próprio Bispo veio adiante, flanqueado pelos soldados. Sua atitude era fria como sempre, e ele parecia ter tudo sob controle ao confrontar Bart.
_ Muito impressionante, Príncipe Bartholomew. Mas você não irá adiante.
_ A sua central se foi – Bart respondeu – O que você pode fazer agora? Que tal se matar de maneira honrosa? Uma morte bem adequada pra um homem do clero.
_ Há muito mais no ‘Ethos’ do que você possa imaginar – replicou Shakhan – Não somos uma única unidade. Cada um de nós tem uma agenda. Não temos necessidade de admitir derrota apenas porque a área central se foi. Eu tenho meus próprios motivos. E é por eles que usei Aveh e a Gebler. Agora, o tesouro é meu. Sugiro que se retirem.
E os soldados apontaram seus rifles, e os sacerdotes ficaram em posição. Bart não teria qualquer hesitação ao que fazer se estivesse sozinho, pouco importando o desenlace... mas tinha seus amigos e sua prima Margie para considerar ali. Ainda assim, entregar o tesouro de seus ancestrais...
_ ... Saco!
E Margie saiu do grupo, correndo depressa entre os soldados. Tão surpresos ficaram com aquela manifestação que eles não abriram fogo imediatamente, dando a ela tempo para escapar até mesmo de Shakhan e seguir adiante no corredor.
Quando os primeiros soldados se recuperaram do choque e fizeram pontaria, Billy e Fei já estavam prontos para eles. Mas Bart era o mais afoito, agitando seus chicotes e lançando inimigos uns sobre os outros enquanto tentava alcançá-la.
_ Margie! Volta aqui!
_ Atrás dela! – comandou Shakhan, e dois de seus comandados abriram fogo, mas Margie acabara de fazer a curva no final do corredor, e eles a perseguiram. E Shakhan, apesar da artilharia e da luta atrás de si, conseguiu conservar a calma para ponderar:
_ Hmph... Na verdade, está tentando proteger o Omnigear? O que acha que uma garotinha pode fazer? É como dizem... saindo da frigideira para dentro do fogo... Idiota! – e voltou-se para seus soldados, em plena batalha contra Fei, Bart e Billy – Eu vou cuidar disto de uma vez por todas! Aquela menina detestável me fez de tolo pela última vez. Vou mandá-la, e a tudo com ela, para as profundezas do inferno.
_ Desgraçado... – Bart rosnou, avançando sobre Shakhan e sendo barrado por dois soldados – Saiam do meu caminho!!
_ Você já foi longe demais.
Sigurd e Citan vinham pelo corredor, por trás deles, e o imediato de Bart olhava com frieza e superioridade para Shakhan. Bart acabara de se desvencilhar dos soldados com seu ataque Dinâmico e perguntou, abismado:
_ Sig! O que cê tá fazendo aqui?!
_ Citan!
_ Deixei Maison encarregado da capital – Sigurd respondeu – Estava preocupado com vocês, então voltei para cá.
Diante da nova ameaça, os soldados e clérigos restantes formaram uma barreira diante de Shakhan, enquanto Billy ganhava tempo para curar a si mesmo e aos companheiros com seu Vento Sagrado, e Sigurd e Citan se aproximavam.
_ Shakhan – disse Sigurd – é apenas uma questão de tempo até que Bledavik volte para nós. A esta altura, você não tem para onde ir.
_ Errgh... – Shakhan finalmente parecia acuado – Ainda não acabou! Eu ainda tenho Margie! Por enquanto, ela mais uma vez será minha refém até que eu tenha aquele Omnigear.
E fugiu pelo corredor, com seus soldados a cobrí-lo.
_ Espera aí!
Bart, Billy e Fei partiram em perseguição a ele, enquanto sons de batalha começaram a vir das câmaras posteriores. Sons de algo imenso em movimento, os Gears de Shakhan sem dúvida, movendo-se para aprisionar Margie. Mas quando Bart chegou à passagem, a porta não se abria.
_ Praga, não vai abrir! Tá trancada por dentro! Espera aí, já sei!
E ele voltou à sala lateral, com as estátuas de anjo da tranca. Mas ele bateu seu pé de frustração ao deparar novamente com o mecanismo de retina.
_ Argh! Eu só tenho um Jasper de Fatima!
_ Relaxe, jovem mestre!
Sigurd entrara logo atrás deles, e embora aliviado ao ver seu mestre ali, Bart continuava aflito. O problema persistia, a menos que Sigurd pudesse tirar do ar uma solução.
_ Sig... O que que eu faço?
_ Deixe que a luz passe por seu olho bom! Eu farei a outra metade!
_ ... Hein? Do que você tá...?
_ Faça logo!
Sem entender, Bart submeteu seu olho direito ao leitor de retina, enquanto Sigurd postava-se à sua direita e exibia seu olho esquerdo. E o mecanismo miraculosamente veio á vida, e o som claro da trava sendo removida se fez ouvir.
_ Beleza! Tá destrancado! – e de repente, pareceu atinar com o óbvio, voltando-se alarmado para Sigurd – Sig...! Como foi que o SEU olho funcionou?!
_ Nosso tempo está acabando! – Sigurd retrucou – Devemos ir até Marguerite o quanto antes!
Bart olhou para ele com ar de confusão, mas Sigurd tinha razão; havia assuntos mais urgentes a tratar naquele momento, e o som de Gears continuava. Apressadamente, eles deixaram Sigurd e Citan na retaguarda enquanto alcançavam a ampla câmara de entrada.
Os Gears de Shakhan estavam em movimento, e Bart olhou ao redor desesperado. De Margie, não havia qualquer vestígio.
_ Margie! Cadê você?
Shakhan estava próximo ao seu próprio Gear, flanqueado por soldados e Etones, e outro dos soldados deslocou-se rumo à câmara do Omnigear enquanto ele parecia impaciente.
_ Argh, por que está demorando tanto?
_ Mas – o soldado no Gear balbuciou – Ainda é um Omnigear...
_ Imbecis! Ela é só uma criança! O que ela pode fazer?! Apressem-se e peguem-na!
Margie, então, alcançara a câmara do Omnigear, isso parecia claro. Mas não havia mesmo como ela operar tamanha máquina, e muito menos contra soldados experientes, fosse um Omnigear ou não. Bart e os amigos correram na direção da câmara do Gear.
Um Gear de soldado avançou depressa sobre seus Turbos, alcançando a câmara primeiro. Mais tremores de batalha se fizeram ouvir e, então, uma explosão de chamas ergueu-se diante deles.
_ Margie... – Bart murmurou, e correu ainda mais – Ali...!
Os três avançaram, temendo o que veriam... e foi mesmo algo impressionante o que viram, embora de todo inesperado. O Omnigear de Fatima estava de pé, os restos do Gear do ‘Ethos’ estavam espalhados por toda a parte, e não era difícil imaginar o que acontecera. E a surpresa de todos não parecia ser maior do que a de Bart.
_ Margie?! É você... que tá pilotando ele?
Metralhadoras pipocaram, e os três subiram apressadamente até a escadaria da plataforma para a cabine do piloto, enquanto Shakhan e seus soldados entravam logo atrás deles na câmara do Gear. Estavam próximos agora, mas não havia como subir sem ser alvejado.
_ Praga...!
_ Vá, Bart!
Billy se expôs, fazendo uso de sua técnica do Quebra-Nozes para atirar depressa, fazendo mira em Shakhan e obrigando o bispo e seus seguidores a procurarem abrigo. E ganhando tempo precioso para Bart, que subiu depressa a escadaria e lançou-se para dentro da escotilha aberta.
Margie estava lá dentro, sentada na poltrona do piloto. Ela parecia estar sofrendo, suor frio escorrendo de seu rosto, mas ainda assim sorriu ao vê-lo entrar, e ele percebeu que algo parecia errado.
_ Você tá bem?!
_ Minha perna... foi baleada – ela sorriu com dificuldade, e Bart notou a pequena trilha de sangue que ela deixara para trás enquanto entrava – Heh... Parece que estou te causando problemas de novo...
_ Sua estúpida! Por que fica se colocando em perigo desse jeito?!
_ N-não... foi muita coisa, eu só achei que isso... era o mínimo que eu podia fazer por você.
_ ... Sua idiota... – ele murmurou, de cabeça baixa e rosto escondido – Estúpida! Você é a maior idiota!
Mas ele se recusava a olhar para ela enquanto bronqueava, e Margie continuou sorrindo. Claro que ele estava preocupado; ela também estaria se as posições fossem inversas.
_ ... Heh, heh.
_ ... Consegue se mover? – ele perguntou, sacudindo a cabeça ainda uma vez e parecendo recuperar a compostura; havia questões mais urgentes, e estavam sem tempo.
_ A-hã... Acho que sim.
Da entrada da câmara veio um dos Neo Etones, um modelo de Gear pilotado por Etones a serviço de Shakhan. Altos, cobertos com capuzes roxos, sem mãos visíveis e ainda assim portando um cajado que flutuava ao seu lado, ele postou-se diante do Omnigear e Shakhan ordenou:
_ Danos menores podem ser consertados. Mire na cabine do piloto!
_ Porcaria! – Bart e Margie também podiam ver o outro inimigo pelo monitor do Omnigear. O tempo acabara, inclusive para retirar Margie dali enquanto ele lutava – É perigoso demais sair agora. Consegue se segurar?
_ Não se preocupe... comigo – Margie deu lugar na cabine do piloto, e apesar da pressa com o que o fez, ficou bem claro que seu ferimento doía muito, e Bart ainda praguejou uma vez enquanto se sentava.
No lado de fora, o cajado do Neo Etone começou a girar à sua volta, evidenciando o próximo ataque. E Bart, na cabine, olhou em volta desesperado.
_ O q-quê, ô? Não tem alavanca de controle! Como é que eu vou mexer isso?
_ Você está bem, jovem mestre?!
_ ...Sig?! – não era tão inesperado ouvir a voz de Sigurd àquela altura, e viera em boa hora, também – Cê sabe como operar essa coisa?
_ ... Do quê está falando?
_ Não tem controles! – Bart exclamou desesperado, enquanto o emissor no tórax do Neo Etone começava a cintilar – O que eu vou fazer?
O cajado ergueu-se, o emissor disparou e uma luz violeta brilhante fluiu na direção do Gear...
... e o Omnigear prontamente se moveu, colocando ambas as mãos para conter o disparo, diante do desagrado de Shakhan.
_ Molequinho descarado...!
_ C-como?! – Bart estava tão surpreso quanto qualquer um, com Margie olhando para ele de trás da poltrona do piloto. Não fizera qualquer movimento, porque não havia comandos diante dele para operar – Como foi que ele se moveu?!
_ Eu entendi! Jovem, você deve pensar!
_ Essa voz... Citan?!
Ao lado do trono, reunido com Fei, Billy e Sigurd estava Citan, enquanto o Neo Etone girava mais uma vez seu cajado, e o catedrático explicou:
_ Aparentemente, o Omnigear não funciona por controles mecânicos, e sim mentais. Lembra-se como Elly e o Omnigear em Shevat reagiram?
Sim, claro que lembrava. Ainda tinha calafrios ao lembrar daquilo. Estavam todos empolgados, indo para a Yggdrasil em sua terceira encarnação quando Rico reparou no imponente Gear no meio do caminho.
_ Ei, que Gear é aquele? Eu não tinha reparado nele antes!
_ O quê? Ah...!
Todos tinham ficado admirados. O Gear que Rico apontara tinha um ar majestoso, parecendo uma rainha de algum tipo diante dos Gears deles; mesmo o Seibzehn de Maria não parecia tão poderoso. Mais interessante, no entanto, era que ele tinha um desenho familiar.
_ Sei não, posso até estar errado – comentou Bart distraidamente – mas ele não parece um bocado com o Gear da Elly, Vierge?
_ Agora que mencionou, jovem – Citan assumira sua costumeira postura de concentração – de fato, há algo familiar em toda a estrutura. Elly, você faz alguma idéia do motivo...
Mas então, viram que Elly não os estava ouvindo de fato. Ela parecia transfixada de algum modo, olhando para o Omnigear com o rosto pálido, como quem revia um antigo pesadelo. De alguma parte, um pulsar pareceu se fazer presente apenas para ela, enquanto imagens desencontradas, de lugares e eventos que ela nunca presenciara, cresceram em intensidade e volume em sua mente.
_ Elly, o que foi? – Fei colocou-se ao lado dela, amparando-a – Você está bem?
_ N-não... Não! – ela debateu-se, como se estivesse cercada por algo terrível – Não, se afaste de mim!
_ Elly!
Do lado oposto do corredor, o Omnigear branco também começara a se mover de repente. Assustara muito os técnicos de Shevat que ali estavam no momento enquanto a máquina se debatia, quase como se estivesse com tanto medo de Elly quanto ela própria. Às pressas haviam retirado Elly dali, Fei carregando a moça suave mas firmemente rumo à Yggdrasil e partindo de Shevat. Citan a acompanhara nas primeiras horas enquanto ela estivera inconsciente e, ao despertar, ela lembrava muito pouco do ocorrido. Pensando nisso agora, os movimentos do Omnigear em Shevat eram muito semelhantes aos da própria Elly enquanto tentava se afastar.
_ ... Mas...
_ Margie provavelmente o moveu através do mesmo meio. Jovem, experimente e visualize o Gear se movimentando; assim, o Gear deve reagir à imagem em sua cabeça.
_ ... Tá bom, agora que eu sei... aí vai!
Afinal, não tinha nada a perder. E os braços do Omnigear moveram-se para baixo num movimento brusco, seus chicotes ficando evidentes, enquanto o Neo Etone afastou-se e Shakhan praguejou:
_ Maldito seja, garoto!
Mas não havia nada mais que pudesse fazer ali, e retirou-se. E Fei sabia que aquele era o momento para colocar a todos para fora do Forte Jasper.
_ Vamos, atrás deles! Billy, agora nossos Gears também podem entrar! Chame o Renmazuo!
_ Certo, vamos!
Fei e Billy saíram em perseguição aos Etones, e Bart soube que seria uma batalha de Gears. Mas não precisaria chamar o Brigandier; se a idéia de Shakhan era conseguir o poder do Omnigear de Fatima, ele pretendia dar a ele. Em espécie.
_ Cara, isso vai ser muito legal! Margie, segura firme!
Os Turbos do Omnigear ativaram-se, aletas traseiras semelhantes a asas revelaram-se e ele irrompeu porta afora, para encontrar dois Neo Etones diante de Weltall e Renmazuo.
Shakhan precisava de tempo para alcançar o seu Gear e seus comandados tinham ordens para garantir-lhe esse tempo. O Duplo Snap de Renmazuo estava aparentemente dando algum trabalho ao seu adversário, mas o segundo Neo Etone lançou Weltall para trás com um poderoso ataque ‘Selo’.
_ Fei, você tá legal?
_ Bart?
_ É, eu mesmo. Vai dar uma força pro Billy, que eu cuido desse aqui. Quem terminar primeiro vai atrás daquele careca!
O mesmo ataque de energia de antes foi disparado, mas novamente, uma das mãos do Omnigear bastou para conter o raio enquanto o braço direito bateu o chicote, fazendo o Neo Etone cambalear vários passos.
À sua direita, um poderoso ataque Selo foi lançado contra Renmazuo, atirando o Gear de Billy para trás. Turbos ativos, Weltall saltou de trás dele e alcançou o Neo Etone com um Raigeki, uma sequência de golpes explorando as fraquezas do alvo para terminar com um murro explosivo.
À esquerda, o Neo Etone que enfrentava Bart lançou um Selo também e mesmo o poderoso Omnigear vacilou, recuando e tombando sobre um dos joelhos enquanto o outro concentrava energia para uma combinação de ataques, o Selo e o emissor de energia unidos. Por importante que o Omnigear fosse para o Bispo, o piloto devia ter pensado, mais importante era que ele não fosse utilizado contra eles, e decerto aquele ataque poderia destruir até a ele.
_ Agh... Sem essa – Bart bateu no painel diante de si, desejando Turbos que pudesse acionar – Isso não vai ficar assim!
O Omnigear ganhou os ares quando o ataque caiu sobre ele, seus dois braços erguendo-se para cair sobre o Neo Etone com ambos os chicotes. As mãos agora visíveis, o Gear inimigo protegeu-se com o cajado como pôde.
Mas Bart agora estava determinado demais, e o Omnigear parecia capaz de converter a concentração dele em força, pois seus chicotes despedaçaram o cajado e avariaram seriamente o seu tórax, deixando não só avariado mas também aberto para o Nível de Ataque de Bart.
_ Agora você vai ver! Tempestade de Golpes!
Os dois primeiros golpes pesados do chicote foram apenas uma abertura; o Omnigear de Fatima enlaçou o Neo Etone e começou a bater o inimigo sobre si e no solo, à direita e esquerda. Inspirado por uma idéia, Bart chamou nos comunicadores:
_ Fei, Billy, saiam da frente!
Billy acabara de disparar uma sequência contínua de seu Tiro Flamejante sobre o outro Neo Etone quando o aviso de Bart veio e Weltall e Renmazuo desviaram-se, pouco antes do Omnigear lançar o que restara de seu adversário sobre o outro, destruindo a ambos.
Shakhan já estava em seu próprio Gear, mas sabia que a situação não tinha remédio. Estava em franca retirada, mas não teria como enfrentá-los ali.
_ Eu quase o consegui!
_ Ei! – Bart exclamou, ao ver o inimigo se retirando – Você não vai fugir!
O Gear branco de Shakhan desapareceu pelo domo aberto do Forte Jasper; não que Bart já tivesse se dado por vencido.
_ Aquele pilantra não vai a lugar algum!
_ Jovem, por favor espere! – interveio a voz de Citan – Margie vai ficar bem?
_ Hã... ah, é! – voltou-se. Sua prima estava sentada no chão atrás dele, de cabeça baixa – Ei, Margie... você tá bem?
Margie não respondeu. Suportara bem a batalha contra os Neo Etones, mas estava perdendo sangue pelo ferimento, fosse como fosse.
_ Margie! Margie, acorda!! Margie!!
  
Pouco depois, estavam todos reunidos na câmara do trono. O domo fora fechado novamente, e Margie despertara sob os cuidados de Citan, que pareceu satisfeito.
_ Felizmente, a bala atravessou, sem ficar alojada. Eu aplicarei os primeiros socorros; depois, quando voltarmos à cidade, devemos examinar a ferida com mais atenção.
_ Bom... – Bart suspirou de alívio – Eu fico grato. Quando ela desmaiou, eu pensei o pior.
_ ... Bart.
Bart não fez muita questão de disfarçar o sorriso quando Margie ergueu os olhos para ele. Depois do susto na cabine do Omnigear, ele temera que ela não fosse abrir os olhos de novo... e ele nem sequer teria percebido quando acontecera. Sacudindo a cabeça para espantar os maus pensamentos, ele perguntou:
_ ... Como você tá?
_ ... Tô bem.
Ele sorriu mais amplamente. Claro, ela devia estar fraca depois da perda de sangue. Mas estava melhor.
_ Sabe – ela continuou falando, parecendo cansada mas também satisfeita – quando eu desmaiei, ainda ouvia a sua voz. Por alguma razão estranha... seus gritos me alcançaram. É por isso que eu achei que tinha que ajudar você...
_ ... Ah. Nós... estávamos lutando juntos, não estávamos? Você me protegeu.
Margie sorriu para Bart, que sorriu de volta. Afinal de contas, era verdade. Não poderiam fazer aquilo com frequência, Gears eram feitos para apenas um ocupante... mas fora muito bom.
_ Mas, então – Bart voltou-se para o Gear vermelho – esse é mesmo o Gear lendário no pergaminho da nossa nação fundadora?
Todos voltaram seus olhos para o Omnigear. Citan e Fei podiam lembrar-se do pergaminho no esconderijo do deserto, e era óbvio para ambos que a figura vermelha que tinham visto então tinha a mesma silhueta do Omnigear diante deles. E Bart ainda o estava analisando, pensativo:
_ A forma de manejar, parece muito com o meu Brigandier... Exceto que, talvez, esse é um pouquinho mais poderoso.
_ Talvez... – Citan riu discretamente, admirado com a teimosia do rapaz em proteger o Gear que utilizara até então – Os controles, a saída e as armas são similares, e se ajustam à força das ondas mentais do piloto. Se for assim, o piloto deve ser habilidoso para mesclar-se mentalmente com o Gear e reunir seu verdadeiro poder. Marguerite foi capaz de mover o Gear através de seu forte desejo de ajudar você. Foi a força dela que o moveu.
_ Traduzindo, eu vou ter que me acostumar com isso? – Bart perguntou.
_ Seria o caso – Citan confirmou, e Bart torceu o nariz.
_ Ergh. Já passei por um bocado de encrenca pra pegar esse negócio aí...
_ Não se deixe desencorajar – Citan comentou – Nós agora sabemos que estes Omnigears foram usados na batalha entre a terra e Solaris. Mesmo agora, o ‘Ethos’ e Solaris estão procurando pelo seu poder. Ao menos, este aqui não caiu nas mãos deles. Eventualmente, você será capaz de liberar o poder total dele. Vamos esperar – Citan acrescentou num tom menos formal – que você o utilize pelas razões certas.
Todos se voltaram para contemplar o Omnigear de Fatima mais uma vez. Citan tinha razão, era muito bom que não tivesse caído em poder de Solaris, ou do ‘Ethos’. Teriam ainda muito que fazer, e aquela máquina do lado adversário teria sido um grande empecilho. A serviço deles, no entanto... podia tornar sua tarefa bem menos complicada.
  

WASHED AWAY BY THE DARKEST WATER

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Capítulo Trinta e Cinco Ponto Um

(...)

O salão oculto depois da porta também estava às escuras, mantido apenas por iluminação de emergência. Mas mesmo à meia-luz era possível divisar o que se encontrava no final do corredor por onde os quatro entraram; algo semelhante a um trono imenso, com uma figura humanóide à sua altura para ocupá-lo. Uma figura imensa e vermelha, um Gear, que possuía uma espécie de dignidade imponente que deixou aos quatro mudos por um momento.
_ I-isso...! – murmurou Billy.
_ ... Meio que parece um bocado com o Gear do Bart – comentou Fei, numa atitude pensativa que lembrava muito o olhar crítico de Citan. E Bart, como se despertasse, concordou:
_ Hã? Ah, é... Agora que você mencionou... Bom – deu de ombros – Se traçar a história do meu Brigandier, era um Gear feito originalmente em Aveh, que eu personalizei. Não ficaria surpreso se houvesse alguma conexão.
Os quatro permaneceram olhando para o imenso Gear em seu trono. Mesmo desativado por tanto tempo, ele mantinha uma espécie de atmosfera de poder à sua volta. Era de se entender, agora, por que havia sido dito que o tesouro não deveria ser utilizado a menos que uma grande necessidade se erguesse. Talvez Bart, em sua admiração, tenha se apercebido de repente de que não estavam ali apenas para olhar para ele, porque foi o primeiro a se recuperar da surpresa.
_ É, então... Parece que não tem energia nenhuma nessa área, exceto a das luzes de emergência.
_ Esse Gear também... – Fei concordou – Sem energia nas luzes. A unidade de impulso foi selada.
_ Hmm – fez Bart – Os painéis de controle lá embaixo não fizeram muita coisa... Quer dizer que provavelmente tem alguma coisa por aqui.
Espalharam-se para procurar um meio de ativação do Gear na plataforma onde ele estava, e foi Bart quem encontrou algo entre as pernas dele.
_ Hein...? Pessoal, tem alguma coisa escrita aqui. Alguém aí tem uma luz? – Fei passou-lhe uma lanterna e Bart estreitou o único olho para ler – Peraí... Tá escrito em Fatima antigo... É dos meus ancestrais.
_ O que diz? – perguntou Margie, e Bart traduziu:

Paz a todos aqueles que vierem aqui. Temendo grande calamidade, nós selamos este legado, confiando seu destino a vocês.

Como se esperasse apenas por aquilo, toda a área de repente pareceu ganhar vida. O salão do trono do Omnigear iluminou-se, deixando a imensa figura visível. Era realmente parecido com o Brigandier, mas não tinha tampão sobre qualquer dos visores e possuía uma crista amarela sobre seu capacete.
A energia ativou-se em toda a instalação; dos salões inferiores dos elevadores à ponte de comando que tinham encontrado anteriormente, a iluminação parca de emergência cedeu lugar a um sistema plenamente ativo que parecia nunca ter sido desligado. Na plataforma diante do imenso Gear de seus ancestrais, Bart esfregou as mãos com entusiasmo.
_ Beleza, isso deve resolver!
_ Agora – Margie perguntou, olhando para o primo – como é que eu levo isso pra fora?
_ É.
_ Vocês disseram que ele apareceria na superfície se lesse os olhos – lembrou Billy – Acham que podem mover esse prédio inteiro?
Bart e Margie se entreolharam. Bem, o mausoléu tinha uma ponte de comando, afinal. Valia a pena tentar.
_ Tá, vamos voltar lá pra baixo e fazer um teste.
Mas enquanto os outros desceram, Bart deteve-se ainda um instante diante do Omnigear de seus ancestrais e comentou em voz baixa, como se houvesse mais alguém ali:
_ Pai... Parece que vamos ter que fazer isso se mexer. Desculpa, mas eu vou pegar ele emprestado.
O Omnigear vermelho continuou inerte, e Bart quase se decepcionou com isso. De algum lugar, talvez ele esperasse por uma resposta.
Voltaram todos à ponte de comando no andar inferior, agora ativa com energia, e Bart animou-se ao olhar para os instrumentos.
_ Legal! Vamos ver como meus ancestrais trabalhavam, então... – tomou lugar numa poltrona – Isso parece pra caramba com o painel da Yggdrasil... Se eu fizer isso...
Abaixo, sob o nível onde os elevadores estavam instalados, um imenso mecanismo voltou à vida, um anel propulsor que despertou girando depressa e colocou toda a estrutura em que estavam em vibração, e deixou Bart ainda mais animado.
_ Beleza! Eu sei que consigo fazer isso! Segura aí, gente!
Subitamente, lá em cima, toda uma planície entre as montanhas estremeceu e um imenso disco platinado começou a erguer-se aos céus. O ‘mausoléu’ de Nisan era na verdade uma imensa estação de batalha dos tempos antigos, onde os primeiros reis da dinastia planejavam ocultar seus súditos em uma situação extrema; como nunca mais fora utilizado de forma ativa, nem mesmo os registros mais antigos da cidade poderiam dar qualquer pista sobre seu verdadeiro formato e propósito. E Bart, na poltrona de comando, exultou:
_ Nós emergimos! Em seguida, abrir o domo celeste.
Um som estranho de zumbido se fez ouvir quando Bart ativou o painel para abrir o domo superior da fortaleza, e o pirata olhou para a esquerda do amplo painel e depois à direita.
_ ... Hã? O quê?
_ Bart, o que foi? – perguntou Fei, e Bart continuou a olhar para os comandos sob suas mãos.
_ Hein...? Não, já tá se movendo.
_ Provavelmente, por causa da sua pilotagem habilidosa – comentou Billy com ironia, mas Bart o ignorou desta vez, tão perplexo estava.
_ Não... Não é por isso.
Uma abertura circular abriu-se na proa da fortaleza móvel e uma reação de energia intensa mobilizou-se ali, um canhão antigo de plasma. E, mediante o olhar surpreso de todos, Bart murmurou baixinho:
_ Sem dúvida... é alguma coisa que eu ativei por acidente...
Um disparo de energia maciça brotou da fortaleza, carbonizando completamente a área diante de si e, felizmente, tomando o rumo do oceano e sem atingir nada. Os demais fizeram silêncio, imaginando o quanto Bart devia estar envergonhado com mais aquela mancada. Ao invés disso, o líder dos piratas de repente socou o ar, empolgado:
_ Maneiro!! É isso aí!!
_ Ah, sério...? – os três retrucaram, olhando para ele com ar vazio.
_ Quê? Do que vocês tão falando?
_ Pára de brincar! – Fei bronqueou – Afinal, o que raios você acabou de disparar?
_ Ah... – Bart olhou ao redor – Bom, eu não diria que foi um sucesso completo... mas vai servir por enquanto.
_ Aquilo era um canhão de ondas... – murmurou Billy, mas Bart não parecia ter levado isso a sério.
_ Nah, não esquenta! Me diz aí, alguma vez já me viu meter os pés pelas mãos, hein? Fala aí, já viu?
Uma resposta não era necessária, principalmente para quem olhava para Fei, que já tivera duas experiências com Bart e suas armas. Mas Bart, como sempre, estava empolgado demais para dar conta.
_ Então, que tal... Senhoras e senhores, contemplem!
E ativou o monitor principal da fortaleza, que imediatamente mostrou o oceano. Azul sobre azul, com um vulto imenso e escuro mal definido na imagem. E Bart, curioso, pareceu reconhecer aquilo.
_ Ei, aquilo ali por acaso não é a Torre de Babel... Bem pra lá?
Voltou-se na poltrona para os colegas, com um sorriso que parecia um quarto de lua.
_ E aí? Não é ma-nei-rís-si-mo?! Essa gracinha flutua por causa do Jasper de Fatima... Vou chamar ela de Forte Jasper, e vocês vão poder ver ela de longe! Tenho certeza que aquele último disparo de canhão podia alcançar qualquer lugar! Então... Acho que eu queria mostrar pra todos vocês toda a grandiosidade dela. Já viram um canhão desses antes? E sem essa de comparar com aquele arminha de feijão do Vanderkaum; esse aqui é muitas vezes mais poderoso e muitas vezes mais refinado...
Todos continuavam olhando com ar vazio; naquela empolgação, Bart parecia um vendedor com seu novo lançamento, ou pior ainda, uma criança com um brinquedo novo. Ele não parava mais de falar.
_ Afinal, é por isso que meus ancestrais usaram ele por gerações pra proteger o tesouro. É, esse aqui é pra valer mesmo. E não se esqueçam disso. Agora, como eu estava dizendo, eu nunca meti os pés pelas mãos antes.
E olhou ao redor, sorrindo largamente e quase parecendo tentá-los a dizer o contrário. Esfregando as mãos uma na outra novamente, ele concluiu.
_ Então, vamos pegar esse tesouro e ir pra casa! Mas primeiro, temos que abrir aquela porta do domo! Mas... não acho que o botão deste painel de controle vai servir. Pra lá!
O silêncio dos três enquanto Bart disfarçadamente se mudava de poltrona dizia mais do que palavras. Ele já tinha demonstrado bem claramente que aquele não era o botão certo, e Fei comentou em voz neutra:
_ Você não acabou de dizer que tinha apertado o botão errado?
_ Ah, eles são todos parecidos. Bom, que seja, vamos começar a apertar uns botões.
_ Ô, espera um pouco! Isso é seguro?!
Desta vez, no entanto, o domo sobre o Forte Jasper abriu-se ao comando de Bart, que se voltou para os amigos com ar satisfeito.
_ Beleza. Agora, vamos nos apressar e levar o tesouro pra fora.
_ Bom trabalho, Príncipe Bartholomew – uma voz familiar se fez ouvir de repente, chamando a atenção de todos – Obrigado por liberar o selo.
_ Essa voz... Shakhan!
A voz de Shakhan veio pelo sistema de comunicações de repente, enquanto vários Gears entraram pelo domo recém-aberto do Forte Jasper, cada um tomando posição. Vários Gears Etones, alguns soldados menores e um imenso Gear esférico com uma base flutuante, que lembrava vagamente o Alkanshel de Stone. E Bart praguejou ao ver a invasão.
_ Miserável! Foi tudo uma armação, então?
_ É claro – respondeu Shakhan – Você não acreditava de fato que a porta se abriria para qualquer pessoa? Eu simplesmente deixei a informação vazar e aguardei com calma pela sua chegada.
_ Saco... Então foi por isso que eu não percebi o seu fedor até agora!
_ Conhecendo sua natureza impulsiva, eu sabia que você viria. Mas nunca pensei que você iria longe a ponto de romper o selo para mim.
_ Filho de uma... – Bart esmurrou o painel de frustração – Me fazendo de otário!
_ Meus soldados já garantiram esta área – Shakhan concluiu entre dentes – Se não gosta disso, venha até aqui e leve o seu! Hah hah hah!
_ Demorou, seu velho careca! – Bart levantou-se da poltrona, correndo para fora – Aguenta aí, que eu já tô chegando! Billy, Fei, vamos lá!
_ Eu vou também!
Outra vez Bart teve que conter o impulso de mandar Margie ficar para trás. Não havia muita segurança em lugar algum até que pusessem Shakhan e seus homens para fora, e a última coisa que ele havia de querer era que Margie fosse capturada novamente.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Capítulo Trinta e Cinco

Capítulo 35 – Omnigear



_ Bem, então vamos andando. Onde fica esse mausoléu?
Fei, Billy, Bart e Margie estavam do lado de fora da sala de reuniões. O restante do grupo se despedira e partira na Yggdrasil para tentar a retomada de Aveh, agora mais confiantes na força que tinham e na provável fraqueza das forças de Shakhan. Em Nisan, no entanto, o quarteto estava mais preocupado com a tarefa diante de si, e Bart explicou:
_ Tem uma entrada nos fundos da catedral. Então, primeiro que tudo, temos que chegar na estrada que corre ao redor dessa cidade, e entrar pelo caminho dos fundos.
_ Qual a distância aproximada desse lugar? – indagou Billy, e Bart o tranquilizou.
_ A distância até o mausoléu não é tão grande. Mas, eu não sei quanto mais tem a partir de lá.
_ Você nunca esteve lá dentro em pessoa, Bart?
_ É, Fei... Essa também vai ser minha primeira vez além do mausoléu.
_ Bem, o local é totalmente selado – comentou Margie – Mesmo eu nunca fui muito adiante dentro dele.
_ Então, nem Margie nem eu sabemos muito a respeito dele. E, como Sig e os outros já decolaram, não vamos poder voltar pra nave por um tempo. Por enquanto, vamos simplesmente ter que trabalhar nisso por nós mesmos.
_ Muito bem então – Margie disse, mediante a concordância dos outros – Eu vou na frente e espero por vocês na entrada.
_ Te alcançamos assim que terminarmos nossos preparativos. Pode esperar por nós lá na entrada até então?
_ Tá, Bart. Até mais, então.
_ Beleza... – Bart voltou-se para os amigos depois que Margie se foi – Vamos nos preparar.
_ Mas, pelo que está parecendo – Fei observou – eu não acho que vamos encontrar a dona da loja.
_ Hmm – fez Bart – E por que nós simplesmente não deixamos o dinheiro necessário no balcão, então? Tá, podem não ser bons modos, mas eu tenho certeza de que eles me perdoam...
Feitos os devidos preparativos, os três seguiram o caminho que partia do centro da cidade e rodeava o lago de Nisan, e atrás da catedral encontraram Margie diante do que parecia um inocente depósito; na verdade, a entrada para o mausoléu subterrâneo. A porta já fora destrancada até que chegassem, e os quatro viram-se diante de uma escadaria mal iluminada que conduzia mais e mais para baixo.
_ Eu não fazia idéia de que havia um caminho escondido por baixo da catedral – comentou Fei – Então, o mausoléu é aí dentro?
_ É, geralmente fica fechado – explicou Bart – Se a cidade algum dia estiver em perigo, o povo supostamente deve se refugiar aqui dentro.
Os quatro se entreolharam e então, num gesto de concordância mútua, começaram a descer. Por um lance de escadas eles desceram, e outro, uma pequena pausa e desceram mais. Ao passar por uma porta no entanto, vendo que havia mais degraus para baixo, Fei perguntou:
_ Espera aí! Afinal... até onde isso vai?
_ Aguenta firme – respondeu Bart – Só tem mais um pouco.
‘Mais um pouco’ quisera dizer mais de sete lances de degraus sempre para baixo, sem mais voltas, mas também sem parecer ter fim, até finalmente chegarem a uma porta que os deixou num salão maior. E Bart adiantou-se.
_ Estamos aqui.
_ Então... o que vai acontecer?
Pois Fei não podia ver coisa alguma que parecesse um caminho. O salão onde estavam era amplo, mas não parecia ser mais do que aquilo, e em nada se parecia com um mausoléu, embora tivesse sem dúvida o cheiro de algo muito antigo. E Bart acenou para ele.
_ Ei, dá um tempo, não me apressa!
Por um longo instante os quatro detiveram-se como estavam, e Billy, Fei e Margie voltaram-se para Bart. Seu único olho estava fixo adiante, como se estivesse vendo algo que o fazia ponderar profundamente. Ou se concentrar demais, e subitamente Fei entendeu.
_ Você, por acaso não...?
_ Não se esqueceu do que precisava fazer, não é...? – perguntou Billy, e Bart irritou-se.
_ Ô, dá um tempo e fica quieto!... Já faz um bom tempo, então não me culpem... Praga – ele balançou a cabeça, parecendo sem jeito – Esqueci mesmo.
_ Você quer que eu abra? – Margie perguntou, olhando com ar vazio para Bart. E ele pareceu a um instante de mandar que ela também ficasse quieta, mas talvez a urgência de sua missão ali tivesse despertado nele, porque sua expressão mudou e ele pediu:
_ Tá. Dá um jeito, por favor.
Sem qualquer hesitação, Margie adiantou-se e tocou uma parte da parede à direita, onde um painel cúbico enorme pareceu saltar da parede, e Bart bateu na própria fronte, claramente aliviado.
_ Ah, isso!! Hah! É, isso mesmo, é o que eu achei que era...!
Billy e Fei balançaram as cabeças, cada um se perguntando se tudo ficaria mesmo bem com tal liderança.
Mas Margie obviamente não estava tão confusa quanto o primo. De repente, com um som eletrônico, uma porta imensa de metal abriu-se como uma boca na parede, de certo modo lembrando uma plataforma de desembarque.
Imediatamente, guardas de Shakhan lá de dentro voltaram-se para eles e começaram a atirar, e Bart puxou Margie para um canto da parede para protegê-la da artilharia, enquanto Billy tomou posição à esquerda com Fei.
_ Tsc! – fez Bart – Já chegaram tão longe assim...!
Os disparos dos soldados obrigaram os três a procurarem cobertura, mas Billy também era um pistoleiro, e sacando ambas as pistolas respondeu ao fogo enquanto se jogava para direita e rolava pelo chão.
Fei e Bart aproveitaram-se da artilharia de Billy e se espalharam. Por um instante curto, os soldados também procuraram cobertura contra os disparos e isso bastava para eles. Quando tornaram a se mostrar, Fei saltou sobre eles com seu Hagan.
Outro soldado afastou-se e virou o rifle para Fei, mas Bart os estava alcançando e gritou:
_ Ei, palhaço! Olha pra cá!
A surpresa do soldado durou muito pouco, e ele teve tempo de mudar o alvo, mas Bart já estava próximo o bastante para bater seu chicote e puxar o outro pelas pernas. E enquanto o soldado caía, Bart o esmurrou e mandou para longe.
_ Hah, gostou dessa? Esse é o ‘Choque Rítmico’, idiota.
_ Bart, preste atenção! Tiro Guiado!
Um disparo de Chi de Fei atingiu em cheio um terceiro soldado, que praticamente pulou de costas ao tombar. E Bart agradeceu, meio sem jeito.
_ Ah, valeu aí Fei. Eu, er... não tinha visto aquele.
_ Precisa prestar mais atenção.
Mais tiros espocaram ao redor dos dois, e eles se jogaram ao chão. Ainda não tinha acabado, mais soldados estavam vindo do interior do mausoléu e disparando.
E Billy também estava disparando. Olhou ao redor, procurou por uma posição melhor de tiro e teve uma idéia, atirando para o alto. O mausoléu combinava tecnologia avançada com ornamentos antigos, e algumas das luminárias eram presas com correntes. O disparo de Billy soltou uma delas exatamente sobre os soldados, e ela arrebentou-se sobre eles enquanto se aproximavam.
Fei e Bart se levantaram. A luta tinha acabado, ao que parecia, e o pirata ergueu o polegar para Billy.
_ Valeu; acho que isso resolve. Agora, será que...
_ Guri??
_ É Bartholomew! E Marguerite está com ele, também! Ei, todo mundo! Está tudo bem!
Aos poucos, atraídos pelo som da batalha, os habitantes de Nisan foram surgindo e se aproximando, olhando com espanto para Bart e os companheiros. Apesar do alívio, no entanto, a mente do rapaz estava ocupada com outra coisa.
_ O sepulcro? A mãe da Margie está a salvo?
Margie correu para onde estavam depositadas as antigas Grandes Madres de Nisan, e por um instante não respondeu. Mas então, voltou-se com alívio e suspirou.
_ Está tudo bem! Ela não foi tocada.
_ Uau... Então, tudo bem. Que alívio! Er... – e só então Bart voltou-se com atenção para os aldeões – Então, está... Tá todo mundo bem?
_ Sim, de algum modo...
_ Shakhan... – Bart procurou em volta, como se pudesse ver o inimigo ali – Pra onde ele foi?!
_ Ah, sim, Shakhan? Não, eu não o vi – respondeu a dona da loja de itens – As únicas pessoas que vieram aqui foram aqueles soldados que me ameaçaram pra ficar quieta. Sinto muito, menino. Se ao menos eu tivesse sido mais corajosa...
_ Ele não chegou aqui ainda... Esquisito.
_ E lá...? O que está acontecendo com a cidade agora?!
A princípio, nenhum dos três, nem Marguerite, entenderam do que estavam falando. Foi Bart quem atinou primeiro com a preocupação natural do povo e os tranquilizou.
_ Ah, eu tomei conta da situação lá em cima. Tá tudo bem, já podem voltar!
_ É mesmo? – o assombro do prefeito não parecia ter limites – Bartholomew, você sem dúvida é poderoso! Eu tenho visto você vindo e indo de tempos em tempos e nunca pensei muito nisso. Quem é você, exatamente?
Fei e Billy trocaram olhares, enquanto os demais habitantes de Nisan pareciam olhar para Bart com uma curiosidade nova, como se algo que nunca tivessem percebido de repente viesse à tona. E o próprio Bart parecia encabulado, e mesmo sem saber por que, procurou apoio nos olhos de Margie.
_ Hã, todos vocês, eu preciso da sua atenção! Meu...
Sua prima estava sorrindo para ele. Serenamente, de uma forma que trouxe algum alívio à sua dúvida. Era verdade que parecia outra vez a impulsividade dele tomando conta da decisão correta, e que podia ser precipitado falar naquilo com Shakhan ainda à solta, mas o momento parecia... adequado demais para desperdiçar. Suspirando fundo, sabendo que não teria volta, ele prosseguiu:
_ ... Meus amigos estão atualmente indo para Bledavik. Eles estão numa missão pra tirar Shakhan do seu trono de poder. Há uma necessidade de reconstruir esse país de novo, do zero. E-eu... Eu herdei essa tarefa do nosso falecido rei.
Olhou ao redor. Sim, as palavras estavam tendo efeito. Devagar e sempre, ele prosseguiu:
_ Se tudo sair bem, vamos em breve ser capazes de tornar isso numa realidade. Por favor, acreditem em mim, e me esperem.
_ Você vai derrotar Shakhan?!
_ O... falecido rei...? Então, você é...
Bart baixou seus olhos. E viu que Margie concordou, acenando com a cabeça. Não tinha mais nada a dizer. E a dona da loja de itens tomou a frente, dirigindo-se aos vizinhos.
_ Vocês ouviram, a cidade está bem. Vamos voltar lá pra cima! Juntem todos seus pertences!
O povo de Nisan seguiu em procissão por vários minutos, reunindo suas coisas e saindo pela mesma passagem por onde Bart, Margie, Fei e Billy tinham vindo. Antes de ir, a dona da loja voltou-se para eles e disse:
_ Guri, veja se toma cuidado lá fora! – e sorriu – Eu sei que você vai conseguir. E, quando conseguir... tem que prometer que vai se revelar e anunciar quem você é. Quero ver você de pé no terraço do Castelo Fatima, orgulhosamente!
Bart concordou, acenando a cabeça e sorrindo. E ela se afastou alguns passos, ainda se voltando uma última vez.
_ Você tem que vencer, menino. Tem o meu apoio!
Os quatro ficaram em silêncio, os amigos esperando sem contestar enquanto Bart tentava se entender. Havia pensamentos para organizar, e todos respeitaram isso pelo tempo que foi necessário. Apenas quando o som dos passos do último aldeão desapareceram do corredor, ele disse:
_ Eu não sei o que aconteceu, ou o que me fez dizer as coisas que eu disse. Não é a minha cara dizer esse tipo de coisa...
_ Você podia ter simplesmente dito a eles que você era... o príncipe – Margie replicou, também olhando para adiante.
_ Não – Bart sacudiu a cabeça – Eu não posso fazer isso ainda. Eu preciso cumprir o último pedido do meu pai.
Seguiram por um elevador de vidro no centro do mausoléu, e de lá subiram por um tempo considerável até se verem diante de um corredor longo de metal. Não havia muita iluminação, e o silêncio era perturbador. Fei tomou a dianteira, esforçando-se sem conseguir vislumbrar coisa alguma.
_ ... Está terrivelmente escuro aqui.
_ Ah, provavelmente eles deixaram a força desligada, porque não tem ninguém aqui – Bart comentou casualmente.
_ Nós usamos esse nível inferior como um mausoléu – explicou Margie – então, ele sempre tem o mínimo de energia disponível para uso. Mas, nem mesmo as irmãs têm permissão de vir aqui.
_ Deve ser por isso... – Billy conteve um espirro – que o lugar cheira a mofo...
_ Isso é óbvio – Bart respondeu – Praticamente ninguém chega a vir até aqui. Vamos andando! Temos que chegar ao tesouro antes que Shakhan chegue aqui.
Seguiram adiante, um corredor em forma de ‘U’ e depois rumo a uma porta fechada. Na sala posterior, apesar da iluminação precária, Fei não deixou de notar que havia algo familiar na porta seguinte. O entalhe na porta metálica era dividido para cada uma das partes da porta, sendo a esquerda semelhante a um anjo masculino e o da direita, um anjo feminino. Ambos com uma única asa.
_ Isso é... a mesma estátua de anjo da catedral!
_ Então, essa é a porta que leva ao grande tesouro real – presumiu Bart. E como em resposta ao que dissera, um painel eletrônico ergueu-se do piso entre ele e as portas. Havia um sensor de retina no aparelho, e todos entenderam: ali estava a fechadura da porta.
_ É hora do Jasper de Fatima... fazer sua parte... – Bart comentou, nervosamente – Ah, é, mas um dos meus está fechado...
_ Eu estou aqui.
Bart voltou-se e sorriu para Margie, enquanto a prima veio ficar ao seu lado. Após um instante, dois feixes finos de luz saíram do sensor, o esquerdo no olho direito de Bart, o direito no olho esquerdo de Margie. E, como se cada um dos anjos tivesse auxiliado o outro, as portas se abriram para revelar outro corredor. E Fei murmurou, assombrado:
_ O... Jasper de Fatima.
_ É – Bart acenou a cabeça sem se voltar – Aquele babaca, o Shakhan, confundiu isso com o pingente real.
Ele e Margie se voltaram, e Bart tinha um sorriso que era, ao mesmo tempo, alegre e triste no rosto. Sem dúvida, devia estar pensando em quando ele e Margie eram crianças, e os dois ainda eram prisioneiros de Shakhan.
_ Mas, isso facilitou um bocado pra nós, então eu fiquei com a minha boca fechada.
_ E... o que tem adiante...?
_ À frente e acima, deve estar o núcleo central da fortaleza – explicou Margie – É dito que, se fizermos brilhar aquela luz misteriosa pelos nossos olhos, a fortaleza vai se erguer até a superfície. Dizem que isso foi construído antes do país de Aveh ser fundado. E então, estão prontos para ir?
Os quatro prosseguiram, chegando a uma bifurcação. Tomando o rumo esquerdo, encontraram uma sala ampla de luzes avermelhadas, e todos olharam ao redor, Bart analisando as paredes enquanto avançava.
_ Com certeza, tem um bocado de barras e medidores por aqui.
Estavam no que parecia ser uma ponte de comando de alguma espécie, embora não fizesse muito sentido... a não ser que o que Margie comentara, sobre a fortaleza poder emergir de alguma forma, fosse verdade. E ela voltou-se para Bart com ar curioso.
_ Eu me pergunto qual é mais impressionante? A cabine do piloto na sua nave, ou essa daqui?
_ A minha nave, é lógico...
Mas os dois amigos e Margie viram que ele próprio não parecia tão convencido. Bart dissera aquilo sem convicção, e ainda olhando ao redor. Tanto que, após o primeiro instante, ele cruzou os braços e baixo o rosto, admitindo:
_ Hã, bom... já que são os nossos ancestrais, eu acho que essa aqui é melhor. E você – voltou-se para Margie – vê se pára de fazer perguntas difíceis feito essa. Seja como for, não é cabine do piloto, é ponte. Entendeu?
_ Faz mesmo diferença? – Margie perguntou, rindo do embaraço de Bart, e eles saíram dali.
Para resolverem a questão da iluminação e tornar mais simples a busca pelo tesouro oculto, eles dirigiram-se para o bloco de energia do mausoléu onde, depois de subirem ao segundo andar e encontrarem uma série de corredores circulares, eles acabaram por encontrar mais uma tranca composta de duas estátuas de anjos, onde mais uma vez Bart e Margie fizeram funcionar o Jasper de Fatima. Nenhuma porta abriu-se desta vez, no entanto.
_ Estranho – comentou Billy – As trancas do Jasper se mantiveram desta vez...?
_ Ou abriram uma passagem em outro lugar – comentou Bart – Vamos, tem mais umas portas por aqui que a gente não verificou ainda.
Encontraram o que procuravam numa passagem a sudeste, que os levou a um imenso salão escuro. Durante a investigação do andar tinham estado em várias salas das mesmas proporções e aparentemente sem qualquer outra saída; aquela, no entanto, não tinha o grande pilar central que as outras tinham, e uma passagem estava aberta a norte.
_ Essas portas... são imensas – Fei admirou-se.
_ É... Grandes demais pra seres humanos – Bart concordou, pensativo – Vamos dar uma olhada aí dentro.