sábado, 24 de setembro de 2016

Capítulo Quarenta e Nove

Capítulo 49 – Veículo da Alma



<Fei>

Embora o impacto inicial de ser libertos do selo – Limitador – tenha causado algum caos momentâneo, tudo lentamente começou a se acalmar. Nós então começamos a procurar pelas ‘Relíquias Anima’... o catalisador para transformar Gears em Omnigears.

No passado, dez Relíquias tinham sido recuperadas... É dito que cerca de metade delas está nas mãos do Ministério.

De acordo com Zephyr, devia haver muito mais Relíquias escondidas ao longo do mundo.
Nós sabíamos que Solaris muito certamente estaria em busca delas. Não havia como podermos permitir que Solaris as tivesse.

Nós visitamos o local onde, usando registros arcaicos, Zephyr e seu povo tinham sido capazes de conseguir pistas sobre o paradeiro das Relíquias.

Seguindo a informação que obtivemos de lá, partimos rumo às ruínas do que parecia ser uma civilização antiga.

Parecia difícil acreditar que aquilo era tão antigo, pensou Fei. Uma instalação subterrânea tão imensa que fazia os Gears parecerem minúsculos, totalmente construída em metal! Mesmo já tendo estado em Solaris antes, ele achava aquilo difícil de ser real.
_ Daqui por diante, devemos seguir a pé – Billy avisou, tendo encontrado a passagem – Os sensores de Renmazuo mostram que a passagem é por aqui.
_ Antigo... – Emeralda deteve Crescens junto à passagem e olhou ao redor antes de descer – Lugar fechado há muito, muito tempo...
_ É impressionante – Fei desceu e Billy, Emeralda e Elly seguiram – O ‘Ethos’ alguma vez catalogou algo parecido com isso, Billy?
_ Não que tivesse chegado ao meu conhecimento, Fei – Billy meneou a cabeça – Mas uma vez que os maiores segredos eram enviados para Solaris, e que o Ministério conseguiu metade das Relíquias já descobertas, eu diria que tudo é possível.
_ Não sei – Elly olhou ao redor enquanto entravam nas repartições menores – Isso não se parece com qualquer equipamento utilizado em Solaris, mesmo na Gebler. Mas, é melhor nos apressarmos.
_ Verdade – Fei concordou – Pode ser uma questão de tempo até que alguém a serviço de Krelian ou do Ministério apareça por aqui. Vamos.
Passando por portas lacradas, sistemas de computadores que não funcionavam por causa de fusíveis danificados e monstros à espreita, o quarteto chegou a um grande salão onde havia um elevador central, conduzindo a um nível inferior. E lá embaixo, Elly encontrou um banco de dados com as informações de que precisavam.
_ Vejam, esse é o ‘Sistema de Liberação’. A Relíquia Anima está mantida num subnível abaixo de nós, mas... – mostrou outros dois computadores – há um código para o acesso a ela. Quatro números devem ser inseridos naqueles terminais, neste aqui e no último, do lado oposto ao elevador. Inseridos corretamente, eles liberam a passagem.
_ Alguma maneira de descobrir o código daqui? – perguntou Fei.
_ É uma seqüência de algarismos unitários – Elly respondeu, analisando o monitor – Sendo ‘zero’ nulo, os demais são colocados num eixo vertical e um horizontal, e a soma dos algarismos tem que ser igual nos dois eixos. Só assim vamos ter acesso ao nível onde a Relíquia está.
_ ... Parece complicado – murmurou Fei.
_ Nem tanto assim – Billy retrucou, olhando para o monitor que Elly mostrava – Veja, é uma questão de medir os resultados. Levando em conta que o resultado da soma até agora é esse, e com os números que restam... Espere, acho que é isso...
Billy inseriu em cada um dos computadores um dos quatro algarismos que faltavam, e um sinal sonoro seguiu-se, acompanhado com uma mensagem no monitor:

‘Relíquia Anima Liberada’

_ Isso foi ótimo! – Fei cumprimentou – Pensou rápido, Billy!
_Ah, bem – Billy pareceu sem jeito – Isso parecia... com alguns códigos de segurança que as crianças no orfanato inventaram para o meu Gear, tempos atrás. Não foi nada de mais.
O elevador central destacou-se, revelando uma seção ainda mais abaixo onde apenas a plataforma podia chegar. Fei, Elly, Billy e Emeralda se viram na base do fosso metálico onde portas móveis escondiam um acesso a câmaras mais profundas, essas por sua vez lacradas por portas de tranca quádrupla, que saltaram ao serem destravadas.
No interior de um cilindro translúcido estava a Relíquia Anima, algo muito diferente do que Fei teria esperado. Ao invés de um Gear evoluído como o Andvari de Bart, havia uma placa retangular dourada com o que parecia o emblema de um grande olho no topo, girando devagar dentro de dois imensos diamantes de luz dourada, cada um girando em sentido oposto ao outro. Elly foi até o painel de liberação à beira da plataforma e deteve-se, admirada.
_ Isso é...
_ ... a Relíquia Anima – murmurou Billy.
Elly verificou os programas de liberação e então os ativou, e a plataforma encheu-se de luz enquanto as últimas travas se soltavam. Todos então se voltaram para Billy, que caminhou até a beirada da plataforma e parecia estar falando sozinho.
_ Quem é? Quem está me chamando? Não... Não, eu não sei.
Não havia ninguém mais ali, e a atenção de Billy prendeu-se à placa dourada que girava diante deles.
_ O que eu deveria fazer...? Você estava esperando? Por mim...?
_ Billy?
Os diamantes de luz giravam mais e mais depressa ao redor da placa e o brilho intensificou-se, até que num último faiscar tudo desapareceu. Mas Billy voltou-se para os amigos, e os quatro puderam perceber pelas expressões uns dos outros que tinham visto uma figura humanóide alta desaparecer.
_ Vocês viram aquilo? – perguntou Billy – Parecia com o... o meu Gear?
_ Talvez alguma coisa tenha acontecido ao seu Gear – Fei concordou – Vamos voltar para a saída e ver se alguma mudança teve lugar.
Sem mais, os quatro fizeram todo o caminho de volta até a ala do primeiro andar onde os Gears haviam ficado, até serem interrompidos num dos corredores por ninguém menos que Dominia, Kelvena, Tolone e Seraphita. As Quatro Elementos.
_ Vocês, meninas, de novo?! – Fei se colocou em guarda.
_ Vejo que vocês conseguiram um novo Gear que foi alinhado com uma Relíquia Anima – Dominia comentou, a princípio sem dar atenção a Fei.
_ Vocês sabem que deveríamos ter sido nós as pessoas a obtê-lo – Kelvena disse – Nós precisamos de poderes mais fortes para que o Comandante Ramsus realize seus tão ansiados desejos.
_ Sim – Tolone concordou – Para a construção do nosso país ideal, não podemos permitir que vocês o levem.
_ Então, vai – Seraphita balbuciou atrás das colegas – Deixa a gente ficar com ele!
_ Vocês sabiam o que Solaris estava fazendo aos habitantes da superfície – Fei meneou a cabeça – e sabem qual é a situação agora na terra... e ainda assim, vocês...
_ O que os Gazel fazem ou o que quer que aconteça aos Cordeiros, não é problema meu – reiterou Dominia – Cada um de nós tem suas próprias obrigações a cumprir. Não temos tempo para lidar com questões que digam respeito ao seu povo fraco e inferior.
_ Dominia... Você acredita mesmo nisso? – perguntou Elly.
_ Sim. Olhem pra vocês mesmos, por exemplo. Vocês, os fortes e superiores, foram os primeiros a se preservarem, sem qualquer mutação. Não é isso?
_ Poder e habilidade não têm nada a ver com isso – retrucou Fei – Foi pura coincidência que nós não mudássemos.
_ Pessoas são pessoas – Billy concordou – Nada mais ou menos. Eu admito que haja os fracos e sem poder, mas isso não é razão para que nós os abandonemos. Todos nós somos seres humanos!
_ Então... vocês desejam dar uma mão de auxílio a aqueles que seriam salvos? – Dominia perguntou, e Seraphita pulou como uma garotinha atrás das colegas.
_ Aaaaah! Vocês são tão legaaaais e bonziiiiiinhos!!
_ Quão admirável – Kelvena acenou com a cabeça – Mas... isso é mesmo o melhor para a humanidade?
_ Um dia, todas vocês foram habitantes da superfície – Elly lembrou – Não foram todas forçadas a viver sob a opressão de Solaris? Eu sei que vocês sabem como é ser um ‘não-tenho’, então por quê vocês...?
_ As pessoas devem ser capazes de erguerem-se por si mesmas em quaisquer circunstâncias em que se encontrem – Kelvena disse – Superproteção apenas embota a vontade de ser independente. Isso embota o crescimento das pessoas e do mundo. Nós experimentamos isso em primeira mão. Viver com a própria força, erguer-se sobre os próprios pés! É triste, mas também verdade, que os fracos serão arrebatados... mas não podemos olhar para trás. Essa é a providência da existência humana.
_ É apenas a providência daqueles que são os ‘tenho’! – Elly se colocou em guarda também, e Dominia soltou sua espada.
_ Hmph. Então, que assim seja. Me mostrem essa sua providência, que deseja salvar os ‘não-tenho’ indignos! Aqui vou eu!
Cada um dos quatro foi desafiado por uma das Elementos; Emeralda atacou Tolone, Elly ficou com Seraphita, Billy com Kelvena e Fei contra Dominia.
A reserva de Billy quanto a lutar com mulheres não se aplicaria, uma vez que já lutara com as Elementos. Mesmo assim, ele estava reagindo mais lentamente do que o necessário para atingir Kelvena, que parecia flutuar para fora do seu alcance.
_ O que houve? Acreditei que você seria meu adversário.
Kelvena era especialista em técnicas de ether da água, e agitou os braços na direção de Billy para formar duas estalagmites de ‘Aqua Gélida’ mais poderosas do que as de Elly.
Billy atirou-se para esquerda, atirando com as duas pistolas de pólvora enquanto rolava para o lado, mas perdendo Kelvena por pouco. Recuando enquanto flutuava no ar, ela agitou os braços na direção dele e chamou:
_ Névoa de Água.
Billy tentou se afastar enquanto sacava as pistolas de ether em suas mangas, mas foi colhido em cheio pelo feitiço de água e gelo e jogado para trás.
Pouco mais adiante, Tolone enfrentava Emeralda, e toda a contrariedade por ter que enfrentar uma criança (‘Devia ter ficado pra a Seraphita!’, pensou) acabou-se nos primeiros segundos de duelo. O corpo de Emeralda, formado por nanomáquinas, se moldava e alterava o tempo todo para combater a adversária, sendo mais do que rival para os implantes ciborgues de Tolone. Apontando seu braço direito para a menininha, Tolone disparou:
_ Raio Positrônico!
_ Cortador!
O disparo conseguiu atingir Emeralda, mas ela saltou na parede atrás de si ao invés de se chocar contra ela, e girando na forma de uma serra circular lançou-se de volta contra Tolone. Em cheio no peito ela atingiu a Elemento e a atirou para trás, e as duas caíram ao chão.
_ P-parece que... Eu não estava te levando a sério – Tolone sorriu, apertando o ferimento – Você é... aquela máquina que nós pegamos nas ruínas, não é?
Emeralda se colocou de pé, o ferimento do disparo se fechando depressa em seu peito enquanto as nanomáquinas trabalhavam. E ela não disse coisa alguma.
_ Nada pra dizer? Ótimo – Tolone se colocou em guarda, pronta para atacar – Menos conversa, mais ação. Eu prefiro assim.
Pouco mais afastadas, Elly e Seraphita combatiam. Na verdade, o que se via era Elly tentando atingir a outra sem qualquer sucesso, enquanto Seraphita parecia mais estar tropeçando ou se encolhendo de medo do que lutando de verdade.
_ Aaaaaaii, cuidado! Vai acabar me machucando assim!
Mas Elly não se deixou distrair; mesmo aquela atitude era parte da técnica de Seraphita, o que se confirmou em seu próximo ataque, o bastão de Elly passando sobre a cabeça de Seraphita, que se abaixou e levantou-se depressa, atingindo-a no rosto com uma cabeçada e derrubando-a de costas.
_ Poxa vida, desculpa – Seraphita juntou as mãos, sacudindo a cabeça novamente – Mas eu preciso levar aquilo pro Comandante, você entende né? Então, é melhor acabar logo com isso e te pegar de uma vez, tá bom?
Anéis escarlates de fogo formaram-se ao redor de Elly e fecharam-se sobre ela, enquanto fogo explodiu de quatro pontos diferentes ao redor dela e o calor aumentou de forma intolerável.
Adiante, Fei e Dominia trocavam golpes. A espada dava a ela maior alcance, mas Fei era capaz de aparar a maioria das estocadas e cortes detendo o punho de Dominia, ou simplesmente se esquivava para contra-atacar depois.
_ Você é bom – Dominia concedeu, cortando para o lado e recuando para ganhar espaço – Mas não sairemos daqui sem aquele Omnigear.
_ Com a força que têm – Fei acenou com a cabeça, mantendo-se em guarda – vocês já devem ser capazes de lutar muito bem. Não precisam disso.
_ Pelo Comandante – o olhar de Dominia escureceu – Para que ele consiga o que mais deseja... É por isso que nós lutamos! Vamos garantir que o Comandante crie a nação ideal que buscamos! E se for preciso, vamos tirar vocês do caminho no processo! Espada da Sombra!
_ Koho!
Fei e Dominia se atacaram ao mesmo tempo, mas o golpe de Fei repentinamente se perdeu quando sua adversária desapareceu no ar diante dele.
_ O que...
Sentindo a presença dela, Fei voltou-se uma fração de segundo tarde demais para evitar que Dominia o atingisse pelas costas, e então o talhasse pela frente, por cima, por baixo e em mais uma seqüência de golpes que mataria a qualquer ser humano.
E então Fei, curvado sobre si mesmo, percebeu que continuava intacto. Não havia ferimentos novos nele... mas sentia com clareza a dor de cada um dos golpes que sofrera. Diante dele estava Dominia, sorrindo ao ver a dor em seu rosto.
_ A técnica da ‘Espada da Sombra’ não causa ferimentos físicos, e sim ao espírito. Você sente como se tivesse sido realmente atingido, mas não há dano feito ao corpo. Ao menos... ainda não. Espada Elemental!
Erguendo a arma, Dominia fez com que a energia verde dos ventos se reunisse na lâmina, e Fei entendeu o que ela pretendia.
_ Pode imaginar o dano causado com as duas técnicas juntas? Acredito que poderei causar ferimentos físicos sérios desta vez... a menos que se renda.
_ Sabe muito bem... que não posso fazer isso – Fei ofegou, a mão direita apertando o peito. E o olhar de Dominia endureceu.
_ Por mim está ótimo... Elimino um obstáculo e o maior rival do Comandante ao mesmo tempo. Espada da Sombra!
_ Grande erro...

sábado, 17 de setembro de 2016

Capítulo Quarenta e Oito Ponto Dois

(...)

Ao fim da luta, a Massa Sulfal estava no chão, se contorcendo de dores que, Elly sabia, não eram apenas dos ferimentos que tinham causado. Era a mesma dor que tinha feito a criatura escapar das contenções e até mesmo devorar os Wels mais próximos; uma dor que só terminaria de uma maneira.
_ Citan... Por favor, me empreste a sua espada.
Apesar de não compreender a intenção da moça, Citan viu em seus olhos que era algo muito importante e não fez perguntas, entregando-lhe a lâmina.
A Massa Sulfal voltou seus olhos azuis sem pupilas para a moça que se aproximava. Sem uma palavra, Elly ergueu a katana de Citan até a altura do rosto e estendeu sua mão, fechou seus olhos e então os contraiu por um instante, contendo o gemido de dor, enquanto seu sangue começou a correr pela lâmina e gotejar pelo punho.
Elly então agachou-se ao lado da criatura, estendendo a mão ferida de maneira que o sangue que pingava caísse na boca do monstro. E o rosto da Massa Sulfal pareceu suavizar-se, sorrindo serenamente antes de fechar seus olhos em definitivo.
_ Sinto muito... Acho que não pude ajudá-lo, afinal. Tudo o que posso fazer por você agora é amenizar suas feridas. Eu lamento tanto...
_ Elly... Você...
Os demais Wels e semi-Wels estavam agitados, murmurando, rosnando e gesticulando uns para os outros, quando Elly foi até diante deles e falou em voz alta:
_ Por favor! Me ouçam! Parem de lutar entre si mesmos. Somos todos humanos!
A comoção e as brigas menores diminuíram sensivelmente, a maioria deles parando e se voltando para a moça, que prosseguiu em voz baixa:
_ Esta instalação foi construída pelo Ministério de Solaris... Foi criada para implementar o plano ‘sem desperdício’ deles. Tais instalações deviam converter humanos mutados em armas para servir como ferramentas para as ambições deles. Apenas uma parte do seu plano total de purificação racial.
E Elly sentia como se houvesse outra Elhaym falando, uma pessoa que talvez os Wels e pessoas semitransformadas pudessem ter ouvido em outros tempos. Uma pessoa como ela, de olhar gentil e voz baixa, vestida como uma santa e falando:
_ Naturalmente, uma vez que entrem sob o guarda-chuva protetor deles, vocês podem evitar a morte absoluta. Mas isso é a vida humana? Mesmo que você seja o único restante, se estiver desprovido de um coração, de que adiantou?
E também os Wels podiam perceber; era como se houvesse uma outra pessoa ao lado de Elly, dizendo as palavras ao mesmo tempo que ela. As palavras estavam sendo ditas naquele momento, mas podiam muito bem ter sido ditas em tempos idos, durante a última tentativa de Solaris de usar os seres humanos daquela forma. A moça de cabelos vermelhos... Assim como aquela outra, de cabelos castanho-claros, falava diretamente a seus corações, e todos tinham cessado de lutar.
_ Todos vocês, querem ser amados... Querem alguém que precise de vocês, então nós olhamos para os outros... Por nós mesmos, somos solitários, então tentamos nos aproximar para viver... É isso o que significa ser humano... É assim que as pessoas vivem. Uma única mão não bate palmas.
“Para aliviar sua dor, eu darei tanto da minha carne quanto precisarem – e ela era Sophia novamente, apelando a eles – Assim sendo... não joguem fora sua dignidade como humanos... Não abandonem seu coração humano”
Desgastada da luta e do sangue que já dera, tanto física quanto psicologicamente, Elly sentiu sua visão turvar-se e cambaleou. Antes que caísse ao chão, no entanto, Fei saltara até onde ela estava e a amparou.
_ Elly...! Você está bem? O que está fazendo?
_ Você acha que estou fazendo uma coisa... idiota? – ela perguntou, de olhos baixos.
_ Não...
_ Eu só fiz o que podia fazer – ela não ergueu seus olhos – Talvez eu seja uma hipócrita. Uma perfeita ‘tenho’. Talvez seja somente pena dos ‘não-tenho’... Mas se eu puder conhecer a alegria de dar um pouco da vida dentro de mim... Então, talvez algum dia, possa ser bem possível que um humano possa realmente dar amor ao outro. As pessoas podem fazer isso... Eu acredito verdadeiramente que podem. É por isso que...
Mas ela não conseguia mais falar. Aproximando-se mais, Fei a abraçou e recostou a cabeça de Elly em seus ombros.
_ Elly...


<Fei>

Depois daquilo, nós fomos de lugar a lugar, destruindo todas as instalações do Sistema Soylent localizadas na superfície da terra, e libertamos as pessoas mantidas em cada um dos locais.

Todas as pessoas que tinham sido mutadas foram recolhidas por Nisan, onde elas recebiam tratamento.

Aqueles que tinham mutado apenas superficialmente foram tratados com as nanomáquinas de Taura, que os reconstruíram e os reviveram.

Eles foram capazes de voltar aos seus corpos normais.

Infelizmente, havia alguns que tinham sintomas tão acelerados que seu tratamento não era tão promissor... Tentar trazê-los de volta a uma forma que se assemelhasse a um humano era o melhor que podia ser feito.

No entanto, misteriosamente, eles não lutavam mais uns com os outros pela sobrevivência como faziam quando eram mantidos pelo Sistema Soylent.

Naturalmente, a recuperação deles da dor física da mutação pode ter desempenhado um fator, mas não era apenas isso...
A maioria das pessoas recebidas por Nisan eram aqueles que tinham sido repreendidos por Elly e tinham recuperado sua humanidade.

Entre seu trabalho de destruir as instalações do Sistema Soylent, Elly também fazia visitas e cuidava das pessoas em Nisan.
Ela auxiliava os corpos dos mutados e ouvia àqueles que não tinham outro lugar onde pedir ajuda... Ela era a própria imagem da mulher que tinha criado Nisan...

‘Madre Sophia’...

Espalhou-se um rumor de que Elly era uma reencarnação, ou um segundo advento, de Sophia.

‘Vá para Nisan e você receberá a salvação’...

As notícias pareceram se espalhar ainda mais, e pessoas vinham de toda a parte para serem salvos, tanto física quanto espiritualmente.

Livres da supervisão de Solaris, os habitantes da superfície começaram a se unir em um lugar.


Um painel estava ativo diante do SOL-9000, e o Ministério Gazel analisava os dados com atenção. Os eventos não eram inesperados, mas estavam se desenvolvendo de uma forma curiosa.
_ O germinar daqueles destinados a ser o corpo do servo de deus.
_ Como antes, os humanos estão se reunindo em Nisan. Neste ritmo...
_ Nada a temer... Isso na verdade pode ser útil para nós.
_ A hora se aproxima... Não deveríamos nos preparar para aqueles que devem se tornar o corpo físico de deus, e aqueles que despertarão deus?
_ O momento chegou para ativar a ‘Chave Gaetia’...
Abaixo do globo computadorizado que era o SOL-9000, o piso metálico abriu-se sensivelmente na forma de uma fechadura... mas antes que a chave fosse ativada, um poderoso sinal de interferência fez com que todo o computador faiscasse e oscilasse. Sua órbita era mantida intocada, mas era óbvio pelas expressões dos ministros que sentiam dor.
_ O q-quê?!
_ Cain?!
O painel onde antes os Gazel analisavam seus dados agora era uma tela transmissora onde a cadavérica figura do Imperador Cain se mostrava, sua figura parecendo severa enquanto o sinal de interferência emanava dele.
_ O que mais vocês pretendem fazer? Eu não posso permitir que usem a ‘Chave’!
_ Cain! O que está fazendo?!
_ Sem a ressurreição de deus, nosso propósito não pode ser cumprido!
_ Ou... está planejando perecer com deus, Cain...? – era a primeira vez em muito tempo que qualquer um dos Gazel parecia demonstrar medo – Sem cumprir com nosso propósito...
_ Seu propósito...? Vocês foram destinados a isso desde o seu nascimento – retrucou Cain – Por que não perceberam que ele não se ergue pelo próprio arbítrio de vocês?
_ Eu já ouvi o bastante.
_ Sim. Isso é da nossa própria vontade...
_ Se ainda insiste em se opor a nós...
O sinal de interferência intensificou-se a níveis absurdos, e pareceu que todo o sistema do SOL-9000 desabaria, marcado pelos gemidos de todo o Ministério. E Cain pareceu ainda mais ameaçador.
_ Já se esqueceram? Vocês são meus subordinados! Posso destruir vocês se assim eu desejar.
_ Naaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahh...
_ Nós já fizemos a nossa parte – Cain continuou – É a hora de passar o leme à próxima geração. As pessoas não perecerão...



PRONTO PRA LUTAR,

sábado, 10 de setembro de 2016

Capítulo Quarenta e Oito Ponto Um

(...)

A imensa estrutura rosada ergueu-se, e tal era a potência de seus motores que toda a capital de Kislev pareceu estremecer enquanto ela flutuava e alterava seu curso, assumindo o rumo de Nisan.
Na ponte de comando da Arma Móvel de Solaris, seu comandante contemplava a visão trazida pelos monitores. Semelhante a uma esfera viajando entre inúmeras hastes metálicas, como um gigantesco cristal de neve, a Arma estava para os outros Gears como um cruzador da areia estaria para barcos de brinquedo; nem mesmo centenas deles tinham estatura ou poder para fazer frente a ela.
_ Quanto mais até Nisan? – o comandante perguntou.
_ Menos de vinte minutos, senhor – o navegador respondeu.
_ Muito bom. Preparar sistemas bélicos! Todas as estações, postos de batalha! Vamos passar depressa por aqui, e regressar. Já perdemos tempo demais com os Cordeiros por hoje.
Não tinham conseguido encontrar o Comandante Ramsus em parte alguma para liderar aquela ofensiva, mas não fazia qualquer diferença. Na verdade, a continuar como ia, talvez a Gebler tivesse muito em breve um novo líder... E um bom desempenho, mesmo numa missão simples como aquela, poderia fazer a diferença...!
_ Senhor, estamos captando um objeto imenso se aproximando da direção de Kislev! – o oficial do radar exclamou, interrompendo a linha de pensamento do comandante e trazendo-o de volta para a realidade – Está em curso de interceptação conosco; deve nos alcançar em menos de dois minutos!
_ Temos contato visual?
_ S-sim, senhor. Colocando na tela.
A tela do monitor principal da Arma Móvel iluminou-se para revelar uma estrutura que poderia muito bem ser uma gigantesca embarcação naval, não fosse o fato de estar flutuando a curta distância do solo. O comandante acabara de identificar algo semelhante ao Cruzador da Areia dos piratas de Aveh instalado na proa da embarcação quando esta começou a se desdobrar por inteiro.
Flutuando sobre o solo e diante da Arma Móvel de Supremacia de Superfície solariana, a nave de batalha destacou sua popa, que se desdobrou novamente, formando imensas pernas. A seção central e a proa destacaram-se e esticaram-se mais, formando braços, enquanto a ponte de comando da Yggdrasil libertou-se do corpo principal e todo o Cruzador de Areia deslizou para trás, formando o que parecia um imenso rifle escuro às costas do maior Gear que Ignas jamais vira. E enquanto a ponte de comando da Yggdrasil encaixava-se no módulo da cabeça, Bart exclamou:
_ Beeeeeeeeeeeeleeeeeeeeeeezaaaaaaaa!! Gear Superdimensional, Yggdrasil IV, transformação completa!!!! Vem pra cima, monstro!
As incontáveis hastes do Forte Furacão, como a Arma Móvel era chamada em Solaris, ondularam e se espalharam contra a Yggdrasil IV, fazendo com que recuasse alguns passos. Na imensa ponte de comando, Bart empurrou duas alavancas para frente ao mesmo tempo.
_ Isso é tudo? Toma essa!
O punho direito se abateu sobre o Forte Furacão, e em seguida o esquerdo, destroçando algumas das hastes da Arma Móvel e abalando toda a sua estrutura ao que parecia.
Todas as hastes remanescentes se posicionaram na horizontal então, fazendo com que a Arma Móvel de Solaris se assemelhasse a uma grande serra circular, e a Yggdrasil IV recuou novamente diante do ataque, enquanto Bart praguejava entre dentes:
_ Droga, mas... era só o que me faltava... Até parece...!
As mãos enormes do Gear fortaleza agarraram as hastes, agora alinhadas, e então arremessaram o colossal oponente para longe, fazendo o Forte Furacão arrastar-se para trás por alguns quilômetros antes de conseguir deter o impulso reverso. Em seu interior, o comandante lutava para restabelecer a ordem:
_  Isso é impossível... Canhoneiro, carregar Canhão de Movimento de Ondas! Vamos tirar essa monstruosidade do nosso caminho com um único feixe de energia maciça!
_ S-sim senhor! Carregando...!
Yggdrasil IV avançou na direção do inimigo também, com Bart cada vez mais animado nos controles:
_ Maneiro! Viram só a força desta coisa? Tudo bem, vamos continuar carregando até chegar ao Modo Hyper; tô louco pra ver o que essa belezinha faz!
_ Não creio que isso seja possível, jovem mestre – Sigurd o interrompeu, pigarreando – Lembre-se, o... ‘Yggdrasil IV’ ainda é um Gear comum, embora tenha tal magnitude. Uma vez que ele não responde aos seus comandos mentais, o Modo Hyper não deve estar acessível.
_ Ah, é mesmo – Bart pareceu desapontado, mas procurou se animar – Tudo bem então, pelo menos não vamos precisar poupar Níveis de Ataque; vamos pegar essa coisa com um Chicote em Cadeia!
_ Impossível, jovem mestre – Sigurd o interrompeu – Este Gear não é Andvari, nem Brigandier; não há como usar o mesmo sistema de ataques. Com seu tamanho colossal, seria de esperar que apenas seus punhos e força bastassem, não?
_ Pombas, mas aqui também não tem nada? Pra quê tanto tamanho se só o que ele faz é bater?
Devidamente refeito enquanto seu rival se aproximava, enquanto isso, o Forte Furacão cintilou e toda a sua energia foi canalizada para um emissor embutido na esfera central.
_ Todos os sistemas armados, comandante! Podemos disparar quando quiser!
_ Canhão de Movimento de Ondas, disparar!
Todas as hastes recolheram-se para a retaguarda e a esfera ficou voltada para a Yggdrasil IV, e seu emissor disparou um feixe maciço de energia na direção do imenso Gear de Bart.
A ponte de comando foi violentamente sacudida com o tranco do disparo, e apenas o jovem piloto conseguiu se manter em sua posição, com muito esforço.
_ Caraca, o que foi aquilo...? – Bart sacudiu a cabeça e procurou colocar sua máquina de pé – Jerico, relatório!
_ Os escudos de energia construídos no casco e sua espessura resistiram bem ao disparo, jovem mestre – foi a resposta – mas não acredito que tenhamos estrutura para outro choque desses.
_ Meu, é o fim da picada! – Bart explodiu, rodando furiosamente um programa de diagnóstico em seu painel – Tem que ter alguma coisa aqui além desse tamanho todo...! Vamos, gracinha, me mostra...! O que foi que o velho Roni deixou pra nós...?
E em resposta ao pedido de Bart, um diagrama do modo Gear da Yggdrasil IV surgiu na tela, mostrando o Cruzador de Areia Yggdrasil deslizando para frente, vindo às mãos do Gear fortaleza. E Bart leu a nova configuração com entusiasmo:
_ ‘Canhão Yggdrasil’? É, é isso mesmo!
_ Jovem mestre, por favor atente para o consumo de combustível – Sigurd alertou, apontando para o painel – Se fizermos um movimento precipitado a esta altura...
_ Eu adorei o nome dessa coisa, estou doido pra testar! – Bart seguiu como se não tivesse ouvido – Tudo bem pessoal, todos a seus postos. Jerico! Mudar pro modo ‘Canhão Yggdrasil’!!
_ Jovem mestre...!
_ Pelo menos dessa vez eu não estou na mira dele – Fei murmurou de sua posição, segurando-se firme enquanto, no Forte Furacão, a surpresa de todos foi resumida na pergunta do comandante:
_ E agora, o que é aquilo...?
Movendo-se com praticidade como um soldado veterano, a Yggdrasil IV sacou o Cruzador de Areia às suas costas e o empunhou como se fosse um rifle, e Bart comandou:
_ Canhão Yggdrasil, disparar!
Numa demonstração de energia semelhante à do Forte Furacão, mas ainda mais poderosa, toda a energia do Cruzador de Areia foi mobilizada num disparo devastador que atingiu em cheio a esfera central e causou explosões múltiplas por toda a estrutura da Arma Móvel solariana, encerrando a batalha.

A Arma Móvel de Solaris foi destruída... o que trouxe um suspiro de alívio ao Continente de Ignas.

A paz foi assinada e depois de cerca de quinhentos anos de divisão, a terra de Ignas mais uma vez se tornou unida. A excitação espalhou-se por Aveh, Nisan, Kislev, Shevat... O céu cintilava como se para celebrar. Pelas mãos de Elly, Citan, Taura e Emeralda, as nanomáquinas tinham sido dispersas na atmosfera.

Foi então que o desastre se abateu... Nossas canções de vitória foram substituídas pelos sons de total pandemônio...

No início, não tínhamos idéia do que tinha transpirado. Nós... testemunhamos um fenômeno inexplicável.
Pessoas de todas as partes do globo começaram a mutar para formas anormais.

Parecia ter sido desencadeado quando as nanomáquinas removeram o selo – Limitador – que fora colocado na humanidade por Krelian, no passado...

A forma ‘humana’ com suas habilidades inatas liberadas.

Foi quando me lembrei do que Hammer tinha dito lá, em Solaris. Suas palavras foram...
‘O que vai ser dos humanos normais...?’

A transformação também estava sendo assistida pelo Ministério Gazel no SOL-9000, de onde eles tiravam suas próprias conclusões.
_ Então, estão germinando naturalmente porque a ressurreição de deus está próxima...
_ Aqueles que se tornarão o corpo do nosso servo... Eu nunca soube que tantos existiriam, mesmo sem usar a chave...
_ Mas, alguns deles ainda não começaram a germinar...
_ Eles não estão destinados a ser a carne de deus?
_ Ou, talvez, aqueles sejam os inimigos de deus...
_ Devemos reativar os pontos estratégicos do Soylent...
_ De qualquer modo, eles são apenas mutantes incompletos. São inúteis agora, em sua forma meio-acabada.
_ Apóstolos de deus... Não pode haver qualquer mal em ter demais deles...


Krelian observava um de seus inúmeros nanorreatores com ar pensativo, e embora estivesse ciente da presença dela no momento em que chegara, parecia distante demais para dar-se conta de que não estava mais sozinho.
_ As correntes que restringiam a humanidade foram removidas por sua causa.
Ele sabia muito bem qual era a verdadeira preocupação de Miang e meramente cruzou os braços, voltando-se apenas parcialmente para ela.
_ Mas isso não quer dizer que haja qualquer coisa de errado com nosso plano. Tudo ainda está sob controle.
“No evento da explosão da capital de Solaris anteriormente eu deixei ajustado um vírus de nanomáquinas para se difundir na atmosfera. Eu sabia que eles eventualmente iriam romper o selo... mas o tempo da ação foi um pouco apertado para que eu ficasse à vontade.”
“As atuais mutações dos humanos são uma resposta inicial ao vírus. Uma vez que o vírus que espalhamos pelo mundo germine dentro dos humanos, eles não são mais os mesmos. Eles mudam para uma forma controlável. Nós precisamos de humanos que não dependam da invocação da chave a fim de despertar. Em outras palavras, um ser para tomar o lugar do corpo original de deus...”
_ É como um Cavalo de Tróia liberado na época da assimilação com deus... – ponderou Miang – Um vírus literal... Mas... Isso não é diferente do que eles pretendiam...?
_ Naturalmente – Krelian concordou – Não podemos deixar que eles façam as coisas como quiserem. A ‘Arca de Deus’ é minha.
_ ... De qualquer maneira está ótimo por mim – Miang riu – Seja como for, eu vou ficar do lado de quem quer que tenha maior probabilidade...


<Elly>

O Sistema Soylent...

Um grupo de instalações anteriormente criadas por Solaris. Essas instalações existiam por toda a terra.
É dito que, originalmente, elas eram usadas para experiências biológicas e lavagem cerebral. As pessoas que mutavam para o que foram chamados de Wels... Ou a verdadeira forma dos humanos... reuniam-se nestas instalações.


Instalações semelhantes às que Elly, Fei e Citan tinham visto em Solaris estavam espalhadas por toda Ignas. Wels e semi-Wels começaram a se reunir nelas, em grupos cada vez maiores.


Alguns dos humanos transformados em Wels estavam atacando humanos saudáveis e devorando sua carne e sangue. Isso, porque a carne e sangue de humanos saudáveis acalmavam a dor de suas mudanças moleculares súbitas e os fazia viver por mais tempo.

Suas vidas eram tão curtas...

Pouco depois, seres drasticamente mutados começaram a procurar pela carne e sangue de seres menos alterados.

O Sistema Soylent divide e mescla aqueles corpos mutados num nível molecular... Um conjunto de instalações que recria uma única forma de vida mais aperfeiçoada para ser usada como... uma ‘arma’.


Condutos translúcidos percorriam uma longa trajetória em cada uma das instalações do Sistema Soylent. De cada uma das salas de tratamento, só o que saía era um conduto semelhante, conduzindo líquido de cor vermelha e porções indefinidas de carne. Vistos à distância e do alto, esses inúmeros condutos e seus conteúdos lembrariam, talvez, vasos sangüíneos. Todos seguindo na mesma direção.


Esta era a verdade por trás do ‘Plano M’ do Ministério Gazel.

‘Vá para aquelas instalações e você será libertado da agonia insuportável’...

Então, as pessoas se reuniam, procurando um cumprimento desta promessa.

Há salvação lá...

A notícia se espalhou... embora ninguém, de fato, a tivesse sussurrado. Seu sangue mutado provavelmente disse a tais pessoas para se ‘reunir’ lá.

O destino de todos os condutos em cada uma das instalações do sistema era um tanque central de tamanho imenso, onde toda a matéria sólida e líquida coletada dos Wels era condensada; o líquido biológico nutria e servia de fonte de oxigênio para o conjunto amalgamado de toda a carne reunida, formando o que parecia ser uma criatura imensa e disforme.


Fomos até lá para destruir o Sistema Soylent...
Lá, humanos lutavam gananciosamente entre si por perdões limitados para viver. Era uma feia batalha para continuar vivendo. Ou pode ter parecido assim para o passante casual...

Mas pra mim, eles estavam desesperadamente tentando viver. Era a ‘forma humana natural’ de cada pessoa.

Havia os ‘tenho’ e os ‘não-tenho’... E... Entre eles... estavam alguns dos meus antigos amigos de Solaris...

Eles queriam nossa carne e sangue. Eles nos disseram, os ‘tenho’ deviam partilhar com os ‘não-tenho’.

Eles me perguntaram se uma ‘tenho’ como eu podia entender a dor deles...

Não pude responder...

Não importando o que eu dissesse, teria soado como a fala arrogante de uma ‘tenho’...

Mesmo assim, eu queria aliviar a angústia deles... e decidi fazer isso. Assim como a pessoa na memória dos meus sonhos... no passado distante...

Então, de repente, o Sistema fugiu ao controle!
A ‘Massa Sulfal’, um organismo monstruoso ainda no processo de amalgamação, atravessou a barreira do suporte vital da instalação e se pôs diante de nós.

Não mais de forma humana... aquilo que um dia fora humano começou a comer as pessoas reunidas lá, procurando alívio...

Nós tivemos que lutar com ele... A fim de salvar as pessoas, e a salvar a ‘ele’... 

Os olhos daquilo que um dia fora humano olharam para mim, implorando por... morte... para acabar com a agonia.

domingo, 4 de setembro de 2016

Capítulo Quarenta e Oito

Capítulo 48 – Sophia


_ O que você quer dizer com... ele ainda está vivo...?!
Krelian estava diante do SOL-9000, e o Ministério Gazel recebeu a notícia exatamente como ele antecipara. E ele confirmou com um aceno de cabeça.
_ Sim.
_ Ridículo. Ramsus não o abateu?
_ Ela também estava no Gear que Ramsus abateu – Krelian retrucou – Não aceitarei que ela morra.
_ Mas, já há uma ‘mãe’... Embora ela talvez seja o ‘Antitipo’, enquanto a atual mãe existir...
_ Até onde eu entendo, isso não está completo.
_ Muito seletivo você, não...? – um dos ministros comentou, olhando para Krelian com desconfiança – Não disse que jogou fora todas as emoções humanas?
_ Eu não me importo com o que pensam. De qualquer modo... No que diz respeito a ele, vou colocar Ramsus ao seu encalço. Alguma objeção? Onde ele está atualmente?
_ Etrenank foi destruída, mas parte do cubo de memória ainda está ativa. Ainda devemos ser capazes de localizar indivíduos.
_ Espere um momento... Ele abandonou a área da queda e está seguindo rumo a Ignas.
_ Entendo – Krelian murmurou – Então, ele deixou a área...
“Isso significa – concluiu para si mesmo – que é apenas uma questão de tempo antes que o selo seja quebrado...”
_ Disse alguma coisa? – um dos ministros perguntou.
_ Não é nada – Krelian meneou a cabeça – Apenas fiquem sentados aí e esperem pelas boas novas.
_ E quanto a recuperar a garota? A chave já está começando a ressoar. A hora da ressurreição se aproxima.
_ Podemos conseguir a garota a qualquer hora – Krelian fez um gesto de pouco caso – Não tem que ser agora... Vamos aproveitar nosso tempo.

<Fei>

A caminho de Ignas, eu o reencontrei. Kahran Ramsus...
Ramsus novamente se colocou em meu caminho com seu Omnigear, ‘Vendetta’...

Era uma batalha inevitável. Eu liberei a nova função que fora adicionada ao meu Gear Modelo II... O ‘Sistema Id’!

Fei admirou-se ao ver os efeitos do sistema adicionado por Taura e Bal; uma erupção de energia rodeou Weltall-2, suas asas se abriram e assumiram a forma dos projetores de energia que antes pertenciam apenas ao Weltall vermelho. E ele percebeu que todos os comandos operavam no ‘Modo Hyper’, plenamente carregados. Se um Omnigear seguia comandos mentais, Weltall agora fazia o mesmo, e com saída de força ampliada!
O primeiro movimento foi de Ramsus, chicoteando com seus braços em lâmina como antes. Fei se lembrava da luta anterior, seu Gear sendo atingido tão depressa que ele sequer podia esboçar uma defesa, e agora...!
“Tão lento...!”
Weltall-2 evitou o primeiro golpe, e o segundo, apenas movendo-se para os lados. Vendetta então atacou por cima, abrindo os dois braços num corte lateral amplo.
Sem qualquer dificuldade, Weltall abaixou-se e estendeu ambos os braços adiante, atingindo o Gear dourado de Ramsus no peito e lançando-o para trás com facilidade, fazendo com que deslizasse pelo solo coberto de folhas por algumas centenas de metros.
_ Não...! – Ramsus se debatia em seu assento, sem poder acreditar – I-isso não está certo...! Meu Omnigear... Meu ‘Vendetta’... Com a máquina superior, se eu for derrotado...
“Se ainda falhar com isso, você é realmente ‘lixo’”
As palavras de Krelian, ecoando em sua memória, pareceram destruir o que restava do equilíbrio de Ramsus. Vendetta saltou para ficar de pé e suas duas mãos golpearam para frente, lançando um anel de energia na direção do oponente.
E Fei percebeu então como o Sistema Id também o afetava. Em tempos anteriores, ele não conseguiria unir pensamento à ação em tempo suficiente para evitar aquele ataque. Agora, não apenas pensava em desviar, mas era capaz de pensar numa forma de revidar simultaneamente. Devolver o ataque para Ramsus.
_ Onda de Thor!
Weltall-2 uniu as mãos no que parecia ser um Tiro Guiado, mas a energia chi era flamejante e trinta vezes mais intensa do que a máquina de ether era capaz de produzir. Com tamanha força, o Gear de Fei não apenas era capaz de deter o ataque de Ramsus como também o lançou de volta, banhando Vendetta em chi e fogo, atirando-o contra um conjunto de árvores atrás de si.
Vendetta estava se pondo de pé, oscilando um pouco enquanto o fazia. Fei não sentia qualquer cansaço, e sabia que Weltall, em sua nova forma, poderia continuar com aquilo quase indefinidamente. Podia muito bem acabar com Ramsus... mas aquela era a forma de Id agir. Ele tinha pressa, e o resultado da luta já estava claro.
_ Ramsus, pode me ouvir? Já chega, vamos parar por aqui. Preciso estar em outro lugar, e esse nosso duelo não leva a nada. Saia do meu caminho.
Infelizmente para Fei, aquelas eram justamente as palavras que não deveria ter dito. Vendetta ergueu seus visores para ele e o rapaz quase pôde ver a expressão transtornada de Ramsus o encarando, sentindo-se humilhado em receber misericórdia do seu maior inimigo, que claramente enfatizava a ele quão indefeso estava. Ele, Ramsus, comandante da Gebler e o maior guerreiro de Solaris... diante de Fei e seu Weltall, era insignificante.
_ Huh... Heh he he he he...! Bah, não me faça rir, Fei! Está fugindo?? Acha que vou deixá-lo escapar como da outra vez?! Foi por um mero acaso, uma distração minha, que você conseguiu fugir com o que restava de sua vida em nossa última batalha! Mas não vai ser como da última vez, ouviu?! Postura da Chama!!!
As asas de Vendetta dobraram-se diante do Gear dourado de Ramsus enquanto ele assumia um modo defensivo extremo, uma versão aprimorada da Defesa Espelho. Seus recursos não estavam acabados, ele ainda poderia vencer! Só precisava que Fei o atacasse novamente.
E Fei já não tinha qualquer simpatia ou compaixão por Ramsus àquela altura. Sim, ele se lembrava da última vez. Lembrava de ter pousado com dificuldade, de se arrastar sangrando muito e sentindo seu corpo todo quebrado, e do desespero de ter que tirar a forma inconsciente de Elly de dentro do Gear. Elly, que implorara a Ramsus que parasse de atacar. Ela estava disposta a se entregar para que ele não perdesse sua vida, e aquele lunático teria matado a ambos, não fosse pelo acaso de caírem tão perto da morada de Taura.
Weltall-2 se pôs em posição de ataque. Que o velho Taura o perdoasse, mas aquilo era algo que ele tinha que fazer. Se Ramsus queria ir até o fim, ele não precisava se sentir culpado.
_ Inferno de Chamas!!
Novamente o chi flamejante irrompeu do Gear, agora brotando por toda a extensão de seu corpo, enquanto Fei acumulava impulso em seus propulsores. Ramsus estremeceu, tendo uma visão do seu passado enquanto aquele Gear terrível da cor do sangue dizimava seu pelotão em Elru e então vinha na direção dele, consumindo a distância entre eles como se não fosse nada. Como Weltall estava fazendo naquele instante...!
A investida de Weltall-2 foi veloz e intensa demais para ser contida pela Postura da Chama de Vendetta, e seu bloqueio foi desfeito violentamente enquanto o rival parava às suas costas.
Mas Fei não tinha terminado. A guarda de Ramsus estava totalmente aberta agora, fazendo dele um alvo fácil. Se era preciso ir com aquilo até o fim...!
_ Kosho X!
Na postura de ataque perfeita, Welltall-2 atacou Vendetta de alto a baixo com seus punhos, girando no ar diante dele e atacando-o numa espiral, e encerrando a técnica com dois feixes maciços de chi de suas palmas. E o Gear dourado de Ramsus foi lançado com violência mais uma vez, contra as duas árvores atrás de si, uma das asas arrancadas e os braços pendendo para baixo.
Vendetta estava acabado, mas Ramsus nunca o admitiria, e novamente seu braço direito cortou o ar, desta vez atingindo Weltall num corte horizontal. Recuando um passo, Fei tornou a atacar.
_ Weltall-2, Modo Hyper! Goten X!
Outra vez numa postura de ataque perfeita, Weltall começou uma seqüência de chutes que atingiram Vendetta pela esquerda e pela direita, sem deixar que caísse, de cima a baixo.
Um último golpe frontal desesperado de Ramsus encontrou apenas o vazio. Seu adversário saltara e caiu sobre ele com um último chute, carregado de energia chi, lançando-o longe e encerrando a batalha.


A confiança absoluta de Ramsus foi despedaçada...
Deixando apenas seu choro de descrença e ressentimento, a máquina de Ramsus desapareceu em um mar de folhagem.

Por que ele estava tão fixado em mim... Eu não sei. Mas ele disse isto:
‘Se ao menos você não existisse...!’


<Elly>

A fim de dispersar as nanomáquinas, Emeralda e eu partimos para uma das ruínas da Civilização Zeboim... A instalação de Dispersão em Massa.

Felizmente, a instalação ainda estava ativa, o que nos permitiu seguir adiante rumo à sala de controle central com pouca dificuldade.

Ao longo do caminho, nós vimos vários mísseis e foguetes gigantes que foram criados durante a Era Zeboim... Estavam lá, de pé, como túmulos daquela civilização antiga.

Era um cemitério para uma raça de pessoas que destruíram umas às outras por orgulho e arrogância.

Uma vez chegando à sala de controle central, nós nos encontramos com Citan, que nos ajudou a ativar o Dispersor em Massa.
Tivemos sucesso em lançar a cápsula contendo as nanomáquinas, que liberariam o selo – Limitador.

Meio encobertos, brotando de dentro da montanha, os trilhos do sistema de alimentação de energia do Dispersor em Massa faiscaram quando reativados pela primeira vez em mais de quatro mil anos. A instalação, semelhante a um grande canhão apontado para o espaço, lançou a cápsula selada por Taura para que se abrisse nas camadas superiores da atmosfera.
O efeito visual foi semelhante a uma Aurora Boreal; ondas róseas de luminosidade sobre o azul do céu enquanto pequenas partículas luminosas caíam sobre o mundo todo: o Quartel-General queimado do ‘Ethos’, a agora abandonada Vila de Lahan, o Orfanato de Billy, a imponente Catedral de Nisan... Pelo mundo inteiro o efeito se espalhou trazendo surpresa e encanto.

As nanomáquinas que foram espalhadas na atmosfera superior começaram a se multiplicar e espalharam-se através do mundo inteiro.

As nanomáquinas brilhavam na luz do sol. Fluindo como um grande rio no céu...

Aquele brilho removeria os ‘laços’ restringindo a todos.

Aquilo era pra ser nossa luz de esperança de ter de volta nossa verdadeira liberdade...


<Fei>

A ‘Arma Móvel de Supremacia de Superfície’ de Solaris invadiu a área com grande força... Os batalhões de Gear padrão de Shevat e Nisan não eram páreo para ela.
Era apenas uma questão de tempo antes que a Arma Móvel de Solaris chegasse a Nisan.

Depois de termos expulso as unidades de Gear solarianas, nós partimos para Nortune... Para o distrito administrativo da capital.
Fomos até lá para obter o nosso único possível meio de resistir à Arma Móvel.

O próprio ‘Distrito Administrativo Central’ de Nortune, a capital de Kislev, era em si uma nave de batalha secreta construída pelo ancestral de Bart, Roni Fatima, depois da Grande Guerra com Solaris, muitas centenas de anos atrás.

A existência da nave secreta de batalha permaneceu escondida. Mais tarde, a nave foi transformada numa seção da Capital Imperial de Kislev durante a fundação do Império.

Revelando esta verdade de alguns registros antigos, Bart ativou a nave de batalha secreta a fim de lutar contra a Arma Móvel de Supremacia de Superfície solariana. O ‘Cruzador de Areia Yggdrasil’ na verdade era o centro de comando e, também, a arma secreta principal da nave... 

Despertando de quinhentos anos de dormência, sua verdadeira forma apareceu diante de nós. Comandada por seu ‘novo mestre’, a nave de batalha secreta ergueu-se diante da Arma Móvel com todos nós dentro dela.