(...)
O salão oculto depois da porta
também estava às escuras, mantido apenas por iluminação de emergência. Mas
mesmo à meia-luz era possível divisar o que se encontrava no final do corredor
por onde os quatro entraram; algo semelhante a um trono imenso, com uma figura
humanóide à sua altura para ocupá-lo. Uma figura imensa e vermelha, um Gear,
que possuía uma espécie de dignidade imponente que deixou aos quatro mudos por
um momento.
_ I-isso...! – murmurou Billy.
_ ... Meio que parece um bocado
com o Gear do Bart – comentou Fei, numa atitude pensativa que lembrava muito o
olhar crítico de Citan. E Bart, como se despertasse, concordou:
_ Hã? Ah, é... Agora que você
mencionou... Bom – deu de ombros – Se traçar a história do meu Brigandier, era
um Gear feito originalmente em Aveh, que eu personalizei. Não ficaria surpreso
se houvesse alguma conexão.
Os quatro permaneceram olhando
para o imenso Gear em seu trono. Mesmo desativado por tanto tempo, ele mantinha
uma espécie de atmosfera de poder à sua volta. Era de se entender, agora, por
que havia sido dito que o tesouro não deveria ser utilizado a menos que uma grande
necessidade se erguesse. Talvez Bart, em sua admiração, tenha se apercebido de
repente de que não estavam ali apenas para olhar para ele, porque foi o
primeiro a se recuperar da surpresa.
_ É, então... Parece que não tem
energia nenhuma nessa área, exceto a das luzes de emergência.
_ Esse Gear também... – Fei
concordou – Sem energia nas luzes. A unidade de impulso foi selada.
_ Hmm – fez Bart – Os painéis de
controle lá embaixo não fizeram muita coisa... Quer dizer que provavelmente tem
alguma coisa por aqui.
Espalharam-se para procurar um
meio de ativação do Gear na plataforma onde ele estava, e foi Bart quem
encontrou algo entre as pernas dele.
_ Hein...? Pessoal, tem alguma
coisa escrita aqui. Alguém aí tem uma luz? – Fei passou-lhe uma lanterna e Bart
estreitou o único olho para ler – Peraí... Tá escrito em Fatima antigo... É dos
meus ancestrais.
_ O que diz? – perguntou Margie,
e Bart traduziu:
Paz a todos aqueles que vierem aqui. Temendo grande
calamidade, nós selamos este legado, confiando seu destino a vocês.
Como se esperasse apenas por
aquilo, toda a área de repente pareceu ganhar vida. O salão do trono do
Omnigear iluminou-se, deixando a imensa figura visível. Era realmente parecido
com o Brigandier, mas não tinha tampão sobre qualquer dos visores e possuía uma
crista amarela sobre seu capacete.
A energia ativou-se em toda a
instalação; dos salões inferiores dos elevadores à ponte de comando que tinham
encontrado anteriormente, a iluminação parca de emergência cedeu lugar a um
sistema plenamente ativo que parecia nunca ter sido desligado. Na plataforma
diante do imenso Gear de seus ancestrais, Bart esfregou as mãos com entusiasmo.
_ Beleza, isso deve resolver!
_ Agora – Margie perguntou,
olhando para o primo – como é que eu levo isso pra fora?
_ É.
_ Vocês disseram que ele
apareceria na superfície se lesse os olhos – lembrou Billy – Acham que podem
mover esse prédio inteiro?
Bart e Margie se entreolharam.
Bem, o mausoléu tinha uma ponte de comando, afinal. Valia a pena tentar.
_ Tá, vamos voltar lá pra baixo e
fazer um teste.
Mas enquanto os outros desceram,
Bart deteve-se ainda um instante diante do Omnigear de seus ancestrais e
comentou em voz baixa, como se houvesse mais alguém ali:
_ Pai... Parece que vamos ter que
fazer isso se mexer. Desculpa, mas eu vou pegar ele emprestado.
O Omnigear vermelho continuou
inerte, e Bart quase se decepcionou com isso. De algum lugar, talvez ele
esperasse por uma resposta.
Voltaram todos à ponte de comando
no andar inferior, agora ativa com energia, e Bart animou-se ao olhar para os
instrumentos.
_ Legal! Vamos ver como meus
ancestrais trabalhavam, então... – tomou lugar numa poltrona – Isso parece pra
caramba com o painel da Yggdrasil... Se eu fizer isso...
Abaixo, sob o nível onde os
elevadores estavam instalados, um imenso mecanismo voltou à vida, um anel
propulsor que despertou girando depressa e colocou toda a estrutura em que
estavam em vibração, e deixou Bart ainda mais animado.
_ Beleza! Eu sei que consigo fazer
isso! Segura aí, gente!
Subitamente, lá em cima, toda uma
planície entre as montanhas estremeceu e um imenso disco platinado começou a
erguer-se aos céus. O ‘mausoléu’ de Nisan era na verdade uma imensa estação de
batalha dos tempos antigos, onde os primeiros reis da dinastia planejavam
ocultar seus súditos em uma situação extrema; como nunca mais fora utilizado de
forma ativa, nem mesmo os registros mais antigos da cidade poderiam dar
qualquer pista sobre seu verdadeiro formato e propósito. E Bart, na poltrona de
comando, exultou:
_ Nós emergimos! Em seguida,
abrir o domo celeste.
Um som estranho de zumbido se fez
ouvir quando Bart ativou o painel para abrir o domo superior da fortaleza, e o
pirata olhou para a esquerda do amplo painel e depois à direita.
_ ... Hã? O quê?
_ Bart, o que foi? – perguntou
Fei, e Bart continuou a olhar para os comandos sob suas mãos.
_ Hein...? Não, já tá se movendo.
_ Provavelmente, por causa da sua
pilotagem habilidosa – comentou Billy com ironia, mas Bart o ignorou desta vez,
tão perplexo estava.
_ Não... Não é por isso.
Uma abertura circular abriu-se na
proa da fortaleza móvel e uma reação de energia intensa mobilizou-se ali, um
canhão antigo de plasma. E, mediante o olhar surpreso de todos, Bart murmurou
baixinho:
_ Sem dúvida... é alguma coisa
que eu ativei por acidente...
Um disparo de energia maciça
brotou da fortaleza, carbonizando completamente a área diante de si e,
felizmente, tomando o rumo do oceano e sem atingir nada. Os demais fizeram
silêncio, imaginando o quanto Bart devia estar envergonhado com mais aquela
mancada. Ao invés disso, o líder dos piratas de repente socou o ar, empolgado:
_ Maneiro!! É isso aí!!
_ Ah, sério...? – os três
retrucaram, olhando para ele com ar vazio.
_ Quê? Do que vocês tão falando?
_ Pára de brincar! – Fei
bronqueou – Afinal, o que raios você acabou de disparar?
_ Ah... – Bart olhou ao redor –
Bom, eu não diria que foi um sucesso completo... mas vai servir por enquanto.
_ Aquilo era um canhão de
ondas... – murmurou Billy, mas Bart não parecia ter levado isso a sério.
_ Nah, não esquenta! Me diz aí,
alguma vez já me viu meter os pés pelas mãos, hein? Fala aí, já viu?
Uma resposta não era necessária,
principalmente para quem olhava para Fei, que já tivera duas experiências com Bart
e suas armas. Mas Bart, como sempre, estava empolgado demais para dar conta.
_ Então, que tal... Senhoras e
senhores, contemplem!
E ativou o monitor principal da
fortaleza, que imediatamente mostrou o oceano. Azul sobre azul, com um vulto
imenso e escuro mal definido na imagem. E Bart, curioso, pareceu reconhecer
aquilo.
_ Ei, aquilo ali por acaso não é
a Torre de Babel... Bem pra lá?
Voltou-se na poltrona para os
colegas, com um sorriso que parecia um quarto de lua.
_ E aí? Não é ma-nei-rís-si-mo?!
Essa gracinha flutua por causa do Jasper de Fatima... Vou chamar ela de Forte
Jasper, e vocês vão poder ver ela de longe! Tenho certeza que aquele último
disparo de canhão podia alcançar qualquer lugar! Então... Acho que eu queria
mostrar pra todos vocês toda a grandiosidade dela. Já viram um canhão desses
antes? E sem essa de comparar com aquele arminha de feijão do Vanderkaum; esse
aqui é muitas vezes mais poderoso e muitas vezes mais refinado...
Todos continuavam olhando com ar
vazio; naquela empolgação, Bart parecia um vendedor com seu novo lançamento, ou
pior ainda, uma criança com um brinquedo novo. Ele não parava mais de falar.
_ Afinal, é por isso que meus
ancestrais usaram ele por gerações pra proteger o tesouro. É, esse aqui é pra
valer mesmo. E não se esqueçam disso. Agora, como eu estava dizendo, eu nunca
meti os pés pelas mãos antes.
E olhou ao redor, sorrindo
largamente e quase parecendo tentá-los a dizer o contrário. Esfregando as mãos
uma na outra novamente, ele concluiu.
_ Então, vamos pegar esse tesouro
e ir pra casa! Mas primeiro, temos que abrir aquela porta do domo! Mas... não
acho que o botão deste painel de controle vai servir. Pra lá!
O silêncio dos três enquanto Bart
disfarçadamente se mudava de poltrona dizia mais do que palavras. Ele já tinha
demonstrado bem claramente que aquele não era o botão certo, e Fei comentou em
voz neutra:
_ Você não acabou de dizer que
tinha apertado o botão errado?
_ Ah, eles são todos parecidos.
Bom, que seja, vamos começar a apertar uns botões.
_ Ô, espera um pouco! Isso é
seguro?!
Desta vez, no entanto, o domo
sobre o Forte Jasper abriu-se ao comando de Bart, que se voltou para os amigos
com ar satisfeito.
_ Beleza. Agora, vamos nos
apressar e levar o tesouro pra fora.
_ Bom trabalho, Príncipe
Bartholomew – uma voz familiar se fez ouvir de repente, chamando a atenção de
todos – Obrigado por liberar o selo.
_ Essa voz... Shakhan!
A voz de Shakhan veio pelo
sistema de comunicações de repente, enquanto vários Gears entraram pelo domo recém-aberto
do Forte Jasper, cada um tomando posição. Vários Gears Etones, alguns soldados
menores e um imenso Gear esférico com uma base flutuante, que lembrava
vagamente o Alkanshel de Stone. E Bart praguejou ao ver a invasão.
_ Miserável! Foi tudo uma
armação, então?
_ É claro – respondeu Shakhan –
Você não acreditava de fato que a porta se abriria para qualquer pessoa? Eu
simplesmente deixei a informação vazar e aguardei com calma pela sua chegada.
_ Saco... Então foi por isso que
eu não percebi o seu fedor até agora!
_ Conhecendo sua natureza
impulsiva, eu sabia que você viria. Mas nunca pensei que você iria longe a
ponto de romper o selo para mim.
_ Filho de uma... – Bart esmurrou
o painel de frustração – Me fazendo de otário!
_ Meus soldados já garantiram
esta área – Shakhan concluiu entre dentes – Se não gosta disso, venha até aqui
e leve o seu! Hah hah hah!
_ Demorou, seu velho careca! –
Bart levantou-se da poltrona, correndo para fora – Aguenta aí, que eu já tô
chegando! Billy, Fei, vamos lá!
_ Eu vou também!
Outra vez Bart teve que conter o
impulso de mandar Margie ficar para trás. Não havia muita segurança em lugar
algum até que pusessem Shakhan e seus homens para fora, e a última coisa que
ele havia de querer era que Margie fosse capturada novamente.
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