Capítulo 49 – Veículo da Alma
<Fei>
Embora o impacto inicial de ser libertos do selo
– Limitador – tenha causado algum caos momentâneo, tudo lentamente começou a se
acalmar. Nós então começamos a procurar pelas ‘Relíquias Anima’... o
catalisador para transformar Gears em Omnigears.
No passado, dez Relíquias tinham sido
recuperadas... É dito que cerca de metade delas está nas mãos do Ministério.
De acordo com Zephyr, devia
haver muito mais Relíquias escondidas ao longo do mundo.
Nós sabíamos que Solaris muito
certamente estaria em busca delas. Não havia como podermos permitir que Solaris
as tivesse.
Nós visitamos o local onde,
usando registros arcaicos, Zephyr e seu povo tinham sido capazes de conseguir
pistas sobre o paradeiro das Relíquias.
Seguindo a informação que
obtivemos de lá, partimos rumo às ruínas do que parecia ser uma civilização
antiga.
Parecia difícil acreditar que
aquilo era tão antigo, pensou Fei. Uma instalação subterrânea tão imensa que
fazia os Gears parecerem minúsculos, totalmente construída em metal! Mesmo já
tendo estado em Solaris antes, ele achava aquilo difícil de ser real.
_ Daqui por diante, devemos
seguir a pé – Billy avisou, tendo encontrado a passagem – Os sensores de
Renmazuo mostram que a passagem é por aqui.
_ Antigo... – Emeralda deteve
Crescens junto à passagem e olhou ao redor antes de descer – Lugar fechado há
muito, muito tempo...
_ É impressionante – Fei desceu e
Billy, Emeralda e Elly seguiram – O ‘Ethos’ alguma vez catalogou algo parecido
com isso, Billy?
_ Não que tivesse chegado ao meu
conhecimento, Fei – Billy meneou a cabeça – Mas uma vez que os maiores segredos
eram enviados para Solaris, e que o Ministério conseguiu metade das Relíquias
já descobertas, eu diria que tudo é possível.
_ Não sei – Elly olhou ao redor
enquanto entravam nas repartições menores – Isso não se parece com qualquer
equipamento utilizado em Solaris, mesmo na Gebler. Mas, é melhor nos
apressarmos.
_ Verdade – Fei concordou – Pode
ser uma questão de tempo até que alguém a serviço de Krelian ou do Ministério
apareça por aqui. Vamos.
Passando por portas lacradas,
sistemas de computadores que não funcionavam por causa de fusíveis danificados
e monstros à espreita, o quarteto chegou a um grande salão onde havia um
elevador central, conduzindo a um nível inferior. E lá embaixo, Elly encontrou
um banco de dados com as informações de que precisavam.
_ Vejam, esse é o ‘Sistema de
Liberação’. A Relíquia Anima está mantida num subnível abaixo de nós, mas... –
mostrou outros dois computadores – há um código para o acesso a ela. Quatro
números devem ser inseridos naqueles terminais, neste aqui e no último, do lado
oposto ao elevador. Inseridos corretamente, eles liberam a passagem.
_ Alguma maneira de descobrir o
código daqui? – perguntou Fei.
_ É uma seqüência de algarismos
unitários – Elly respondeu, analisando o monitor – Sendo ‘zero’ nulo, os demais
são colocados num eixo vertical e um horizontal, e a soma dos algarismos tem
que ser igual nos dois eixos. Só assim vamos ter acesso ao nível onde a Relíquia
está.
_ ... Parece complicado –
murmurou Fei.
_ Nem tanto assim – Billy
retrucou, olhando para o monitor que Elly mostrava – Veja, é uma questão de
medir os resultados. Levando em conta que o resultado da soma até agora é esse,
e com os números que restam... Espere, acho que é isso...
Billy inseriu em cada um dos
computadores um dos quatro algarismos que faltavam, e um sinal sonoro
seguiu-se, acompanhado com uma mensagem no monitor:
‘Relíquia Anima Liberada’
_ Isso foi ótimo! – Fei
cumprimentou – Pensou rápido, Billy!
_Ah, bem – Billy pareceu sem
jeito – Isso parecia... com alguns códigos de segurança que as crianças no
orfanato inventaram para o meu Gear, tempos atrás. Não foi nada de mais.
O elevador central destacou-se,
revelando uma seção ainda mais abaixo onde apenas a plataforma podia chegar.
Fei, Elly, Billy e Emeralda se viram na base do fosso metálico onde portas
móveis escondiam um acesso a câmaras mais profundas, essas por sua vez lacradas
por portas de tranca quádrupla, que saltaram ao serem destravadas.
No interior de um cilindro
translúcido estava a Relíquia Anima, algo muito diferente do que Fei teria
esperado. Ao invés de um Gear evoluído como o Andvari de Bart, havia uma placa
retangular dourada com o que parecia o emblema de um grande olho no topo,
girando devagar dentro de dois imensos diamantes de luz dourada, cada um
girando em sentido oposto ao outro. Elly foi até o painel de liberação à beira
da plataforma e deteve-se, admirada.
_ Isso é...
_ ... a Relíquia Anima – murmurou
Billy.
Elly verificou os programas de
liberação e então os ativou, e a plataforma encheu-se de luz enquanto as
últimas travas se soltavam. Todos então se voltaram para Billy, que caminhou
até a beirada da plataforma e parecia estar falando sozinho.
_ Quem é? Quem está me chamando?
Não... Não, eu não sei.
Não havia ninguém mais ali, e a
atenção de Billy prendeu-se à placa dourada que girava diante deles.
_ O que eu deveria fazer...? Você
estava esperando? Por mim...?
_ Billy?
Os diamantes de luz giravam mais
e mais depressa ao redor da placa e o brilho intensificou-se, até que num
último faiscar tudo desapareceu. Mas Billy voltou-se para os amigos, e os
quatro puderam perceber pelas expressões uns dos outros que tinham visto uma
figura humanóide alta desaparecer.
_ Vocês viram aquilo? – perguntou
Billy – Parecia com o... o meu Gear?
_ Talvez alguma coisa tenha
acontecido ao seu Gear – Fei concordou – Vamos voltar para a saída e ver se
alguma mudança teve lugar.
Sem mais, os quatro fizeram todo
o caminho de volta até a ala do primeiro andar onde os Gears haviam ficado, até
serem interrompidos num dos corredores por ninguém menos que Dominia, Kelvena,
Tolone e Seraphita. As Quatro Elementos.
_ Vocês, meninas, de novo?! – Fei
se colocou em guarda.
_ Vejo que vocês conseguiram um
novo Gear que foi alinhado com uma Relíquia Anima – Dominia comentou, a
princípio sem dar atenção a Fei.
_ Vocês sabem que deveríamos ter
sido nós as pessoas a obtê-lo – Kelvena disse – Nós precisamos de poderes mais
fortes para que o Comandante Ramsus realize seus tão ansiados desejos.
_ Sim – Tolone concordou – Para a
construção do nosso país ideal, não podemos permitir que vocês o levem.
_ Então, vai – Seraphita
balbuciou atrás das colegas – Deixa a gente ficar com ele!
_ Vocês sabiam o que Solaris
estava fazendo aos habitantes da superfície – Fei meneou a cabeça – e sabem
qual é a situação agora na terra... e ainda assim, vocês...
_ O que os Gazel fazem ou o que
quer que aconteça aos Cordeiros, não é problema meu – reiterou Dominia – Cada
um de nós tem suas próprias obrigações a cumprir. Não temos tempo para lidar
com questões que digam respeito ao seu povo fraco e inferior.
_ Dominia... Você acredita mesmo
nisso? – perguntou Elly.
_ Sim. Olhem pra vocês mesmos,
por exemplo. Vocês, os fortes e superiores, foram os primeiros a se
preservarem, sem qualquer mutação. Não é isso?
_ Poder e habilidade não têm nada
a ver com isso – retrucou Fei – Foi pura coincidência que nós não mudássemos.
_ Pessoas são pessoas – Billy
concordou – Nada mais ou menos. Eu admito que haja os fracos e sem poder, mas
isso não é razão para que nós os abandonemos. Todos nós somos seres humanos!
_ Então... vocês desejam dar uma
mão de auxílio a aqueles que seriam salvos? – Dominia perguntou, e Seraphita
pulou como uma garotinha atrás das colegas.
_ Aaaaah! Vocês são tão legaaaais
e bonziiiiiinhos!!
_ Quão admirável – Kelvena acenou
com a cabeça – Mas... isso é mesmo o melhor para a humanidade?
_ Um dia, todas vocês foram
habitantes da superfície – Elly lembrou – Não foram todas forçadas a viver sob
a opressão de Solaris? Eu sei que vocês sabem como é ser um ‘não-tenho’,
então por quê vocês...?
_ As pessoas devem ser capazes de
erguerem-se por si mesmas em quaisquer circunstâncias em que se encontrem –
Kelvena disse – Superproteção apenas embota a vontade de ser independente. Isso
embota o crescimento das pessoas e do mundo. Nós experimentamos isso em
primeira mão. Viver com a própria força, erguer-se sobre os próprios pés! É
triste, mas também verdade, que os fracos serão arrebatados... mas não podemos
olhar para trás. Essa é a providência da existência humana.
_ É apenas a providência daqueles
que são os ‘tenho’! – Elly se colocou em guarda também, e Dominia soltou sua
espada.
_ Hmph. Então, que assim seja. Me
mostrem essa sua providência, que deseja salvar os ‘não-tenho’ indignos! Aqui
vou eu!
Cada um dos quatro foi desafiado
por uma das Elementos; Emeralda atacou Tolone, Elly ficou com Seraphita, Billy
com Kelvena e Fei contra Dominia.
A reserva de Billy quanto a lutar
com mulheres não se aplicaria, uma vez que já lutara com as Elementos. Mesmo
assim, ele estava reagindo mais lentamente do que o necessário para atingir
Kelvena, que parecia flutuar para fora do seu alcance.
_ O que houve? Acreditei que você
seria meu adversário.
Kelvena era especialista em
técnicas de ether da água, e agitou os braços na direção de Billy para formar
duas estalagmites de ‘Aqua Gélida’ mais poderosas do que as de Elly.
Billy atirou-se para esquerda,
atirando com as duas pistolas de pólvora enquanto rolava para o lado, mas
perdendo Kelvena por pouco. Recuando enquanto flutuava no ar, ela agitou os
braços na direção dele e chamou:
_ Névoa de Água.
Billy tentou se afastar enquanto
sacava as pistolas de ether em suas mangas, mas foi colhido em cheio pelo
feitiço de água e gelo e jogado para trás.
Pouco mais adiante, Tolone
enfrentava Emeralda, e toda a contrariedade por ter que enfrentar uma criança
(‘Devia ter ficado pra a Seraphita!’, pensou) acabou-se nos primeiros segundos
de duelo. O corpo de Emeralda, formado por nanomáquinas, se moldava e alterava
o tempo todo para combater a adversária, sendo mais do que rival para os
implantes ciborgues de Tolone. Apontando seu braço direito para a menininha,
Tolone disparou:
_ Raio Positrônico!
_ Cortador!
O disparo conseguiu atingir
Emeralda, mas ela saltou na parede atrás de si ao invés de se chocar contra
ela, e girando na forma de uma serra circular lançou-se de volta contra Tolone.
Em cheio no peito ela atingiu a Elemento e a atirou para trás, e as duas caíram
ao chão.
_ P-parece que... Eu não estava
te levando a sério – Tolone sorriu, apertando o ferimento – Você é... aquela
máquina que nós pegamos nas ruínas, não é?
Emeralda se colocou de pé, o
ferimento do disparo se fechando depressa em seu peito enquanto as nanomáquinas
trabalhavam. E ela não disse coisa alguma.
_ Nada pra dizer? Ótimo – Tolone
se colocou em guarda, pronta para atacar – Menos conversa, mais ação. Eu
prefiro assim.
Pouco mais afastadas, Elly e
Seraphita combatiam. Na verdade, o que se via era Elly tentando atingir a outra
sem qualquer sucesso, enquanto Seraphita parecia mais estar tropeçando ou se
encolhendo de medo do que lutando de verdade.
_ Aaaaaaii, cuidado! Vai acabar
me machucando assim!
Mas Elly não se deixou distrair;
mesmo aquela atitude era parte da técnica de Seraphita, o que se confirmou em
seu próximo ataque, o bastão de Elly passando sobre a cabeça de Seraphita, que
se abaixou e levantou-se depressa, atingindo-a no rosto com uma cabeçada e
derrubando-a de costas.
_ Poxa vida, desculpa – Seraphita
juntou as mãos, sacudindo a cabeça novamente – Mas eu preciso levar aquilo pro
Comandante, você entende né? Então, é melhor acabar logo com isso e te pegar de
uma vez, tá bom?
Anéis escarlates de fogo
formaram-se ao redor de Elly e fecharam-se sobre ela, enquanto fogo explodiu de
quatro pontos diferentes ao redor dela e o calor aumentou de forma intolerável.
Adiante, Fei e Dominia trocavam
golpes. A espada dava a ela maior alcance, mas Fei era capaz de aparar a
maioria das estocadas e cortes detendo o punho de Dominia, ou simplesmente se
esquivava para contra-atacar depois.
_ Você é bom – Dominia concedeu,
cortando para o lado e recuando para ganhar espaço – Mas não sairemos daqui sem
aquele Omnigear.
_ Com a força que têm – Fei
acenou com a cabeça, mantendo-se em guarda – vocês já devem ser capazes de
lutar muito bem. Não precisam disso.
_ Pelo Comandante – o olhar de
Dominia escureceu – Para que ele consiga o que mais deseja... É por isso que
nós lutamos! Vamos garantir que o Comandante crie a nação ideal que buscamos! E
se for preciso, vamos tirar vocês do caminho no processo! Espada da Sombra!
_ Koho!
Fei e Dominia se atacaram ao
mesmo tempo, mas o golpe de Fei repentinamente se perdeu quando sua adversária
desapareceu no ar diante dele.
_ O que...
Sentindo a presença dela, Fei
voltou-se uma fração de segundo tarde demais para evitar que Dominia o
atingisse pelas costas, e então o talhasse pela frente, por cima, por baixo e
em mais uma seqüência de golpes que mataria a qualquer ser humano.
E então Fei, curvado sobre si
mesmo, percebeu que continuava intacto. Não havia ferimentos novos nele... mas
sentia com clareza a dor de cada um dos golpes que sofrera. Diante dele estava
Dominia, sorrindo ao ver a dor em seu rosto.
_ A técnica da ‘Espada da Sombra’
não causa ferimentos físicos, e sim ao espírito. Você sente como se tivesse
sido realmente atingido, mas não há dano feito ao corpo. Ao menos... ainda não.
Espada Elemental!
Erguendo a arma, Dominia fez com
que a energia verde dos ventos se reunisse na lâmina, e Fei entendeu o que ela
pretendia.
_ Pode imaginar o dano causado
com as duas técnicas juntas? Acredito que poderei causar ferimentos físicos
sérios desta vez... a menos que se renda.
_ Sabe muito bem... que não posso
fazer isso – Fei ofegou, a mão direita apertando o peito. E o olhar de Dominia
endureceu.
_ Por mim está ótimo... Elimino
um obstáculo e o maior rival do Comandante ao mesmo tempo. Espada da Sombra!
_ Grande erro...