Capítulo 42: Fugindo de Solaris
Fei logo descobriu que não ter mais a ajuda de Elly
não era ruim apenas porque se acostumara à presença da moça e porque lhe
parecia estranho fazer qualquer coisa que fosse sabendo que ela não estaria
mais ao seu lado; ao ganhar as ruas de Solaris e ter que ler sua sinalização, e
agir como Elly aconselhava para não despertar suspeitas, Fei sentiu-se
terrivelmente confuso por um momento.
“Sempre soube que ia ser assim –
ele sacudiu a cabeça, organizando as idéias – A Rainha Zephyr e até o Bart já
tinham mencionado que ia ser difícil pra Elly lutar contra Solaris. Uma coisa
era enfrentar Gears desconhecidos ou do ‘Ethos’, e outra bem diferente foi ter
que ir contra a própria família. Não, isso deve ser o melhor pra ela”.
O conhecimento da verdade não
bastava, no entanto. Era melhor se concentrar no que tinha diante de si,
encontrar os amigos e libertá-los como pudesse... e esperar que Elly dessa vez
o ouvisse, e abandonasse o exército.
O caminho lógico a se seguir era
o inverso do que tinha feito para chegar até ali, e ele procurou se recordar do
prédio por onde ele e Elly tinham passado por um sensor de DNA. Ainda estava
pensando em como enganaria o aparelho desta vez quando uma voz rude o
interrompeu:
_ Ei, você!! Não é aquele da
cerimônia de dedicação...?
Fei praguejou em silêncio.
Estivera agindo de forma natural e esperando se misturar com a multidão, mas
não levara em conta que ao fazer aquela trilha ao contrário, estava se
dirigindo para um local com vigilância maior e menos público com o qual se
confundir. Antes que pudesse responder, o guarda apontou-lhe uma arma de cano
duplo.
_ Você está preso! Agora, passe
por aquela porta!!
Por coincidência, era a mesma
passagem que pretendia tomar. Tanto melhor, então. Depois que deixasse a área
vigiada, daria um jeito de dominar o outro. Estava mesmo com disposição para
uma briga depois dos acontecimentos recentes, e não causou problemas até que
estivesse do outro lado, entre o sensor de identificação e o guarda.
_ Não posso atravessar essa
passagem... O que pensa que vai fazer comigo?
_ Como eu suspeitava. Você não
sabe de nada...!
E, diante dos olhos desconfiados
de Fei, o guarda removeu o capacete branco que até então ocultara suas feições,
revelando um rosto sorridente por trás de óculos de lentes quádruplas.
_ Doc!! Citan, por que está aqui?
_ Eu vi a imagem de Bart na
Avevisão durante a cerimônia.
_ Então você também viu, Doc?
_ Sim. Mas não vi você, ou Elly.
Pouco depois, eu ouvi que havia um intruso no segundo andar da Área Arebato.
Suspeitei que provavelmente fosse você, então esperei aqui. Depois daquilo, não
ouvi coisa alguma sobre a captura de qualquer outro intruso.
_ Incrível – Fei sorriu – E como
soube que eu viria pra cá?
_ Bem – Citan ajeitou os óculos
sobre os olhos – a melhor rota possível para penetrar no Palácio é através da
comporta de lixo. E, para retornar ao terceiro andar, alguém teria que passar
por esta torre de observação. E, aproveitando o momento...
Citan cruzou os braços, a
expressão entediada.
_ Você acha que poderia, se
possível, ser um pouquinho mais sutil? Quando se infiltra em terreno inimigo, a
coisa mais básica a se fazer é agir de forma imperceptível. Com toda a comoção
que causou, você poderia até despertar os mortos.
_ Bom, na verdade – Fei baixou a
cabeça, embaraçado – eu estava tentando ser sutil...
_ A propósito, o que aconteceu
com Elly? Ela não estava com você?
Fei voltou-se, olhando para o
sensor de identificação. Sem Elly ele não teria passado por ali
anteriormente... mas não poderia mais contar com ela.
_ Elly... Ela voltou pra casa.
Ela realmente não devia ter qualquer relação conosco, habitantes da terra. Ela
já tem pais tão maravilhosos...
_ Entendo – Citan respondeu,
compreendendo mais do que tinha acontecido do que Fei quisera dizer – Sim. Pode
ter sido melhor para ela desta forma. Vamos, então, para a calha de lixo. Um
instante, Fei...
Citan passou pelo sensor de
identificação sem qualquer cerimônia e digitou algo num painel lateral, e Fei
percebeu que a máquina fora desativada.
_ Depressa Fei, eu pude enganar o
computador de controle, mas o sistema está sempre se refazendo; vai voltar a
funcionar a qualquer momento!
Fei atravessou depressa o
bloqueio, e então notou que embora a habilidade de Citan em embaralhar o
sistema não fosse de todo algo estranho para ele, havia algo de errado ali.
_ Doc, espera um pouco. Como é
que você consegue passar por aqui? De acordo com a Elly, apenas cidadãos da
Primeira Classe e pessoal do exército conseguem passar...?
_ Hein? Ah, bem – Citan ajeitou os
óculos, parecendo curiosamente atrapalhado – Isso foi... Ah, e-eles
provavelmente... ainda não apagaram minha identificação dos dias em que eu
estava no exército, e ela continua armazenada no banco de dados. Incrível, não,
o quanto a monitoração de Solaris anda relapsa...? Hahaha...
E Citan tomou o rumo do labirinto
que Fei antes percorrera com Elly, seguido pelo rapaz confuso logo depois.
Com a supervisão de Citan, Fei
não teve qualquer dificuldade em percorrer o caminho contrário do labirinto, ou
alcançar o nível dos cidadãos de Terceira Classe de Solaris, até encontrar a
calha de despejo e descer por ela. Havia um painel de controle à direita do
duto que lembrou a Fei do acesso ao Forte Jasper, quando Bart esquecera como
abrir e Margie tomara a frente, e Citan foi até ele com o ar pensativo de
sempre.
_ Provavelmente, poderemos entrar
com o auxílio deste botão...
Fei ficou observando enquanto o
doutor digitava códigos e símbolos desconhecidos se mostravam no painel.
Diferente da maioria dos computadores nos quais Citan mexia, no entanto, aquele
parecia estar dando uma boa luta, e o rapaz percebeu que algo ia mal pela
expressão do amigo.
_ Nada bom... Precisamos de um
cartão para ativar o Vac-Sys... Então, o que faremos...?
_ ‘O que faremos’? Você não tinha
um plano??
_ Não, receio que não – Citan
abanou a cabeça, sempre refletindo – Presumi que nós simplesmente pensaríamos
em alguma coisa...
Com uma das mãos à cintura e
outra diante dos olhos, Fei começou a se perguntar se a maneira de agir de Bart
era contagiosa quando alguém chamou atrás deles.
_ Esperem!
Diante dos olhares surpresos de
Fei e Citan, Elly Van Houten desceu pela mesma passagem que eles tinham tomado
e deteve-se, ofegante, diante os dois.
_ Ora, Elly, é você!
_ Elly? O que está fazendo aqui?
_ Bom... – Elly respondeu, de
olhos baixos – Depois daquilo, quando eu estava chorando, minha mãe veio até
onde eu estava e disse... ‘vá com eles’...
O momento estava bem nítido nas
lembranças de Elly. Estava sentada em sua cama, sem de fato aceitar a forma
como a situação se resolvera, quando ouviu a porta abrir.
_ Elly...
Não se voltou. Continuava
envergonhada pelo que tinha dito, e embora quisesse se desculpar com a mãe, não
encontrava as palavras certas para isso. E aquele embaraço não estava ajudando
em nada sua disposição já abalada.
_ Elly, eu acho que você deveria
viver sua vida da forma que desejar. Se as pessoas a quem ama estão passando
por dificuldades... você não pode abandoná-los.
_ Mãe...
Era algo que ela queria ouvir,
mas o alívio vinha acompanhado de uma necessidade ainda maior de se desculpar.
E ela continuou de costas para a mãe, colhendo as palavras com dificuldade.
_ Eu sinto muito... Me desculpe
pelo que eu disse antes...
_ ... Eu sei – Medena acenou, de
olhos baixos – Mas não há dúvidas de que você seja minha filha. Não importa o
que aconteça... eu amo você.
Sem dizer palavra, Elly se voltou
com um sorriso triste em seu rosto. Fei estava certo, ela não era uma estranha.
Ou não seria tão difícil para Elly aceitar que, ao sair de sua casa novamente,
provavelmente não tornaria a ver Medena. Não havia como, a seu ver. E ela
abraçou a mãe, escondendo o rosto.
_ Mamãe...
_ Eu sei, querida – Medena
sorriu, afagando os cabelos da filha – Agora... É melhor que se apresse.
_ Eu sei – Elly se afastou,
enxugando os olhos – Tome conta de você, mamãe.
Sem outra palavra, Elly correu
para fora do quarto, apenas para encontrar o pai diante dela na porta. Apesar
de sério, no entanto, ele parecia saber exatamente o que ela pretendia fazer, e
não a estava detendo.
_ Elly... Fique com isto.
Elly reconheceu o cartão de
acesso de nível militar de Erich. Com aquele cartão, mesmo dentro do Palácio,
não deveria haver passagem que fosse manter-se fechada para ela.
_ Pai...?
_ Ser humano é ser capaz de
escolher seu próprio caminho na vida – Erich disse, de olhos baixos. Também
sabia que aquilo provavelmente seria um adeus; como dissera antes a Fei, no
entanto, não havia mais nada que pudesse fazer.
_ ... Pai.
Ouviram um som vir do lado de
fora, e Erich voltou-se para o salão principal, suspirando.
_ Parece que a polícia militar
chegou. Venha, você pode ir enquanto eu falo com eles.
Elly acompanhou o pai escada
abaixo até que chegassem ao salão principal. E havia soldados em vestes negras
especiais, liderados por um oficial comandante todo em vermelho, que se deteve
diante de um surpreso Erich.
_ A Guarda Imperial...? Por que
estão aqui ao invés da polícia militar...?
Sem responder, o comandante fez
menção de passar por Erich e alcançar Elly, mas foi detido.
_ O que está fazendo? – Erich
agarrou o braço do homem – O intruso partiu. Minha filha não tem nada a ver com
isso!
_ Lamento, Senhor Erich – o
comandante soltou o próprio braço – Deve entregar sua filha a nós. São ordens do
Senhor Krelian.
_ O Senhor Krelian? O que ele
quer com a minha filha... O quê? Não vai me dizer que... O plano de Gazel...?!
_ O senhor não necessita saber –
o comandante voltou-se para seus homens – Levem-na!
_ Deixem minha filha em paz! –
Erich, antes que qualquer um pudesse se mover, sacou a pistola e retirou a arma
da cintura do comandante, colocando-o sob mira – Ou então...!
_ Pai?
_ O-o quê? – pela primeira vez, o
comandante da Guarda Imperial parecia ter perdido a frieza imparcial – Senhor
Erich! Por acaso perdeu o seu juízo?
_ Eu estou perfeitamente bem –
Erich apontou sua pistola para os outros soldados, mantendo a do comandante
contra o próprio – Deixem ela em paz!
_ As ordens do Senhor Krelian são
as ordens do Imperador – um dos soldados argumentou – Percebe o que vai
acontecer com a sua posição se desobedecer esta ordem? Vai ser rebaixado a
cidadão de Terceira Classe!
_ Eu sei disso. Mas, mesmo que
seja uma ordem do Senhor Krelian, eu não vou permitir que minha filha se torne
um instrumento das pesquisas dos Gazel. Elly, vá! Eu cuido disso!
_ Mas...
_ Não se preocupe comigo. Vá
ajudar Fei.