sábado, 30 de julho de 2016

Capítulo Quarenta e Seis Ponto Dois

(...)

Cerca de uma hora depois, todos estavam reunidos na sala do trono de Shevat, exceto por Fei, enquanto Citan explicava aos companheiros e à Rainha Zephyr o que sabia.
_ Eu sinto muito. Não quis dizer coisa alguma até que tivesse certeza. Eu estava numa missão secreta com ordens do Imperador Cain para monitorar Fei. Ele me ordenou que determinasse se Fei seria uma ameaça ao mundo ou não. ‘O Contato’... É assim que o Imperador chama Fei.

_ É essa a sua conclusão? – perguntara Cain, quando Citan se reunira a ele.
_ Sim, Majestade. É esta a resposta que eu mesmo escolhi.
_ Anonelbe... Você acha que pode fazê-lo?
_ Sim – Citan assentiu – Humanos têm o potencial. Gerenciadores não são mais necessários.
_ O Contato não é nosso inimigo?
_ Sim, como diz, Majestade, se Fei é...
_ ... Então, eu deixo a situação a seu encargo... Eu pago por meu crime ao fazê-lo...

_ ‘Anonelbe’... – Citan dissera mais tarde, na ponte de comando da Yggdrasil, a Sigurd e Jessie – O há muito tempo esperado homem de deus, que levará as pessoas nascidas neste mundo com ele para um novo horizonte. Tal é o destino do ‘Contato’. É assim que o Imperador chamava Fei... Ele não me disse por que chamava Fei assim, no entanto.
_ Então, afinal de contas, quem é ele? – perguntou Sigurd.
_ Ele é Fei – respondeu Citan, de olhos baixos – Mas ele também é aquele que destruiu Elru, causou ferimentos sérios a Kahr, afundou a Yggdrasil, matou os subordinados de Rico em Kislev...
E sacudiu a cabeça.
_ ... Preciso continuar? Ele é... Id.
_ O que foi que disse? Id?!
_ O que quer dizer com isso? – perguntou Jessie.
_ Ele... quero dizer, Fei... – Citan ajeitou os óculos – tem Desordem Dissociativa de Identidade, também conhecida mais comumente como múltipla personalidade.
_ D-dissócio... O quê?
_ Desordem Dissociativa de Identidade – Citan voltou-se para Jessie – Ou múltipla personalidade. É uma desordem mental onde uma pessoa tem múltiplas personalidades.
_ Isso não pode ser sério... – murmurou Sigurd.
_ Ah, mas é muito sério – Citan confirmou – Fei é a prova viva disso. Eu estive observando Fei, que tem uma personalidade destruidora em seu interior, chamada ‘Id’. No início ele estava estável... Sua dissociação não ocorria, em absoluto, enquanto ele viveu em Lahan por aqueles três anos. Mas então, depois que Lahan foi atacada, as coisas mudaram. Pouco a pouco, o número de incidências de sua dissociação e sua duração começaram a aumentar. E então, em Solaris, uma manifestação completa de Id ocorreu.
_ O que a provocou? – quis saber Sigurd – Ele estava ótimo quando estava em Lahan, certo?
_ ... Meu palpite é que... a aparição de Grahf afetou Fei de algum modo. Você provavelmente sabe que Fei trabalhou com Grahf como o assassino ‘Id’ antes de ser trazido para viver em Lahan. Foi nessa época que Elru, a terra natal de Dominia, foi completamente obliterada. Grahf estava intencionalmente provocando a manifestação de Id por dentro de... por falta de um termo melhor... Fei.
_ Pra que propósito? – perguntou Jessie.
_ Para destruir Deus – Citan tornou a ajeitar os óculos – É isso o que Grahf estava dizendo... Isso é tudo o que sei. Embora possa haver mais a respeito... mas uma coisa é certa: Grahf estava encorajando a manifestação de Id, mas não tinha controle adequado sobre ele.
_ Em outras palavras – Sigurd atalhou – era demais para ele manejar?
_ Exato.
_ Você disse ‘É tudo o que sabe, embora possa haver mais a respeito’... – Jessie observou – O que quis dizer com isso?
_ Explicarei isso agora. Na verdade, este é o ponto mais importante...
E Citan falou de sua entrevista com Fei, contido em Solaris. Ele também provocara aquela situação esperando pelo que conseguiria descobrir numa situação única, já que dificilmente Id daria ouvidos a quem quer que fosse de qualquer outra maneira.
_ ... Não há nada que possa fazer – ele disse ao Fei contido nas braçadeiras, e não ficou de todo surpreso ao ver a figura de Id se manifestar de repente, embora parecesse que ele e Fei mantinham-se oscilando, nem um nem outro à tona completamente. Mas era Id quem estava na superfície, pois ele respondeu:
_ Você entende bem. Bem como eu esperava, Citan... Ou era ‘Doc’?
_ Eu estive esperando para conhecê-lo, Id. Eu queria falar com você. Acho que é tudo graças a esta máquina, que corta as conexões nervosas. Seja como for, o que é que Fei está fazendo no momento?
_ Fei? De qual Fei está falando?
_ Existe mais de um?
Id não respondeu, desviando o olhar.
_ Id?
_ ... Aquele que você chama de Fei está adormecido.
_ Dormindo?
_ Quando eu estou acordado, ele dorme. É por isso que ele não tem lembrança do que eu faço.
_ Por que ele não sabe?
_ É óbvio – Id deu de ombros – Ele é meu subordinado. Ele não pode espiar as minhas memórias. Ele não devia, de fato, nem existir. Aquele homem criou a personalidade dele à força. Fei é um inquilino no quarto da covardia...
_ Aquele homem?
_ Nosso pai, Khan. Ele selou a minha personalidade nos recessos mais profundos da minha consciência. Por alguma razão inexplicável, foi então que o Fei atual nasceu.
_ Quando você disse ‘covardia’, o que quis dizer?
Id tornou a fazer silêncio. Aquilo parecia incomodá-lo, Citan percebeu, e mais ainda quando o outro desviou os olhos.
_ ... Pra quê perguntar dele? Acha que pode fazer alguma coisa?
_ É raro ser capaz de falar com um verdadeiro esquizofrênico – Citan ajeitou os óculos – Como estudioso, estou extremamente intrigado.
_ Com amigos como você, hein doutor? – Id riu – Gosto de você, Citan. Mas, ele é insignificante. Afinal, ele é só uma falha. Um covarde feito ele não merece ser a ‘existência de Fei’. Uma figura patética que sempre fugiu da realidade. Ele nunca fez uma coisa sequer contra mim quando eu o controlo. Um covarde que se recusou a viver. Ele devia ter sido apagado. Mas continua a existir! Por que ele não desaparece?
Citan viu Id se mover sob a contenção, como se quisesse se debater de frustração. As algemas continuavam funcionando, no entanto, e Id pareceu se acalmar ao lembrar que não podia se mover.
_ Droga... Faz a minha pele formigar simplesmente estar no mesmo corpo que ele.
_ Vamos mudar de assunto. Eu gostaria de saber como e por que suas personalidades foram divididas. Já que você é quem está no controle, eu presumiria que você conhece a história.
Id desviou os olhos uma terceira vez e Citan, como se não tivesse notado, prosseguiu:
_ Normalmente, personalidades não se dividem como fizeram no seu caso. A não ser que houvesse algum tipo de trauma passado.
_ Quer que eu te fale das minhas memórias? – Id olhou para Citan novamente, e seu olhar escureceu apesar do riso em seu rosto – Não entenda mal. Eu não te dei o direito de me questionar. Só porque estou contido por essa máquina, não force sua sorte. Se eu realmente quisesse, poderia quebrar as barreiras e te esmagar. Não esqueça disso.
_ Então por que não faz isso? – as lentes dos óculos cintilaram, enquanto Citan confrontou Id sem parecer incomodado. E Id não respondeu.
_ Quer que eu diga por quê? – Citan aprumou os óculos – Você não tem controle completo sobre Fei, tem? O seu controle sobre ele é incompleto. Quebrar essas restrições exigiria uma quantidade tremenda de energia mental. Tendo gasto sua energia, Fei voltaria novamente. Basicamente, você teria que deixar o palco. Obviamente, o dia em que seria capaz de retornar é indeterminado. Assim, você não vai fazê-lo. Estou enganado?
De olhos fechados, Id ficou em silêncio por um instante, e então sorriu.
_ Então, você me conhece até demais. Eu não tenho completo...
E silenciou de repente, como se alguém o tivesse interrompido. Citan procurou olhar para o rosto dele.
_ O que houve, Id?
_ Você me forçou a vir. Ele está acordando. Em circunstâncias normais, eu teria sido capaz de me aguentar. Mas não consigo. Isso é tudo culpa daquela mulher. A existência dela torna Fei resistente.
_ Está falando de Elly?
_ Aquela mulher... A mesma – Id novamente pareceu incomodado, sacudindo a cabeça – Todo mundo. Devo... eliminar...
_ Eu não entendo. Não entendo, Id.
_ Você não precisa entender – Id pareceu estabilizar-se novamente – Mas, quando a hora chegar, basta aceitar do jeito que vier. Realidade e morte...
A imagem de Fei parecia mais sólida agora, e a de Id era quase transparente. Ele ia desaparecer. Com um sorriso cruel no rosto, ele encarou Citan uma última vez.
_ Eu vou te pegar no final... Até mais.

_ A porção emocional da atual personalidade de Fei foi selada por seu pai através de algum método – Citan prosseguiu a explicação na sala do trono da Rainha Zephyr, e todos o ouviam – E agora, com a fundação limpa da personalidade de Id. Em termos de computador, é como construir uma personalidade simulada no topo da porção compatível do sistema operacional.
“É essa a razão de Fei não ter qualquer memória de seu passado. Aqueles dez anos ou mais de memórias estão sob a supervisão de Id. Enquanto Id não entregar as memórias de livre e espontânea vontade... não há como Fei saber, já que ele nem sequer existia antes da época em que Id foi selado. A personalidade presente de Fei é uma forma subdesenvolvida que foi construída com base nos três anos morando em Lahan, estudando e aprendendo as reações de outras pessoas. Assim, ele não sabe como lidar plenamente com situações súbitas ou de emoções fortes.”
_ Elly, você é a pessoa que passou mais tempo com Fei – ele voltou-se para Elly – Então, eu presumo que você possa entender melhor. Não houve vezes quando ele ficava psicologicamente instável? Por exemplo, ele podia estar deprimido e, de repente, ter surtos de fúria...?
_ ... Sim.
_ Então, a personalidade presente dele é apenas temporária? – perguntou Jessie.
_ Não é isso o que estou dizendo. O Fei presente é uma personalidade única. É apenas que, estruturalmente, sua personalidade foi construída sobre a de Id, assim colocando Fei numa hierarquia inferior. É por isso que, quando Id está ativo, Fei não tem qualquer lembrança a respeito.
_ Significa, então, que ele pode eventualmente ser sobrepujado pelo Id? – Jessie questionou.
_ Sim, se fossem apenas Id e Fei – Citan confirmou – Mas esse não parece ser o caso. Id apenas se manifesta quando a energia mental de Fei está num estado enfraquecido. É um mistério em si mesmo que a personalidade subordinada, de Fei tenha qualquer controle sobre a personalidade de nível superior, de Id. É óbvio que existe uma terceira personalidade. Id chama essa existência ‘o covarde’.
“Na minha observação, este ‘covarde’ deve ser a personalidade fundamental de Fei. Em outras palavras, a manifestação de Id não é controlada por Fei, e sim pela personalidade conhecida como o covarde.”
_ ... Então, isso quer dizer o quê? – tornou a perguntar Jessie, e Citan explicou:
_ Ao mesmo tempo em que Id se ressente contra este covarde, ele também obviamente o teme. De um certo ponto de vista, este ‘covarde’ é quem está auxiliando o Fei atual a manter-se no controle. Eu não sei a razão pela qual esta terceira personalidade, perdoem-me, a personalidade fundamental de Fei, não se mostra. Se ele despertar, se tornará um com Id. Em outras palavras, há a possibilidade de que a personalidade completa original possa ser restaurada.
_ Isso aí é certeza? – perguntou Jessie.
_ Provavelmente. Mas eu não sei como despertá-lo. Antes que eu tivesse a oportunidade, Id desapareceu e se manteve assim desde então. Basicamente, enquanto nada aconteça a Fei que ponha em risco sua existência, Fei pode ser ele mesmo. Mas, os arredores não permitem tal oportunidade. Seria melhor para ele viver num lugar que fosse pacífico...

sábado, 23 de julho de 2016

Capítulo Quarenta e Seis Ponto Um

(...)

Ao mesmo tempo, na ponte de comando da Yggdrasil III, o alerta soou e um aviso incomum chegou a Sigurd:
_ Senhor!! O Gear está se movendo sozinho no hangar...
_ O quê? Mais detalhes!
Sozinho, no hangar da Yggdrasil, Weltall despertou. Deu dois passos adiante, e então se reconfigurou. Suas asas negras desdobraram-se, formando aletas vermelhas maiores, que o sustiveram no ar formando asas de energia verde pura. Toda a sua armadura se transformou, braços e pernas ganhando esporas e um aspecto mais agressivo, enquanto o que era metal negro tornou-se vermelho. Seu mestre o estava chamando, e poder algum no mundo poderia detê-lo. Sem piloto, ele ergueu-se ao ar e irrompeu pelo casco da Yggdrasil, cruzando os ares tão depressa que parecia gritar em sua velocidade, tudo para alcançar seu mestre numa estrutura enorme de metal semelhante a uma gigantesca flor, erguendo-se acima das nuvens.
Instantes depois, cada haste de pétala da flor começou a cintilar ao longe, lembrando uma curiosa árvore de natal. Do lado de fora, asas abertas e em posição de batalha, o Wyvern dourado de Ramsus aguardava.
_ Venha, venha, venha! Seu demônio... Eu vou me certificar de matar você desta vez!!
A luz vermelha, chamas ou poder puro, aproximou-se numa velocidade inimaginável de onde o Gear dourado flutuava. Longe de assustado, no entanto, Ramsus parecia quase feliz.
_ Isso mesmo, isso mesmo...! Heh heh... Ele fez esse caminho tão longo, só para ser morto... ugha-a-a-a-a-a-a-a-a!!!
E a luz colidiu com ele.
No interior do hangar de Solaris, onde a batalha se dera, Grahf desaparecera. No seu lugar, ao lado da Executora, estava Krelian, observando com algum interesse a plataforma semidestruída e ainda em chamas.
_ Lá se foi ele...
_ Sim, está claro – confirmou a Executora – Nenhuma comparação com toda a tralha inútil com que lidamos antes.
Um brilho prateado forte, e os trajes de Executora desapareceram para revelar Miang, agora em seu uniforme de oficial da Gebler, olhando com o mesmo interesse que Krelian para a cratera de metal retorcido deixada para trás.
_ Eu não acho que ele vá deixar o palco facilmente desta vez. A energia mental de Fei parece ter enfraquecido, e está semelhante aos ‘velhos tempos’ agora...
Miang voltou-se. Krelian parecia absorto em pensamentos, talvez nem mesmo tendo ouvido seus comentários. Ela não pôde se conter e riu, chamando a atenção dele.
_ O que é tão engraçado?
_ Os sentimentos dele não mudaram ao longo dos anos. Talvez você tenha sentimentos confusos?
_ Hmph. Não seja estúpida – Krelian retrucou, voltando-se novamente para a cratera fumegante – A propósito... E quanto a Ramsus?
_ Quer que ele a traga de volta? Tarde demais. Kahr já partiu.
_ Eu na verdade quero dizer que é uma perda de tempo... mas, acho que está tudo bem. Ele provavelmente tornou mais fácil controlar... Apesar de que...
_ O quê?
_ Como se pode continuar a lutar sem ter chances de vencer... – Krelian parecia novamente estar pensando consigo mesmo, mas Miang sabia do quê ele estava falando.
_ Não é isso o que você quer? Se bem que eu induzi você a se sentir assim. Mas, estamos quase lá. Nosso único verdadeiro exemplo de sucesso. Vamos cuidar bem dele.
_ Quais são as verdadeiras intenções dela... Nem eu mesmo sei.
Ambos contemplaram a cratera por um momento longo, perdidos em pensamentos que eram só seus. Um novo tremor, no entanto, pareceu despertar Krelian para a realidade.
_ Estamos de partida. Este lugar vai desaparecer em breve.
_ Eu concordo. Devíamos fazer ao Kahr um favor e salvá-lo... não devíamos?

Em outra parte, o som de jatos poderosos se fazia ouvir, mas não era como nos seus aposentos na nave capitânia da Gebler. Também não era a mesma sensação de pilotar Vierge; ela não sabia bem por que, mas algo estava fora do lugar ali. Fosse ali onde fosse.
_ Elly! Você está bem? Elly!
Elly abriu os olhos. Estava nas mãos de Seibzehn, a maior parte dos amigos ali, com ela, e Maria pilotando o Gear, sobre sua cabeça. Estavam alto, muito alto, e se afastando de Solaris que parecia a ela uma flor prateada gigantesca com pirilampos flutuando e piscando sobre suas pétalas. Citan estava inclinado sobre ela, com ar preocupado.
_ Elly? Você já recuperou a consciência?
_ ... Citan... Maria...?
_ É – Bart a ajudou a se sentar, apoiando-a pelos ombros – Fomos salvos quando fomos arremessados no céu. O resto da minha tripulação já foi apanhado e estão na Yggdrasil agora.
_ Ah...
Ela olhou ao redor. Os companheiros da invasão de Solaris estavam ali de fato, mas havia uma ausência que ela dificilmente deixaria de notar, mesmo sem ter despertado por completo.
_ ... Fei...? E quanto ao Fei? ... Ele também está na Yggdrasil?
Bart e Citan se entreolharam, como que hesitando em contar algo. E foi então que Elly percebeu algo mais.
_ Solaris!! ... Aquele Gear vermelho?!
Era a mesma máquina que surgira durante a exploração das ruínas de Zeboim, ela se lembrava. Um Gear poderoso que estava atacando Solaris sozinho, parecendo mais um demônio brincalhão, voando ao redor das estruturas e mergulhando nelas, desaparecendo num extremo para ressurgir em outro, arrastando metal e chamas consigo. Mas quando ele surgira?
­_ Citan, o que está acontecendo? O que aconteceu com o Fei?
_ Acalme-se, Elly. Fei... está bem.
_ Então ele já está na Yggdrasil, certo... Maria?
_ Acalme-se Elly – Citan tornou a contê-la, forçando-a a ficar sentada – Escute! Fei está pilotando aquele Gear. Aquele Gear na verdade é Weltall, em sua verdadeira forma depois da transformação.
_ O quê?! – Elly olhou alarmada para Citan, como se ele tivesse enlouquecido, e o catedrático voltou seus olhos para Solaris.
_ Um outro Fei dentro dele despertou. Fei e Id são a mesma pessoa.
_ Está brincando? Eu não acredito nisso!
_ Sem brincadeira – Bart apoiou, a expressão séria tão rara também voltada para o que acontecia em Solaris – Nós vimos com nossos próprios olhos. Em primeira mão, o momento em que ele se transformou em Id...
Acontecera quando estavam no hangar, contidos pela energia ether da Executora. Do ponto onde estava caído, Bart pôde ver seu amigo Fei gritar para que a outra parasse, mas ele não tinha como ouvir o som de pulsação que parecia ficar mais alto apenas para Fei, as mãos na cabeça baixa. E então ele se endireitou, o rosto voltado para o outro lado enquanto uma energia vermelha agressiva e familiar irrompeu dele, seu corpo todo parecendo mudar um instante antes do Omnigear vermelho que atacara a Yggdrasil no deserto surgir, arrebentando a passarela e detendo-se imediatamente atrás de seu mestre.
_ Fei... é o Id... – Elly murmurou baixinho, sacudindo a cabeça devagar e então enfatizando a negativa – Não sejam ridículos!
Seibzehn tomou o rumo da Yggdrasil, sendo recolhido e com seus passageiros correndo para a ponte de comando enquanto Weltall continuava sua destruição, mergulhando e irrompendo de Solaris enquanto as ramificações da cidade caíam, e seu suporte era enfraquecido a cada ataque. Sob a luz do alerta, Citan ordenou enquanto Bart assumia o timão:
_ Depressa, procure cobertura! A energia de base solariana descendo da atmosfera superior é equivalente a uma arma de reação!
O suporte principal que mantinha toda a estrutura de Solaris no lugar cedeu finalmente à pressão. Em meio a explosões múltiplas e fragmentação generalizada a flor metálica caiu, pétalas e miolo separando-se violentamente no processo enquanto, na ponte de comando da Yggdrasil, as ondas de choque das explosões causavam tremores violentos e Bart lutava para manter o curso e se manter de pé.
_ Vamos ser pegos na reação? – ele perguntou a Citan – Yggdrasil!! Toda velocidade à frente!!
Lá embaixo, o núcleo de Solaris finalmente atingiu o oceano e uma das ilhas menores sob eles. Conforme Citan previra, a colisão resultou numa explosão violenta que abriu céu e mar por toda a volta com violência, causando uma perturbação atmosférica que agitou a Yggdrasil como uma folha no oceano, todos agarrados como podiam em algo firme e Bart sustentando-se ao timão pelo que pareceu um minuto interminável.
Enfim, os tremores cederam e a luz do alerta deu lugar à iluminação convencional, e Bart caiu sobre o joelho, suspirando de alívio.
_ ......... Ufa........ Nós conseguimos... Sei lá como...?
Mal ele pronunciara tais palavras, a ponte de comando tornou a estremecer. Bart olhou ao redor, esquerda e direita, como se não tivesse certeza do que estava vendo.
_ ... E agora, o quê...?
_ É aquele Gear vermelho... !! – Franz alertou do radar – Está vindo pra cá...!!!!!!
Os tremores aumentaram mais e mais, e a luz do alerta tornou a iluminar a ponte em vermelho. Na tela principal, como já visto uma vez, o Weltall vermelho se aproximava, mais veloz do que os motores deles jamais poderiam igualar. E Bart se lembrava muito bem de como a última luta com aquela máquina terminara.
_ Praga! Ele nos viu!!
Subitamente, Citan voltou-se. Olhou pela ponte de comando, percebendo que alguém que estivera com eles havia desaparecido sem que notassem.
_ Elly?
_ Citan, e agora? – Bart perguntou no timão – O que fazemos agora?
_ Hã? O que... Está me perguntando o que fazer?
Mas Citan estava apenas adiando a resposta, a única disponível: ele não tinha a menor idéia. Não havia meio conhecido de fazer com que Id parasse, uma vez que aparecia. E ele não sabia como dizer isso a Bart, até que Franz tornou a falar:
_ Tem alguém no convés. É... Elly?!
_ O quê?
Do lado de fora, abalada pela aproximação de Weltall, a Yggdrasil estremecia violentamente, mas Vierge estava firme sobre ela. Da ponte de comando, Citan chamou:
_ Não, Elly! Volte imediatamente!!
_ Eu vou fazer isso... – Elly murmurou, toda a atenção voltada para o bólido vermelho que se aproximava – Então, por favor, deixem que eu cuide de tudo!
_ É perigoso demais!
_ Eu sei... Mas, é igual à vez em que Fei arriscou sua vida pra me salvar...
E ela apertou o manche, tensa, lembrando-se de quando o uso da ‘Drive’ a tornara mais agressiva, e ela enfrentara Fei.
_ É a minha vez de salvar Fei... Se isso puder salvá-lo, não me importo com o que possa me acontecer!
_ Elly...
Não havia mais o que ser dito, ou feito, pois Weltall pousou sobre o convés diante de Vierge no instante seguinte. Com seu Gear em guarda, Elly abriu o canal de comunicação e viu o rosto de Id em seu painel. Mas, agora, sabia quem era de verdade.
_ ... Fei.
_ Heh – fez Id – Você. Veio pra morrer, hein?
_ ... É. Se é isso que vai satisfazer você, então me mate. Agora...
Vierge abriu a guarda, os dois braços abertos , claramente se oferecendo como alvo. E Weltall ergueu a cabeça enquanto Id sorria com pouco caso.
_ Hmph... Boa menina... Agora morra!
Weltall avançou, rápido demais para ser detido mesmo que Vierge tentasse, e seu punho direito atravessou o ventre do Gear de Elly sem dificuldade.
E o braço esquerdo de Vierge agarrou seu cotovelo, e seu bastão prendeu-se sob seu pescoço, para surpresa de Id.
_ O quê? ... Solte.
_ ... Fei... – Elly estava lutando com os controles, num tremendo esforço para manter Weltall contido enquanto seu painel de comando faiscava e o sistema de danos alertava sobre o estrago maciço que Vierge sofrera. Mas ela se manteve firme.
_ E-eu não vou soltar! Nunca! Fei... Por favor, volte a ser o verdadeiro Fei!!
Vierge golpeou o ventre de Weltall com seu bastão, e diante da surpresa de Id, o Anemo Bolt de Elly afetou aos dois Gears. Em meio aos gritos dos pilotos, Elly tornou a chamar:
_ Fei, por favor!!
Uma segunda descarga de eletricidade atingiu aos dois Gears, e era tudo o que Elly poderia fazer. A pressão no braço de Weltall cessou e Vierge caiu sobre o convés da Yggdrasil, libertando o Gear vermelho. No entanto, Id não se moveu.
_ Tch... Essa mulher... Eu sabia...
A consciência de Fei estava voltando, lutando para se impôr e chamando por Elly com esforço. Id praguejou, mas já sabia que não havia o que fazer.
_ ... Maldi... ção... Ele está... acor... dando...
Weltall caiu em seguida, e Id sentiu sua consciência ceder. Não havia mais o que pudesse fazer, teria que dar a vez novamente.

domingo, 17 de julho de 2016

Capítulo Quarenta e Seis

Capítulo 46 - Id



Por quanto tempo todos ficaram imóveis sobre a passarela do hangar, ninguém saberia dizer. Parecia uma eternidade, e não pode ter levado mais do que segundos. O transe foi quebrado apenas quando o vulto sombrio se materializou do nada atrás deles, ordenando:
_ Deixem a garota aqui.
Todos se voltaram, exceto Elly, ainda abraçada ao corpo da mãe. Grahf estava no outro extremo da passarela, acompanhado pela Executora que, tempos atrás, pedira ao Kaiser Sigmund que transferisse Fei e Weltall para o Bloco D de Kislev. E Fei se colocou em guarda, com Billy e Bart a seu lado.
_ Grahf! Droga, numa hora como essa! Preparem-se todos!
Na verdade, ele estava quase grato pela emergência que requeria sua atenção; tudo estava acontecendo depressa demais, e ele não gostava quando isso acontecia. Quando os eventos fugiam demais ao seu controle...
_ Acorda, Fei! Estamos indo! Billy...
_ Estou pronto!
Bart, Rico e Emeralda avançaram ao mesmo tempo, o Campeão incomumente nervoso. Lembrava-se de Grahf sobre o Golias, lutando e causando dano pesado em Stier, de mãos nuas. Mas, afinal, também havia o que dissera a Fei quando se uniram para salvar Kislev: ele não precisava de qualquer desculpa para lutar com quem ficasse em seu caminho, e foi o primeiro a alcançar o estranho encapuzado.
_ Punhos de Dragão!
Com um salto os imensos punhos de Rico se abateram sobre Grahf, que conteve um após outro sem sequer recuar, empurrando o gigante verde um passo para trás.
Rico então se firmou, completando o ataque com um gancho que certamente arrancaria até a máscara de Grahf... caso tivesse feito contato. Grahf tornou a afastar o punho de Rico e girou, chutando-o e mandando-o para trás.
Bart chicoteou imediatamente, pegando Grahf em meio ao chute e prendendo sua perna com o chicote direito, aproveitando para bater com o esquerdo e pará-lo. Sabia pelas histórias contadas que não devia subestimar o estranho sombrio, e usou uma de suas técnicas mais poderosas:
_ Astral!
Através do chicote Bart enviou ether direto contra Grahf na forma de pequenas ondas de choque, antes de puxá-lo, derrubá-lo e tentar atacar novamente.
Grahf agarrou o chicote enquanto caía e puxou Bart em sua direção, atingindo-o com um Senretsu perfeito, mais poderoso do que os de Fei, fazendo-o cair aos pés de Billy, como Rico.
_ Divisor!
Emeralda literalmente desmanchou-se, as nanomáquinas que formavam seu corpo se desfazendo para cruzar o ar na forma de partículas e atingindo Grahf em sua passagem, e pela primeira vez ele pareceu sentir dor, tombando sobre os joelhos com um gemido abafado enquanto a menina se recompunha logo atrás dele, voltando-se com um olhar perigoso que desmentia sua aparente pouca idade.
E uma explosão de trevas engoliu a tudo de repente, fazendo todos desaparecerem por um instante. E enquanto a Executora mantinha seu ataque de ether, Grahf saltou para trás e ergueu a mão direita, o brilho de ether intenso em sua palma.
E ele arremessou aquela luz na forma de um jato maciço de ether de vento sobre a área escura. E novamente, com a mão esquerda. E direita, e esquerda, até conter-se para lançar um ataque final mais poderoso.
_ Fukei!
Uma explosão de vento uniu-se ao ataque sombrio da Executora e, quando a escuridão se dissipou, estavam todos no chão. Grahf pousou então, olhando com superioridade para os adversários caídos.
_ Acredito que seja o suficiente. Agora, se puderem ficar de lado...
_ Ainda... não.
E então ele viu Fei, de pé e em guarda. Não saíra ileso do ataque, nenhum deles saíra, mas ele estava de pé na frente de Billy, e o jovem padre também parecia menos ferido.
_ Billy, você está bem...? Consegue se levantar?
_ E-estou... bem o bastante, Fei... Luz Sagrada!
Um vento luminoso rodeou a Fei, Billy e a todos os seus companheiros, curando a todos. Tão logo tinham sido libertos por Citan, Bart e ele combinaram que, num caso extremo, Billy ficaria à parte do combate.
“De todo mundo, você é o único que pode colocar todo mundo de pé numa tacada só – Bart dissera, parecendo sério – Deixa que a gente encara a briga. E ao primeiro sinal de que as coisas não vão bem, você recupera todo mundo. É isso, ou pode ser que ninguém saia daqui. Entendeu?”
Fora impressionante, como sempre era nos momentos raros em que Bart se mostrava sério. Mais surpreendente, no entanto, era ver que Fei parecia bem capaz de continuar lutando, mesmo que ele não pudesse curá-lo. E à frente de Billy, com suas mãos estendidas e a cabeça baixa, Fei parecia muito estranho. Seu espírito de luta estava evidente, e por um momento pareceu que ele estava em igualdade de condições com Grahf, se não mais poderoso. E ele encarou o mascarado.
_ Foi um dos golpes... do nosso estilo, não foi? Este seu último ataque...
_ ... E se tiver sido? – Grahf cruzou os braços, mas Fei pareceu ignorá-lo.
_ Saia do caminho. Eu já disse antes... Não vamos entregar Elly!
_ Como quiser. Estou indo!
Fei atacou ao mesmo tempo que Grahf e, diante dos olhos de todos, os dois começaram a atacar e se defender com os golpes máximos do estilo de artes marciais que ambos usavam. Era impressionante ver Fei acompanhando o outro em velocidade e força, mas também ficou evidente a diferença de forças quando a sequência de golpes do Senretsu foi aplicada e anulada golpe após golpe pelos dois, e o final explosivo lançou a ambos para trás.
“Os golpes do Fei têm menos força – Bart percebeu – Grahf consegue afastar ele mais a cada impacto, e reage mais depressa também. Praga! Ele tá indo bem, mas se continuar assim...”
Repelidos por um Hagan simultâneo os dois se puseram em posição e atacaram, agora com um Koho que terminou com outro soco explosivo, e Fei deslizou para trás por um segundo a mais do que Grahf, que saltou novamente e ficou suspenso no ar.
_ ... Nada bom – murmurou Rico entre dentes – Aquele golpe de ether de novo. O Fei não vai conseguir desviar...
Mas essa não parecia ter sido, em absoluto, a intenção de Fei. Saltando também e, para a surpresa de todos, mantendo-se suspenso no ar, Fei Fong Wong recuou a mão direita e ela cintilou com ether da mesma forma que a de Grahf, como num movimento de espelho, e a surpresa de ninguém era maior do que a do mascarado.
“Aquilo... O Fukei? Que bobagem! Uma técnica avançada de ether que só viu duas vezes, nunca vai conseguir...!”
Mas, num espelho aos movimentos de Grahf, Fei começou a golpear para frente, lançando o que parecia ser uma sequência de Tiros Guiados extremos, sem se preocupar em bloquear os ataques do outro. E então Rico, depois Citan, depois os demais, entenderam por que ele parecera mais fraco que Grahf até então.
“Entendi! Ele estava fazendo menos força de propósito nos outros golpes!”
“Ao reservar forças para o golpe final...” pensou Citan.
“... ele também fez Grahf esperar menos força dele.” Bart entendeu.
“Agora, ele está atacando mais depressa e com mais força...” observou Billy.
“... e Grahf não está conseguindo acompanhar – Elly concluiu – Mas, sem se defender... Fei!”
Os dois oponentes gritaram ‘Fukei’ ao mesmo tempo, mas Fei conseguiu lançar seu ataque primeiro e atingiu Grahf no momento do ataque final, diminuindo o dano sofrido para si. E os dois foram lançados para trás, num impacto potente de ether.
_ Fei! – Elly correu até Fei onde ele caíra, parecendo mais ferido que Grahf, mas tentando se erguer – Fei, aguente firme! Billy, por favor, venha depressa...!
Grahf caiu de pé, mas foi arrastado com força para trás e precisou de esforço para conter o impulso contrário. Seu manto fora rasgado, sua armadura e máscara danificadas. Ele estava muito surpreso.
_ Hm, você melhorou – Grahf comentou, não sem admiração na voz – No entanto...!
Foi então que um Gear cinzento desconhecido surgiu, voando até se posicionar entre Grahf e a Executora e seus adversários, e a voz de Erich se fez ouvir.
_ Eu vou cuidar disso. Todos vocês, fujam agora!
_ Pai!
O rifle do Gear de Erich estava apontado para os dois algozes, mas longe de causar preocupação, isso pareceu apenas divertir a Executora.
_ Hahaha... Vocês dois mimam demais a sua filha...
Com um gesto displicente, a Executora começou a liberar de si uma quantidade de energia ether rósea que parecia absurda, como se fosse um gerador inesgotável. No ato, o corpo Gear começou a faiscar, uma centelha mais proeminente formou-se no seu ventre, e todos puderam ouvir Erich lutando contra os instrumentos. Quando o Gear começou a sacudir, no entanto, o resultado ficou claro.
_ E-Elly... Vá... Agora... – Erich balbuciou, o painel de controle faiscando e tornando quase impossível para ele pilotar – Elly, não importa o que aconteça, acredite em si mesma e siga em frente. Ficaremos gratos em ajudar de qualquer forma que pudermos. Isso é o mínimo que eu posso fazer... para compensar...
_ Pai!
_ Elly... Você é a filha de Medena, e minha filha, não importa o que haja... Então...
Uma nova explosão, a voz de Erich silenciou enquanto seu Gear tombava à direita da plataforma em que eles estavam, desfazendo-se em chamas.
_ Pai!!!
_ Ah, será que eu exagerei? – perguntou a Executora, voltando-se com pouco caso na direção da trilha de fumaça deixada pelo Gear – Vocês nem tiveram tempo de dizer adeus. Mas, não se preocupe; eu farei com que se reúnam do outro lado...
_ ... Como pôde fazer aquilo... ao meu pai!!
E Elly voltou-se para a Executora e Grahf, agora a energia ether fluindo ao seu redor com tal intensidade que parecia fazer par com a da oponente, e entre os ventos que se intensificavam, a Executora parou de rir.
_ ... Ter tamanho controle do Ether num estado não-desperto... Impressionante. Porém...
E o ether começou a emanar com intensidade ainda maior da mascarada, uma flutuação de energia tão intensa que não apenas Elly, mas todos os presentes na plataforma viram-se de repente aprisionados e torturados pelos lampejos. Rico, Billy, Bart, Emeralda e Chu-Chu, e Citan e Jessie. E Fei então percebeu que, apesar de também sentir a dor, era de alguma forma capaz de resistir.
_ Ggh...! Elly... Pessoal...!
Elly estava enfrentando a Executora como podia, mas era claro que não ia suportar a pressão por muito tempo. Estavam perdendo terreno...!
Em algum lugar em sua mente, Fei pôde ver novamente o crucifixo de prata. Pôde vê-lo cintilar no auge do seu balanço, enquanto era tocado pela luz. Estava no escuro, e havia um garotinho de cabelos revoltos caídos sobre os olhos atrás dele, rindo.
“Hee hee hee... Apenas continue dormindo.”
E na passarela do hangar, em meio à energia ether agressiva da Executora e da presença de Grahf, Fei gritou de raiva e de dor.

sábado, 9 de julho de 2016

Capítulo Quarenta e Cinco Ponto Um

(...)

Elly tentou se soltar, mas Hammer não relaxou o aperto, colocando-a entre ele próprio e os demais.
_ O q-que... O que está fazendo? Hammer?
_ Não se mova! Eu estou falando sério!!
_ Não seja idiota! – Fei se aproximou, mas Hammer recuou um passo e levou Elly consigo, voltando a pistola para Fei novamente – O que aconteceu? Hammer!?
_ Eu prometi a um homem chamado K-Krelian... – a arma tremia em sua mão, enquanto os olhos pareciam tentar manter a todo o grupo sob vigilância ao mesmo tempo – E-ele não vai ‘mudar aquilo’ se a Senhorita Elly for devolvida...
_ Hammer!! Desgraçado!!
Rico deu dois passos adiante, e Hammer voltou a pistola para ele, agora quase parecendo se explicar.
_ Eu na verdade também não quero fazer isso com a Senhorita Elly. É sério, eu gosto muito dela. Mas, mas eu... Eu... Não tenho outra escolha! Porque eu não sirvo pra nada... Não tenho força feito o Mano, nem tenho miolos igual ao Doc! – sacudiu a cabeça, e pareceu que seus olhos estavam úmidos – E-eu sei... Todo mundo pensa em mim como um cara chato útil que fala demais... Eu sei disso...
_ Ah, Hammer... – Rico balançou a cabeça, parecendo estar com pena.
_ Eu sou diferente de vocês todos! – Hammer recuou mais um passo, tentando apontar a arma com atitude – Eu não sou especial como vocês! Um cara ‘normal’ feito eu não tem escolha, a não ser fazer isso!! N-não... Não se mova! Pare! Pare!!
E tinha voltado a pistola agora para Medena, que se destacou por entre todos e foi caminhando, devagar e sempre, em sua direção. Fei fez questão de dizer alguma coisa, mas Bart o deteve com um gesto. E Medena respondeu, com a voz baixa:
_ Eu não vou parar. Nunca – e olhou firme nos olhos de Hammer, que vacilou – ... É a minha filha que está em perigo... e eu sou a mãe dela!!
_ Hya...
Hammer estava tremendo mais do que nunca, a arma hesitando, enquanto Medena caminhava a um passo por vez, sempre olhando para ele enquanto dizia:
_ Eu nasci e fui criada em uma família normal. Eu não sou um soldado como meu marido e minha filha. Eu nunca toquei numa arma antes, muito menos ter uma apontada para mim... É por isso que estou tremendo... Mas eu não posso evitar – avançou mais um passo – Eu sou uma mãe ‘normal’. Então, existem coisas que eu preciso proteger...
Hammer não conseguia agir. Ele não conseguia se afastar, ou manter a arma apontada, ou fazer qualquer coisa que fosse. Medena, parada a cerca de cinco passos dele, voltou sua atenção para Elly.
_ Elly, venha para cá, devagar. Não se preocupe. Eu vou proteger você, não importa o que aconteça.
_ M-mãe...
Mesmo Elly não parecia capaz de agir naquele momento. O aperto de Hammer em seu braço afrouxara devido à tensão, mas o risco da situação a estava detendo. Medena certamente notou isso, tornando a dizer:
_ Elly, venha para cá, está tudo bem.
Lentamente agora, Elly começou a caminhar na direção da mãe. Ver a moça se afastando pareceu despertar Hammer, que ergueu a arma novamente e tornou a falar:
_ ... Não! Não se mova! Não! Não!
Mas a arma tremia demais, e Elly não tinha coragem de se voltar. Passo a passo ela se aproximou da mãe, que apesar de tudo parecia estranhamente serena, sorrindo para a filha.
_ Está tudo bem, Elly. Venha.
Estendeu a mão para a filha e tomou as dela, como provavelmente fizera quando a moça ainda era apenas uma criança pequena, e estava aprendendo a andar. Moveu-se devagar, tomando Elly entre os braços e se colocando entre ela e Hammer. Devagar, sempre devagar, ela a moveu suavemente na direção de Fei. Ainda sem olhar para trás, tremendo muito, empurrada gentilmente pela mãe, Elly caminhou passo a passo até o rapaz, tão ansioso quanto ela própria.
_ Fei!
Hammer moveu-se lá atrás, tentando manter Elly na mira, mas Medena moveu-se para esquerda, tornando a bloquear a visão dele.
_ ... Não!! Não é pra ir! Não... não...!
Elly deu outro passo. Mais um. E outro...
_ Não... Não é pra... Não...
A mão estendida de Elly segurou a de Fei, e ela deu o passo final na direção dele.
BLAM!
Enfim, veio o som de um disparo. Fei olhou com preocupação para Elly, que olhou com preocupação para ele.
Ela não fora atingida, ele constatou com alívio. Ele não fora atingindo, ela suspirou. Mas, então...?
_ Mãe?!
Medena tombou sobre os próprios joelhos e então, com o rosto ao chão. Hammer, a pistola fumegando na mão estendida, parecia tão surpreso quanto todos os demais. Surpreso e aterrorizado.
_ ... Hya... hya... aaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh...  Waaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa...!
A arma caiu da mão de Hammer e ele voltou-se, correndo de volta para Solaris e desaparecendo pela mesma porta por onde eles todos tinham vindo no que, agora, parecia fazer tanto tempo. Elly correu até onde Medena estava caída e se ajoelhou, chamando por ela.
_ Mãe? Mãe... Mããããeeee...!

  

XENOGEARS

Small Two of Pieces

Run through the cold of the night
As passion burns in your heart
Ready to fight, a knife held close by your side
Like a proud wolf alone in the dark
With eyes that watch the world
And my name like a shadow
On the face of the moon

* Broken mirror, a million shades of light
The old echo fades away
But just you and I
Can find the answer
And then, we can run to the end of the world
We can run to the end of the world

Cold fire clenched to my heart
In the blue of night.
Torn by this pain, I paint your name in sound
And the girl of the dawn, with eyes of blue and angel wings,
The songs of the season are her only crown

* Repeat

We met in the mist of morning
And parted deep in the night
Broken sword, and shield,
and tears that never fall
But run through the heart
Washed away by the darkest water
The world is peaceful and still....

* Repeat

(eu sei, não é nem perto do tamanho ideal do post. Pra compensar, vai toda a letra da música em inglês. E, se estiverem com um tempinho, que tal ver o clip com ela tocando? Tem uns spoilers aqui e ali, mas se começar a assistir em 1:17 mais ou menos, acho que dá pra ouvir a música sem estragar muito a surpresa. Bem, divirtam-se!! ^_^)

sábado, 2 de julho de 2016

Capítulo Quarenta e Cinco

Capítulo 45 – Frustrações


_ Elly!! – Fei sorriu, muito mais aliviado do que sonhara possível. Elly estava bem! Tinham conseguido resgatá-la ilesa! E apenas depois de alguns segundos a mais ele percebeu que ainda estava segurando as mãos dela.
_ ... Hã... Você tá bem?
_ Fei... – Elly sorriu com ternura, também parecendo levar um instante a mais para perceber que não estavam sozinhos, e que estava olhando demais para o rosto de Fei, e desceu da mesa onde estivera – S-sim... Sim, estou ótima.
_ Viu, desculpa interromper os dois – Bart chamou com olhar vazio do elevador de Krelian – mas essa não é a hora pra uma reunião carinhosa.
_ Depressa, venham por aqui.
Billy estivera analisando o elevador de Krelian e, através de uma leitura no computador, conseguiu encontrar uma escotilha secreta por baixo da plataforma, e por ali fugiram.
Enquanto isso, tiros eram trocados diante do Gerador de Portão de Solaris, e Jessie recebeu a chegada de Citan com uma bronca.
_ Por quê é que demorou tanto? – ele perguntou, sob o som dos disparos do exército de Solaris – Já levei bala demais! Anda logo e explode eles de uma vez!
_ Eu lamento – Citan respondeu, enquanto Jessie respondia ao fogo com sua carabina e os disparos continuavam a riscar o piso metálico – Tenho outras questões a resolver.
_ ... O que diabo você está fazendo? – Jessie perguntou, detendo-se por um momento ao ver onde o companheiro estava. Distraidamente enquanto digitava um código de entrada num painel de controle, Citan respondeu:
_ A serviço de Sua Majestade...
_ Está falando do Imperador...? Tem certeza, Hyuga...? – e tornou a disparar.
_ Sim. Sua Majestade entende a situação. Ele... diz para deixarmos tudo com ‘eles’...
Jessie não respondeu, fosse por estar ocupado demais mantendo as tropas opositoras do outro lado do gerador ou por estar admirado demais que até o Imperador estivesse do lado deles, de certa forma. E após mais um momento, Citan acenou afirmativamente.
_ Isso! Está pronto!! Senhor!!
_ ... Beleeeeeza! – Jessie sinalizou de volta – Tamos caindo fora!! ... Hã?!
Pois uma porta paralela se abrira e, dela, parecendo alheio aos disparos que cruzavam a passarela, Kahran Ramsus caminhou impávido até estar próximo ao gerador, e olhar para os dois ex-companheiros de forma estranha... quase como se estivesse em transe. Ignorando Jesiah, ele perguntou:
_ Onde está ele...? Hyuga...
_ ... Kahr...?
_ Então... Você também... Mesmo você está me traindo.
O olhar parado e as mãos trêmulas de Ramsus eram uma visão tão incomum que mesmo Jessie não parecia encontrar algo para dizer. Nos anos em que trabalhara com o atual comandante da Gebler, ele sempre fora racional e distante, quase indiferente demais. O que lhe acontecera para estar, de repente, não apenas demonstrando nervosismo mas mal parecendo capaz de se controlar? E, Jessie percebeu, mesmo Hyuga parecia surpreso.
_ Kahr, nós apenas estamos em situações diferentes. Eu não pretendia trair você. Apenas decidi permanecer com o grupo de Fei.
Obviamente, Citan escolhera mal as palavras pois, à menção daquele nome, o pouco auto-controle de Ramsus aparentemente desapareceu.
_ Você disse ‘Fei’? Você também... Está do lado dele... Eu nunca vou perdoar você! NUNCA!
_ Kahr, tá certo que você é um inimigo – Jessie perguntou, incapaz de se conter – mas por quê está tão obcecado com o garoto?! Você não era assim antes!
_ Cale-se! Eu tenho que acabar com ele com minhas próprias mãos...
Ramsus ergueu as mãos trêmulas, parecendo mais descontrolado do que nunca. Não havia mais como esconder os tremores ou a voz, e tal foi a surpresa que Jessie chegou a baixar a carabina. Gesticulando com impaciência, Ramsus voltou-se para eles com raiva.
_ E todos vocês trabalhando com ele são meus inimigos! Inimigos roubando ‘as minhas coisas’! Inimigos! Inimigos, inimigos!!
_ K, Kahr...
Jesiah ficou tão surpreso com uma explosão tão infantil vinda de Ramsus quanto Citan, mas ainda estava concentrado o suficiente em sua tarefa ali para puxar o amigo pelo braço com urgência.
_ Ei, estamos de saída! Eu não sei o que aconteceu, mas não tenho tempo de lidar com ele agora!
_ Mas...
_ Hyuga!!
Já estavam desperdiçando tempo demais e, fosse qual fosse o problema, não resolveriam seu assunto com Ramsus de uma hora para outra. Era preciso que se fossem, e Citan também sabia disso.
_ ... Entendo...
Citan correu para a saída, e Jessie deteve-se mais um instante para olhar para o ex-companheiro, de pé na plataforma oposta e olhando para ele com raiva e desapontamento. Voltaria a pensar naquilo depois... De preferência, bebendo alguma coisa na Yggdrasil, e bem longe dos tiros da força de defesa de Solaris. E, enquanto o som da explosão do gerador o seguia rumo aos corredores da rota de fuga, Jessie pensou ainda poder ouvir o grito frustrado de Ramsus seguindo-o.
_ Seus, traidores...!!

Neste ínterim, Fei, Bart, Billy e Elly seguiram pelos túneis subterrâneos da saída de emergência de Krelian até chegarem ao ‘ponto de encontro’ demarcado antes, o que Fei reconheceu de pronto quando, ao passarem por uma porta, Emeralda gritou:
_ Ah, é o Fei!! Fei que é Kim está aqui!!
Todos os amigos que o tinham acompanhado na invasão de Solaris estavam ali reunidos. E, para a sua surpresa, não apenas eles.
_ Pai! Mãe!
Elly separou-se deles para abraçar os pais, tão aliviados quanto ela própria. E Rico, numa amostra rara de gentileza, deu um tapa no ombro de Hammer.
_ Devia agradecer ao Hammer! Ele buscou seus pais na hora certa. Certo, Hammer!?
_ Hã... É... F-foi isso mesmo...
_ M-muito obrigada, Hammer – Elly separou-se dos pais e abraçou Hammer, que parecia mais do que sem jeito. E também Erich o cumprimentou.
_ Gostaríamos de agradecer a você, também. Eu nunca pensei que veria minha filha novamente... Muito obrigado, Hammer.
Uma porta lateral abriu-se, e Citan e Jessie chegaram correndo por ela. E enquanto o pistoleiro lacrava a passagem, o doutor se fez ouvir.
_ Escutem todos, não temos tempo a perder. A fim de não nos destacarmos demais, deveríamos nos dividir em dois grupos. Fei, você já fez muito, mas eu gostaria que seguisse à frente e levasse mais dois membros com você. Siga rumo a sudoeste daqui e cruze duas pontes móveis de contato. Lá, você encontrará um hangar que levará ao exterior. Nos reuniremos na base da ponte próxima.
_ Eu desliguei alarmes pra tudo quanto foi lado enquanto estava quebrando portões – comentou Jessie – Mas ainda tá perigoso. Cuidado!
_ Eu irei de antemão ao hangar – Erich se adiantou – e vou conseguir uma carona para nós. Solaris está em confusão no momento, então, se for sozinho, posso fazer alguns contatos.
_ ... Está certo – concordou Citan – Por favor, não se arrisque demais.
_ Sim, eu sei. Elly, Medena... Até mais tarde.
_ Querido – Medena segurou as mãos do marido por um instante – Por favor, tenha cuidado.
_ Pai...
Erich sorriu para Elly e saiu por uma porta a oeste. Fei seguiu adiante com Bart e Billy, e os demais acompanharam em grupos separados, enfrentando pouca oposição enquanto seguiam. Citan e Jessie estavam certos, a população não esperava que os prisioneiros do Ministério pudessem escapar, muito menos destruir o Gerador de Portão, e estavam em pânico. A grande maioria das forças de defesa estava lutando contra o incêndio e tentando reparar os danos, restando poucos para deter a fuga deles.
Não tardou para que chegassem, enfim, ao hangar, uma extensa pista de decolagem que terminava na vastidão dos céus. Os três amigos se entreolharam, satisfeitos. Emeralda e Chu-Chu estavam comentando alegremente como o céu estava azul e Citan pareceu ao mesmo tempo grato e aliviado ao vê-los.
_ Ótimo! Com vocês, completamos o grupo. Logo adiante está a saída. Vamos.
_ P... Parem!!
Todos se voltaram ao ouvir a voz trêmula de Hammer, agarrado com firmeza ao braço de Elly e apontando uma pistola para eles, particularmente Fei, mais próximo. Diante das expressões surpresas de todos, ele disse:
_ Estou pedindo à Senhorita Elly pra voltar comigo!!