sábado, 25 de junho de 2016

Capítulo Quarenta e Quatro

Capítulo 44: Por Trás das Cortinas


 Krelian pareceu satisfeito com o que conseguira, tomando mais algumas notas num computador portátil e olhando para Elhaym, ainda contida e agora desacordada. Então, deixou o aposento.
A porta mal se fechara atrás dele quando tornou a se abrir, dando passagem a outro homem, uma pessoa de túnica púrpura e cabelos brancos, que riu nervosamente enquanto a porta fechou-se sozinha atrás de si. E ele tornou a rir sem qualquer razão ao percorrer o caminho entre a porta atrás de si e a mesa onde Elly continuava presa.
Foi talvez a consciência de que não estava mais sozinha ali que fez com que Elly despertasse. Havia alguém de pé ao seu lado, mas não era Krelian.
_ Comandante?!
Kahran Ramsus estava olhando para ela com olhos estranhos, quase transtornados. Passado o primeiro instante, ele agarrou o ombro de Elly e seu rosto ficou severo, assustando a moça.
_ O que está...?
_ On...e...?
_ O quê? – Elly não saberia dizer a princípio se estava aturdida depois do confinamento ou se fora o próprio Ramsus quem não conseguira articular sua pergunta da forma adequada, mas ela não conseguira ouvir o que ele perguntara. E ele pareceu se irritar, apertando ainda mais o ombro dela.
_ Onde...? Estou perguntando a você aonde!!
_ I-isso dói! P-por favor! Por favor, pare!
_ Onde ele está?! – Ramsus sacudiu o ombro de Elly – Onde?! Eu sei que você sabe! Leve-me até ele!!
_ De quem está falando quando diz ‘ele’... Está falando do Fei?
_ Fei, Fei, Fei – Ramsus soltou o ombro de Elly, dando-lhe as costas e parecendo falar sozinho – Fei isso... Fei aquilo...
Elly percebeu, então, que algo não estava certo na conduta de Ramsus. Mais do que o descontrole tão incomum do frio comandante, ele parecia completamente fora de si, caminhando para o centro da sala enquanto continuava a falar sozinho:
_ Fei...! – e voltou-se para ela – Em que sentido ele é mais superior do que eu?! Não vou aceitar isso. Não vou!! Errrrg...
Sua mão esquerda saltou para um bolso de seu casaco, retirando um pequeno frasco branco. E ele o agitou com inquietação sobre a palma direita, e o movimento de levar a mão à boca disse a Elly tudo o que precisava saber.
_ R, Ramsus... Essa droga... Um estabilizador mental...? Por que está tão abalado? O que está te forçando a passar por tudo isso? O que aconteceu entre você e Fei...
_ Hahahahahaha..... Maldito Fei... – ele gargalhou de cabeça erguida, aparentemente só tendo ouvido o nome que Elly dissera – Eu vou te mostrar... Eu... Hahahahaa...
Visivelmente transtornado, o comandante da Gebler deixou o aposento, sob o olhar perturbado da prisioneira.
_ Ramsus...

_ Fei, aguenta firme aí!!
A consciência voltou devagar e dolorosa a Fei. Continuava na estranha sala dos monitores, mas eles estavam desligados. Ele também não estava mais atado à contenção, e estava sendo apoiado por seus amigos Bart Fatima e Billy Black. E, embora estivesse confuso e atordoado, ele podia ver mais alguém de pé diante de si...
_ Fei, tá acordado? Anda! Vamos logo!
Mas Fei estava clareando a própria mente, os eventos mais recentes voltando devagar enquanto ele percebia o homem vestido de verde, com óculos de lentes quádruplas e de pé, diante dele e dos amigos.
_ ....... S...... Seu traidor!!
Fei tentou se lançar sobre Citan, impassível diante dele, mas seus braços foram agarrados por Bart e Billy à sua esquerda e direita.
_ Ô, p-pára aí! Fei!
_ Me larga, Bart!! – Fei continuou se debatendo – Ele nos traiu!! Ele traiu a nós e à Elly!
_ Pára, Fei! Cê tá enganado!
Mas Fei não parecia estar ouvindo, se debatendo mais e mais para livrar-se de Billy e Bart e alcançar Citan, que permanecia imóvel e de olhar baixo diante dele.
_ Larga! Larguem de mim!
_ Acalme-se, Fei! – Billy pediu com autoridade – Bart não está mentindo, foi Citan quem nos ajudou!
_ Billy...?
O choque fez com que Fei parasse enfim de se debater, olhando interrogativamente para Billy. E Bart resmungou:
_ Hmph... Se o Billy fala, você presta atenção... Tá, vê se escuta com cuidado! Aquele Limitador está implantado nos nossos corpos. Nesse instante, essa instalação de pesquisa é o único lugar em que dá pra remover eles! Citan enganou Krelian e os outros caras e trouxe a gente aqui pra remover o Limitador!
_ O quê? – Fei olhou para os dois amigos, para Citan e de volta para Bart – Mas o Doc só estava... Quero dizer... É sério?
_ É!
Fei voltou-se para Citan. O rosto do amigo continuava com o mesmo olhar inalterado, e agora Fei parecia perceber uma espécie de exaustão na atitude do catedrático. Parecia ter passado por uma longa provação.
_ Doc?
_ ... Esta não foi a única razão pela qual eu os trouxe até aqui – Citan acenou afirmativamente, parecendo incomumente sério – Aqueles que desejam se tornar independentes de Solaris precisam conhecer a atual situação e sua verdadeira forma. Quem está fazendo o quê, e por que. Ostensivamente, eu recebi uma ordem secreta do Imperador para contatar os corpos desejados pelo Ministério e enviar os dados... E, se possível, recuperar os corpos.
Citan ajeitou os óculos, mantendo os olhos baixos então antes de concluir:
_ Esse era o meu dever. Como resultado, eu não tive outra escolha a não ser enganar vocês. Por favor, me perdoem.
Fei, Bart e Billy se mantiveram em silêncio por um momento, ponderando sobre o que fora dito. Não fora uma farsa total, então, o motivo pelo qual Citan os levara até Solaris. Mas, o mais importante, ele tinha se aproveitado da ordem de seus superiores para ajudar a eles, e não o contrário. Pouco importando como tinham sido as circunstâncias, podiam continuar confiando no doutor. Isso era suficiente.
_ Entendo...
_ Além do mais – Citan continuou – eu próprio tinha uma questão que precisava ser verificada nesta instalação...
_ Como assim? – Fei perguntou, mas Citan acenou em negativa.
_ Direi a você depois que escaparmos daqui. É algo que você precisa saber.
Fei pareceu confuso, mas Bart veio adiante e cortou o assunto.
_ Aliás, Citan. Você removeu o Limitador do Fei, não removeu?
_ ... O quê...? Ah... S-sim, claro... Isso é...
_ Tá beleza então! – Bart bateu as mãos, entusiasmado, sem notar o embaraço de Citan – Vamos cair fora daqui!
_ Espere! – Fei interrompeu – O que aconteceu com a Elly? Não estavam com ela?
_ Elly foi levada para o laboratório de pesquisas de Krelian – Citan respondeu – Não havia como ser evitado. Sinto muito.
_ Por que só a Elly...?
_ Eu não sei – Citan tinha outra vez a mão sob o queixo e o ar pensativo – mas há uma coisa que me incomoda... Quando Krelian levou Elly, eu tive a chance de conseguir a informação celular dela. Analisando-a, descobri algo muito interessante... Perdão, eu quis dizer... incomum. Não há Limitador implantado nela.
_ Sem Limitador? – Billy perguntou – Mas, isso não é porque Elly é de Solaris?
_ Mesmo cidadãos de Solaris têm um Limitador implantado quando nascem – Citan respondeu, meneando a cabeça – Há exceções para certas pessoas, como eu próprio e Ramsus, cujos Limitadores podem ser removidos posteriormente através de tratamento, tal qual o que eu fiz em Bart. Mas você deve ter permissão do Ministério para fazê-lo.
_ É por isso que... Elly...? – Fei perguntou, imaginando se seria a razão para que a levassem ao laboratório de Krelian, mas Citan tornou a negar.
_ Deve haver mais razão do que isso. Eu não sei qual seria, mas Krelian está muito absorto com os dados dela.
_ Eu não tô nem aí pra a razão! – Bart bateu os punhos – Por enquanto, vamos salvar a Elly e cair fora daqui ligeiro!
_ Você tem razão – Billy apoiou – Se cometermos algum erro aqui, estou colocando o grupo que foi ajudar os pais de Elly em perigo. Citan, nós iremos ao laboratório particular de pesquisa de Krelian como planejado. Nos vemos no ponto de encontro.
_ E quanto ao Doc...? – Fei olhou dos amigos para Citan.
_ Ainda resta algo a ser feito – Citan respondeu – Eu irei destruir o último portão.
Fei notou, então, que havia uma espada embainhada na cintura do doutor. Era a primeira vez que via Citan armado, e admirou-se muito.
_ Doc! Uma espada...?
_ ... Sim – Citan voltou-se, ocultando a lâmina da visão de Fei – Yui a deu para mim quando eu estava partindo. Eu costumava usar esta arma antes de conhecê-la. Por muito tempo, no entanto, eu jurei não tornar a utilizar uma espada para matar. Mas, agora não é a hora certa para meditar sobre moral. Não é justo que eu seja o único ‘inocente’.
Fei sentiu que seu respeito pelo doutor tinha sido restaurado. Ele compreendia bem o peso do que estavam fazendo, e que ao libertá-los para lutar com o máximo de suas capacidades, livres dos Limitadores, haveria baixas dos dois lados. E depois de seus atos, ele era tão responsável por isso quanto qualquer um dos outros, e assumiria o peso do que fizesse.
_ ... Entendo... Mas...
_ Sim?
_ ... Você acaba sendo sempre muito calculista, Doc...
Citan ajeitou os óculos sobre os olhos.
_ ... Está na minha natureza. Eu lamento, me perdoem.
E tomou o rumo por onde Fei entrara naquela sala, soltando a espada em sua cintura. E Bart chamou atrás dele:
_ Oi! Citan! Deixa que eu cuido da situação do Fei e da Elly! Agora que o Limitador foi removido, Solaris não tem a menor chance!
_ Ah, sim! – Citan voltou-se da porta – A propósito, jovem, quanto aos efeitos da remoção do Limitador... Os resultados não vão aparecer assim, tão depressa. Seus Limitadores físicos já foram removidos naturalmente. A parte que removi foi a seção psicológica. Ou seja... o medo e veneração subconscientes pelo Ministério e o Imperador foram removidos. Basicamente, vocês serão capazes de lutar contra eles sem qualquer medo ou hesitação. Não é que você tenha de repente se tornado mais poderoso.
O sorriso de Bart murchou consideravelmente, enquanto a empolgação anterior diminuía.
_ S-sério...?
_ Muito bem, vamos em frente! – Billy comandou – De acordo com Citan, o laboratório de Krelian deve estar logo abaixo de nós!
   

OF THE WORLD...

domingo, 19 de junho de 2016

Capítulo Quarenta e Três Ponto Um

(...)


_ O q-quê...! Ei, você está bem Elly? Elly?!
Nada. Nem a visão, nem a voz nem qualquer som vindo de Elly. Fei podia muito bem estar sozinho naquele corredor.
_ Elly! Doc... Citan!
Nada. Absoluto nada foi a única resposta.
_ Droga! Nos pegaram! Elly! Citan! Onde vocês estão!?
Luzes de emergência foram ativadas, então, uma tênue luz azulada no rés do chão e nas paredes, parecendo conduzir sempre adiante. Sem qualquer outra alternativa, Fei acompanhou o corredor até a porta seguinte, e passou por ela.
Pela meia luz, Fei podia ver que estava num compartimento amplo e espelhado. A porta selou-se sozinha assim que ele passou por ela, e após o primeiro impulso de voltar, ele se deteve e chamou:
_ Elly... Doc... Estão aí?
Enquanto caminhava, chamando pelos amigos, ele alcançou o centro da sala. Luzes ofuscantes foram acesas... Não, era iluminação comum, mas as paredes não eram meramente espelhadas, como lhe parecera. Cada um dos blocos era na verdade um monitor, mostrando a princípio apenas telas brancas para então alternar em telas de barras coloridas, e Fei então reparou no imenso aparato sobre si.
_ O quê...? I-isso...
Flashes brilhantes e luzes estroboscópicas seguiram-se, desnorteando o rapaz até que ele caísse, sem perceber que estava gritando em meio à dor aguda em sua cabeça.
Quanto tempo ficara desacordado, Fei não tinha como saber. Seu despertar foi lento, ele estava atordoado e confuso, e olhou ao redor enquanto tentava se lembrar do que se passara.
_ Huh... O-onde...
O aparato sobre a sala, agora, era claramente um equipamento de contenção. Quatro suportes ligados aos cantos do salão o mantinham aprisionado, suspenso e de braços colados ao corpo, no centro do que era uma área cujas paredes eram formadas pelas telas de monitores.
_ Hã...? Isso é... – Fei se debateu, mas foi inútil. Aquelas algemas eram de algum metal que não conhecia, mas apesar do aspecto frágil das hastes que o mantinham suspenso, estava claro que eram mais fortes do que ele.
_ Hmmmmph! Não consigo... soltar.
Quatro telas holográficas formaram-se ao redor de Fei, como um cubo. Ainda se debatendo, ele ficou confuso ao reconhecer uma imagem familiar de escuridão, chamas e um Gear negro lutando entre elas.
_ Uh... Isso é...
A imagem alterou-se, mostrando um Gear vermelho desconhecido cruzando o céu. E novamente o Gear negro numa postura de defesa familiar em meio a um incêndio noturno, e depois o Gear vermelho que era, ao mesmo tempo, estranho e familiar.
_ O quê é isso?! – Fei exigiu, olhando ao redor como se houvesse alguém com quem ele pudesse falar ali – Por que está me mostrando isso?!
O silêncio e as imagens repetidas foram a única resposta. Fei novamente tentou soltar os braços, sem qualquer sucesso, e a frustração cresceu.
_ Quem?! Quem fez isso?!? Elly! Doc! Onde vocês estão?! Onde...
Todos os monitores da sala foram ativados então, e a imagem de um rosto pálido, sem cabelos e com uma máscara respiratória sobre a boca e o nariz olhou de volta para Fei de cada canto da sala. E a voz por trás daqueles olhos hostis respondeu:
_ Você desempenhou este espetáculo. Essa voz é daquele que o assombra... Amaldiçoado, intocável... Ó filho amado do deus, aquele que impede nossas orações... Pegue... Destrua... Queime com o fogo do deus...
_ O que...?
As telas deixaram de mostrar os Gears em suas duas imagens diferentes. Ao invés disso, as quatro começaram a mostrar um estranho globo flutuante, com monitores que mostravam mais rostos cadavéricos ocultos por máscaras respiratórias, e um homem vestido em verde diante do mesmo globo, olhando para ele.
_ Doc?! E-esses sujeitos? O que é isso?!
Não houve resposta. Ao invés, a tela à esquerda de Fei mostrou uma sucessão de pessoas familiares deitadas no que pareciam leitos de hospital. Primeiro, um rapaz loiro de um olho só vestido em trajes vermelhos; depois, um rapaz ainda mais jovem num hábito verde de padre. E Fei parou de se debater.
_ Bart? Billy?! Doc, o que está havendo?! O que estão fazendo...? Doc! Responda!
_ Um dos Anjos Guardiões de Solaris está aqui – o ancião nas telas respondeu, ao invés – Hyuga Ricdeau.
_ Este homem é Cain – um segundo ancião prosseguiu – Recebendo as ordens daquele conhecido como o Imperador. Você adentrou o reino dele, e esteve sob sua supervisão contínua.
_ O Anjo Guardião de Solaris? – Fei não podia acreditar – Me monitorando?
_ Ah, sim – o ancião respondeu – Nós guiamos Solaris e até mesmo selecionamos o ‘Animus’ que foi atraído a você. E o guiamos até aqui, para Solaris.
_ O ‘Animus’ é necessário para a nossa ressurreição – um terceiro ancião se pronunciou – Estes são nossos corpos. Este, o que possuímos.
_ Sim, esta é a única razão pela qual existimos – outro ancião acrescentou, e Fei não acreditava ter compreendido.
_ Os corpos de Bart e dos outros pertencem a vocês? Isso é verdade?! Doc! Do quê eles estão falando?
Citan não respondeu em absoluto, meramente mantendo os olhos sobre Fei. E outro dos anciões se manifestou.
_ Por que tão apreensivo? É porque você foi vendido por aquele em quem confiava?
_ Eu não estou falando com vocês! – Fei retorquiu furioso, voltando o olhar para Citan – Doc, me responda!
_ Três anos – a tela esquerda desapareceu e também mostrava Citan, que finalmente parecia disposto a responder – Por três anos, eu estive ao seu lado. Eu tinha que determinar se você ia ser nosso inimigo ou não.
_ ... Vingança?
_ Sim, o inimigo – um dos anciões interrompeu – Sua existência é uma ameaça para nós...
_ Era necessário ficar de olho em você – outro ancião falou.
_ Aquele que ordenou que você fosse vigiado foi Cain – um terceiro disse, seguido por um quarto.
_ Estávamos planejando o amadurecimento do ‘Animus’ e seu extermínio. Nós também enviamos Hyuga a você.
_ No entanto, cada tentativa de exterminá-lo falhou... por causa daquele lixo que não serve para nada.
_ Mesmo assim, nós agora possuímos ‘Animus’. Hyuga cumpriu bem com seus deveres.
_ É... isso...? – Fei perguntou de olhos baixos, o cabelo ocultando o rosto – Você estava agindo pra esses caras... É por isso que você... Todo mundo...
Se o que era dito era verdade, os amigos tinham sido levados até ali desde o início por Citan... ou Hyuga, qualquer que fosse seu nome. E ele também...
_ Por quê!? – Fei bradou, tornando a se debater – Você fizeram sempre as coisas do seu jeito conosco, habitantes da superfície! Vocês já têm o mundo! O que mais vocês querem?
_ Você deve saber, a esta altura – respondeu um dos anciões – que nós planejamos ressuscitar Deus.
_ Deus vai despertar de seu longo sono depois que o homem tiver povoado a terra... Então, Mahanon também vai despertar.
_ O Paraíso Aéreo Mahanon? – Fei perguntou, detendo-se por um momento – O lugar que caiu na terra...
_ Paraíso... Hah hah hah. Sim, pode ser uma descrição adequada... Nossa arca... No bloco central do senhor, ‘Mahanon’ está selado. Esta é a fonte da sabedoria de nosso deus... Um paraíso de conhecimento...
_ Usando tal conhecimento, nós vamos ressuscitar o deus desperto e construir nossa ‘arca’ para nos levar ao grande universo.
_ A construção de nossa arca... para reinar sobre as forças do deus neste grande universo... A criação do anjo ‘Malakh’. O Projeto M era para este mesmo propósito.
_ O que querem dizer?!
_ Somos órfãos neste universo. Fomos jogados neste planeta em solidão juntamente com o deus.
_ Nós, humanos, não nascemos neste planeta. Há muito tempo, nós viemos para cá de outro corpo celeste. Nós somos seres de um planeta alienígena.
_ Isso é ridículo! – Fei abanou a cabeça.
_ É a verdade – um ancião replicou – Você viu as variadas regiões deste mundo. Por que acha que não há registros de humanos antes de dez mil anos atrás...?
_ Esta é a vontade de nosso deus. A ressurreição do deus esteve destinada desde o tempo anterior ao gênese...
_ Nós seremos um com o deus. Conquistando um novo ‘Animus’... Nós mais uma vez retornaremos aos céus estrelados...
_ Este é o sentido de nossa existência.
_ Este é o nosso supremo objetivo.
_ ... Então, não estão planejando usar o poder de Solaris para dominar o mundo? – Fei perguntou.
_ É claro que não – um dos anciões respondeu, como se fosse óbvio – Qual o sentido que há em ter o controle de um planeta tão insignificante quanto este? Deus nos deu o direito de governar pelo universo.
_ Sim. Apenas nós, que não carregamos o sangue impuro, temos o direito ao perdão...
_ Assim, nós ressuscitaremos o deus.
_ Já faz uma eternidade desde nosso exílio do paraíso. Se o tempo da ressurreição do deus não vier, teremos que seguir o caminho da destruição. Mas...
_ Tendo conseguido ‘Animus’, nossa ressurreição está próxima... A seguir, é a vez da ressurreição de nosso deus.
A tela diante de Fei tornou a mudar. Ao invés do computador onde o Ministério existia como dados e Citan diante deles, uma figura de rosto jovem e cabelos brancos apareceu.
_ Krelian?!
_ Este aqui apenas aguarda pelo despertar – Krelian murmurou inexpressivamente.
As quatro telas mudaram. Todas agora, ao invés de Citan, o Ministério ou Krelian, mostravam uma moça de cabelos ruivos, deitada e inconsciente, presa a uma máquina de propósito desconhecido.
_ Elly?!!
Todas as luzes se apagaram.

Num andar mais abaixo, Krelian deixou seu elevador e passou adiante do leito de análise ao qual Elly estava aprisionada, ignorando-a a princípio. Ativando o equipamento de bioleitura, ele retornou à sua plataforma e começou a ler os dados da análise e forçando sua atenção para as máquinas, apenas. Era realmente impressionante...
_ Onde estou...?
Ela despertara. Era preciso manter-se sob controle.
_ Olhei nos seus registros – Krelian voltou-se para Elly, que se admirou ao reconhecê-lo.
_ K-Krelian... Comandante?
_ Elhaym Van Houten – o rosto do cientista não traía qualquer emoção a não ser um certo brilho nos olhos, que poderia ser o interesse diante de uma nova experiência – Aquele incidente na academia de Jugend a um ano atrás... Caso 102. A liberação de seus poderes latentes derivada da administração sistemática de drogas de fortalecimento mental. Naquele instante, seu valor de Ether se elevou além de 400. E, naquele momento, dois foram criticamente feridos e três necessitaram de reciclagem. Estou correto?
_ Por favor, pare! – Elly afastou seu rosto, e assim não viu Krelian voltar sua atenção para o banco de dados diante de si.
_ Mas, este registro está errado. Não foi um caso comum de efeitos colaterais mentais incontroláveis. Isso foi causado pelo despertar de seu ‘outro eu’ interior.
_ Meu outro ‘eu’...? – Elly tornou a olhar para Krelian sem compreender. Mas, lembrou-se, havia preocupações mais urgentes no momento – Onde está Fei? Onde estão todos...?
_ Serão utilizados como uma oferenda para a ressurreição do Ministério Gazel – Krelian respondeu distraidamente, ainda operando seus painéis – O mesmo destino aguarda aquela menina, o organismo artificial. Já retirei amostras suficientes dela. Estou adiantado, já no quarto estágio do meu plano. Tudo de que preciso agora é o fator final. Assim sendo, seus amigos não são mais de qualquer uso para mim. São dispensáveis. Mas, você é diferente.
_ Está planejando enviá-los para o mesmo destino que aquelas pessoas na instalação de pesquisa! Tudo isso pelas suas próprias ambições egoístas... Sabe o que está fazendo?! Pessoas brincando com as vidas de outras pessoas. Isso é deplorável!
_ Entendo... – ele terminara com seus painéis e agora olhava para ela – Então, você viu a instalação de pesquisa. Atualmente, os pesquisadores de Solaris estão trabalhando em engenharia genética lá embaixo. É só um ninho para tolos que aprenderam o prazer desprezível de brincar com suas próprias criações orgânicas. Eles procuram apenas serendipismo e inumanidade. Aquele não é meu lugar. Eu me especializo em engenharia molecular... Nanotecnologia.
Voltando-se por um momento e digitando algo num painel diante de si, Krelian fez uma tela holográfica ampla surgir diante de si, de forma que mesmo da posição em que estava, Elly seria capaz de ver.
_ Sabe o que é isto? – ele indicou o gráfico, formado basicamente de globos verdes com estruturas amarelas no interior de cada um – Uma nanomáquina... Uma máquina molecular. Este é o montador, que é uma daquelas nanomáquinas. Ele pode quebrar moléculas e átomos e reconstruí-los em qualquer coisa.
“Cada uma destas esferas – ele prosseguiu, mostrando com as mãos do que falava – é equivalente a um átomo. Até recentemente, éramos apenas capazes de produzir materiais que tinham várias vezes o tamanho disto. Graças àquela menina, a que obtivemos das ruínas da civilização Zeboim, agora somos capazes de tornar isto compacto e elaborado. Pensar que tal mecanismo foi criado há 4000 anos. É realmente impressionante”.
“Até que descobríssemos isto, o trabalho era um tanto grosseiro. O melhor que poderíamos possivelmente fazer até então era aplicar soluções de aminoácidos em áreas feridas para aperfeiçoamento, ou selar quaisquer habilidades peculiares. Tenho certeza de que você teve alguma exposição aos genéticos quando estava na Jugend. Cada tipo daquelas enzimas dentro do DNA... também são máquinas moleculares que foram criadas pela natureza. Isso é, se formos de fato a progênie do próprio primeiro organismo”.
_ O que você espera conseguir usando essa máquina molecular? Que conexão eu tenho com isso?
_ ... Embora as nanomáquinas até agora pudessem recombinar o DNA, elas não podiam revelar qualquer informação nos introns localizados nos substitutos da hélice dupla – ele mostrou uma nova imagem, uma projeção da molécula orgânica – No entanto, as nanomáquinas mais novas descobriram facilmente estes dados. Dados que originalmente ‘não deveriam ter existido’. E estamos prestes a ver os resultados disto.
Krelian digitou algo em seu painel e o resultado foi uma tela púrpura onde o globo verde desapareceu, e um sinal de alarme indicando erro. Longe de desapontado, no entanto, ele pareceu intrigado.
_ Hm, de acordo com os dados transferidos, ele demonstra uma frequência de onda similar, como esperado. E...
Do nada, para surpresa de Elly, um anel móvel que girava interminavelmente e mantinha-se encolhendo e crescendo surgiu no centro da tela. E mesmo a expressão impassível de Krelian pareceu repleta de satisfação.
_ Sim, o Anel de Urobolus...! É isso, não é...? Os atos de Miang, e Lacan... Isso explica tudo. Elhaym – ele voltou sua atenção para Elly – você foi a ‘mãe’...
_ Mãe...?
_ Sim. É assim que seu exon se parecia antes da substituição... Esta é a forma em conceito do intron que carrega informação que, supostamente, não deve existir. Observe. Este é o Anel de Urobolus, que contem ‘informação de intron’ que apenas existe em ‘certas pessoas’. Urobolus... Caso anatomizássemos tal coisa – ele pareceu divagar nas especulações – Não ficaria interessada em que tipo de informação ele teria a nos oferecer?
Elly não respondeu em absoluto. Não entendia tanto de nanobiologia para compreender tudo o que Krelian estava dizendo, e nem importava mais do que os destinos de seus amigos. E Fei... Onde ele se encaixava nisso tudo? Estaria em segurança, ou...?
_ Elhaym, você é bela.
Elly tornou a voltar sua atenção para Krelian, incapaz de ignorar o comentário. E ele estava olhando para ela como se fosse uma pintura ou escultura maravilhosa.
_ Quando olho para você, eu aprecio o aspecto artístico da forma humana, sua perfeição... Não posso deixar de sentir a importância disso – e baixou os olhos, parecendo pesaroso – Como se minha máquina molecular fosse indigna de você.
Elly sentiu suas faces ruborizarem. De todos os locais, e circunstâncias, aquela certamente...
_ Você não mudou desde então – Krelian prosseguiu, quase como se falasse para si mesmo – Assim como o outro, Lacan... 

Em outro lugar, os monitores estavam desligados. Fei Fong Wong estava semiconsciente. Depois de tudo o que ouvira, tudo o que fizera... Ainda parecia difícil acreditar...!
_ Ugh...
Um som se fizera ouvir atrás dele, como se a porta tivesse sido aberta novamente. Ele levou algum tempo para focalizar, para perceber que aquilo acontecera de verdade, e havia uma figura de pé, diante e abaixo dele, contido como estava no centro da sala.
_ Está consciente? – perguntou Citan.
_ Doc...
_ É impossível se mover – Citan comentou, sem expressão – Esta máquina cortou fisicamente seus sinais nervosos. Você não será capaz de levantar um dedo, pouco importando o que sua mente diga.
_ ... O que é que vai fazer comigo? – Fei balançou a cabeça, que parecia a única parte do corpo que ainda podia mover – Com Bart e os outros? Onde está Elly?
_ Não se preocupe... Eles têm seus papéis... Você tem o seu. Eu simplesmente investigo.
Fei teve o impulso de fechar os punhos em frustração, mas como Citan dissera, apenas aconteceu em sua mente. Aquilo até parecia o mesmo Citan de quem se lembrava, a curiosidade acima de tudo, mas era uma versão distorcida e cruel do seu amigo. A pessoa de quem se lembrava nunca o teria traído.
_ Maldito... Isso... O que eu estava...
_ Assim, a batalha foi lutada... É o que diz? Isso foi discutido anteriormente pelo Ministério...
_ Que praga! – Fei olhou para baixo, ao menos ainda capaz de encarar o interlocutor – Nós não nascemos pra ser usados por eles! Não fizemos todo o caminho até Solaris pra isso! Eu, nós, todo mundo... Nós só queremos criar um lugar ao qual possamos pertencer... É por isso que estivemos lutando...! Mas agora...
_ É muito mais fácil receber um lugar ao qual pertencer do que criar um por si mesmo – Citan ajustou os óculos sobre o nariz – Não entende nem sequer um conceito simples como este?
_ Só o verdadeiro...! – Fei começou, mas Citan o interrompeu.
_ Ideais infantis empalidecem quando postos diante da realidade. Mas, na verdade, muitos se dão por satisfeitos com isso. Ao se ganhar um lugar, a pessoa se liberta de quaisquer riscos. Os infortúnios podem ser responsabilizados a outros. Sabe por que as pessoas não conseguem existir sozinhas, mas apenas sob algum conceito maior, tais como um grupo ou país? As pessoas precisam de um lugar para ir e serem elas mesmas... Quanto mais estável, mais eficiente.
“O Ministério dá a elas tal lugar. Sob total vigilância, não há necessidade de carregar o risco de manter a própria individualidade. Eles simplesmente vivem sob a ilusão de ser um ‘indivíduo’. O que poderia ser mais fácil?”
Fei desviou os olhos. Não podia se soltar e não tinha como evitar ouvir, mas ao menos podia tentar não prestar atenção. Embora Citan parecesse não fazer caso disso.
_ Fatos são fatos, então simplesmente os aceitemos. Será mais simples para todos nós. A resistência é fútil. Só torna as coisas dolorosas.
_ Eu... Eu...
_ Ainda pretende fazer algo a respeito? – Citan pareceu admirado – Olhe para si mesmo... O que acha que, possivelmente, pode fazer nesse estágio? Você não pode se mover. Não pôde sequer proteger seus amigos que lutaram com você, quando eles precisavam. Não pôde sequer proteger a pessoa mais importante da sua vida, Elly.
_ Pare! – Fei jogou a cabeça para trás, outra vez pensando em fechar pulsos que não obedeciam – Por favor!
_ Você não pode fazer nada – Citan deu-lhe as costas com indiferença, e Fei sentiu que não poderia suportar muito mais.
_ Pare... com isso...
As luzes tornaram a se apagar, e um som metálico forte se fez ouvir. Após um instante de silêncio, a voz de Citan tornou a se fazer ouvir.
_ Agora, podemos ficar à vontade e falar... Id...
  


WE CAN RUN TO THE END

sábado, 11 de junho de 2016

Capítulo Quarenta e Três

Capítulo 43: O Laboratório de Krelian



Através de uma porta lateral da usina do Sistema Soylent, Fei, Elly e Citan acessaram instalações repletas de painéis holográficos e portas de luz sólida que lhes barraram passagem imediata, mesmo através do cartão de Erich, para grande surpresa de Elly.
_ Não entendo... Deveríamos poder ultrapassar qualquer tranca com isto.
_ Acredito que estejamos nas dependências do laboratório pessoal de Krelian – Citan olhou ao redor, pensativo – Não é de se estranhar que não funcione.
_ Como assim, Doc?
_ Krelian é um homem muito reservado, e de muitos inimigos dentro e fora do Palácio – Citan os conduziu por uma porta lateral – É mais do que natural que tenha seus segredos, e meios específicos de protegê-los. Venham, creio que podemos avançar nesta direção, ou ao menos encontrar uma forma de burlar as trancas de segurança das portas de luz.
Os corredores pareciam apenas semi-iluminados através do caminho escolhido por Citan, mas ao menos havia poucos guardas por ali; na maioria, drones de segurança. Como o doutor dissera, Krelian não parecia confiar em seres humanos para proteger seu trabalho. E chamou a atenção de Fei encontrar mais de uma sala conjugada onde uma janela espessa de vidro mostrava uma mesa de operações na área vizinha, o que lhe trazia uma sensação perturbadora de familiaridade. O que era, ele não tinha idéia, mas ficou mais do que grato quando se afastaram pelo corredor, com Citan conduzindo-os até um salão maior, semelhante a um depósito. E, lá dentro...
_ Wels...!
_ Obviamente, Krelian ainda não terminou seus experimentos com estes – Citan olhou ao redor, as lentes dos óculos cintilando ao se voltar para as jaulas trancadas – Estão em estágio de mutação, não totalmente desenvolvidos ao que parece.
_ Ô! Há quanto tempo!
Os três se detiveram. Entre as celas fechadas do laboratório, um homem de aparência inofensiva olhava para Fei com um sorriso, e ao perceber que ele não o reconhecia, bateu no próprio peito e enfatizou.
_ Sou eu, lembra? Aquele cara que tinha um cachorro lá, em Kislev. Pois é... Olha pra mim agora... Mas o cão está indo bem.
Nesse momento, Fei percebeu que os experimentos nele tinham deixado sua pele verde e com estranhas brotoejas. Parecendo notar algo na atitude de Fei, ele pediu:
_ ... Por favor, nem pense em me deixar sair... – mostrou as celas ao redor, com as outras criaturas – Mesmo que ainda esteja consciente... Eventualmente... eu vou...
_ Ele pode ter razão – Citan abanou a cabeça tristemente – Por mais desumano que isso pareça... Fei?
O rapaz já estava digitando o painel ao lado da cela, sacudindo furiosamente a cabeça. Já tivera que tolerar demais daquilo: pessoas sendo transformadas em monstros, e então sendo eliminadas e transformadas em comida, remédios e bens de consumo como se fossem gado...! Ele talvez não pudesse reverter o que fora feito, mas ia levar aquele homem ao responsável pelo laboratório e fazê-lo ser curado, pouco importando o que fosse necessário para isso.
Diferente de Citan, no entanto, Fei não tinha habilidade ou sorte com trancas eletrônicas, e ele acabou deixando sua frustração extravasar na forma de um Raijin bem colocado que explodiu a tranca, causou um curto-circuito e abriu o fecho da cela.
_ V-você abriu...! – o homem de Kislev balbuciou, recuando devagar e de costas, como se temesse sair da cela – E-eu disse a você para não... Hã...
Citan se colocou em guarda, Elly preparou seu bastão e Fei não compreendeu enquanto o homem apertava a própria cabeça entre as mãos, sacudindo-a para um lado e outro de olhos baixos e ainda murmurando:
_ M-minha... mente... Men? M-men, men, me me m...
Um rugido alto, e seu corpo inchou até que ele assumiu a forma de um ‘Órfão’, um monstro de pele clara e braços descomunais, sem pernas, que avançou sobre o trio. E não estava sozinho.
_ Uma atitude nada inteligente, Fei – bronqueou Citan, voltando sua atenção para o oposto da sala, onde outras celas também tinham se aberto – Você danificou o sistema de tranca, e não de uma única cela!
Elly afastou-se à esquerda de Fei, voltando-se por onde eles tinham vindo. Quatro Wels semelhantes a múmias enroladas com descuido estavam correndo em sua direção. À sua direita, Citan avançou sobre um segundo Órfão, deixando que Fei lidasse com o primeiro.
A criatura tinha uma força absurda dos músculos grotescamente inchados, e apesar de ter conseguido se livrar do agarrão pisando na cabeça do Órfão, Fei sentiu a cabeça leve demais e tombou ao chão depois do salto. Fraqueza nas pernas e nos braços, sentiu, e o monstro estava se arrastando sobre ele novamente.
Fei se posicionou, ainda hesitando. Não havia nada de humano na criatura naquele momento, ele morreria se fosse pego novamente... E, no entanto, não era fácil tomar a decisão.
_ Koho!
Seu primeiro soco deteve o Órfão e, ao mesmo tempo, o impulsionou para trás num giro, dando a Fei espaço para tornar a atacar. E num movimento veloz, atingiu o corpo grotesco e inchado com os punhos para encerrar a técnica com um chute bem colocado.
E o Órfão vacilou, recuando diante da força da técnica. Mas longe de se dar por vencido, ele abriu o braço esquerdo e obrigou Fei a usar os dois braços para conseguir bloquear o primeiro golpe, ficando totalmente desprotegido contra o segundo.
Novamente o monstro o agarrara, e Fei podia sentir as forças a escaparem de si uma segunda vez. Sua visão estava ficando turva e não encontrava posição para chutar novamente, nem tinha certeza de que teria forças para se libertar se o fizesse.
_ Fei!
Uma explosão alta o despertou e, para sua surpresa, viu que o Órfão o largara. Elly já enfrentara os Wels tipo múmia quando partira com Billy e Rico para resgatar o navio fantasma do ‘Ethos’ em Aquvy, e sabia que eles explodiam a si mesmos como ataque. Então, derrotara a dois deles mantendo a distância, explodira um terceiro usando o Thermo Dragão e, ao ver Fei em dificuldades, aproveitou-se do ataque do último e lançou-o contra o Órfão, fazendo-o soltar sua presa. E os dois ouviram a voz de Citan gritar:
_ Saiam do caminho! Vendaval!
Citan obviamente já derrotara seu próprio monstro, e Elly e Fei puderam ver como fora. Recuando a mão direita aberta, o doutor pareceu concentrar vento e relâmpagos em sua palma por um segundo antes de estendê-la na direção do Órfão e liberar o que parecia uma pequena tempestade elétrica contra a criatura, que voou na direção da parede oposta e a atingiu pesadamente, tombando e sem tornar a atacar. Citan aproximou-se imperiosamente, passando pelos surpresos Fei e Elly e indo até o monstro, explicando:
_ Órfãos são monstros que drenam energia; a melhor maneira de combatê-los é manter distância. Mas, como a transformação se deu agora...
_ Me... Meu cachorro, por favor... – a criatura murmurou, vazando líquidos esverdeados – Tomem conta dele...
_ Entendeu agora, Fei? – Citan perguntou, ofegante e também severo – Não importa o quanto esteja indignado, não importa o quanto queira, você não pode salvá-los! Aja desta maneira outra vez, e pode estar condenando todos nós ao mesmo destino, ou algo pior. E não apenas a Elly e a mim, mas também aos outros que pretende resgatar!
_ E-eu... sei, Doc – Fei respondeu, de voz e cabeça baixa – Me perdoem, vocês dois, isso... Não vou fazer de novo.
_ Fei...
Elly também ficara aborrecida com a impulsividade nos atos de Fei, mas não tinha como não sentir pena dele agora, depois da bronca de Citan. Mais do que a consciência do risco ao qual expusera os amigos, ele também percebera que não teria como ajudar aquelas pessoas. Mesmo pondo um fim ao laboratório, tinham chegado tarde demais para os que já se encontravam ali. Sem qualquer outra palavra, o rapaz seguiu adiante.
_ Vamos – Citan acenou, quando Fei saíra da sala – Não podemos deixá-lo sozinho.
Elly olhou com alguma estranheza para Citan antes de também segui-lo. Talvez a rudeza fosse necessária para que Fei se conscientizasse do risco que estavam correndo, mas... parecia haver algo de errado com o doutor.
A sensação incômoda continuou com Elly enquanto eles seguiam adiante. Havia drones de segurança, alguns poucos guardas e portas com combinações sonoras a serem destrancadas, mas toda a atividade não lhe tirava a impressão de que algo não estava como devia ser. E por fim, depois do que pareceram horas andando por toda Solaris, o trio encontrou um equipamento curioso numa sala paralela.
_ Que lugar é esse?
Diante de Fei estava uma espécie de projetor holográfico dividido em três bancadas distintas, cada uma mostrando um trio de figuras holográficas. Fei, Elly e Citan em uma delas. Bart, Billy e Rico numa segunda. Emeralda, Chu-Chu e Maria na terceira.
_ Hologramas... Nossos...?! – Elly levou as mãos à boca enquanto olhava para as figuras.
_ Por que há hologramas nossos numa área de Solaris? – Fei voltou-se para Citan, esperando pela costumeira explicação.
_ Acredito que isso é um banco de dados tomado sobre nós através da análise do Cubo de Memória... – Citan olhou com algum interesse para seu próprio ‘eu’ holográfico. Acessando a informação por meio de um botão sob a holografia de Fei, ele colocou a imagem do rapaz no projetor central, ampliada, e com informações variadas listadas diante dela:

Fei – Número dos Cordeiros, 001589750.

Fei Fong Wong

Resposta de Ether – Infinita

Alinhamento Anima – Infinito
Comentários: Contato
Eliminação imediata desejada.

_ ‘Contato’? – Fei franziu o rosto, e Elly avançou para acessar seus próprios dados:

Elly – Número do Ministério, 6920188.

Elhaym Van Houten
Resposta de Ether – Infinita
Alinhamento Anima – Infinito
Comentários: Possível Antitipo
Aprovação para recuperação e análise necessária concedida.

_ O que querem dizer com ‘Antitipo’? – Elly perguntou, mas Citan acenou com a cabeça e voltou-se para a porta.
_ É natural que se pesquise sobre os inimigos. Vamos, estamos perdendo nosso tempo.
Após um instante de dúvida, Fei deu de ombros e seguiu Citan, e Elly veio depois dele, ainda olhando com estranheza para o doutor. Aquilo não era do feitio de Citan; ele geralmente ficava intrigado ou passava algum tempo ponderando sobre tudo o que fosse incomum entre o que achavam. Seria apenas tensão ou urgência com a situação presente?
Seguindo pelo corredor, logo após a sala holográfica, o trio deparou com uma nova comporta selada semelhante à porta de tranca sonora que tinham ultrapassado pouco antes.
_ E agora, o quê? – Fei perguntou, tentando inutilmente abrir passagem – Esta aqui também não abre.
Elly fez menção de dizer algo, mas Citan revelou na parede da direita um painel oculto, digitou uma sequência de números e a porta se abriu sem qualquer mistério. E ele acenou com a cabeça.
_ Por aqui.
Para Fei, já era comum que Citan parecesse capaz de abrir qualquer tranca, mas Elly deteve-se um pouco antes de começar a seguí-los.
“O quê...? Esse era o código de desativação da tranca...?”
_ Doc, espere...
Elly alcançara Fei, e Citan se detivera a alguns passos deles, sem se voltar. Alguma coisa estava errada, Elly percebeu, tendo um pressentimento estranho, enquanto Fei perguntava:
_ Para quê serve essa instalação?
Hesitando por um instante, Citan voltou-se para os dois com o ar reflexivo de sempre, mão sob o queixo e olhos baixos, respondendo:
_ Este lugar não deveria ter sido visto desde a origem do tempo. Esta instalação se concentra nos experimentos de longevidade do Imperador e do Ministério.
_ A origem do tempo?
_ Sim – Citan respondeu solenemente à expressão confusa de Fei – Dez mil anos atrás. Seres chamados de humanos nasceram aqui. Os primeiros foram o Imperador e os anciões do Ministério.
_ Como poderia um humano... viver dez mil anos...?
_ Agora apenas o Imperador resta – Citan tornou a baixar os olhos, a mão ainda sob o queixo – Seu destino é nunca morrer. No entanto, o Ministério é diferente. Uma dia, durante a Invasão Diabolos... os anciões do Ministério morreram, perdendo seus corpos. Agora, o Ministério que governa Solaris existe como dados nos bancos de memória. As personalidades de cada um deles são bits de dados.
_ São os dados do banco de memória?
_ Sem ter carne ou alma, eles são apenas números binários – Citan prosseguiu sem expressão, como se Fei não tivesse perguntado coisa alguma, e então deu-lhes as costas – Eles existem e não existem ao mesmo tempo. Depois da Queda, querendo ressuscitar seus corpos, e criar um veículo digno, eles transferiram uma instalação de pesquisa que um dia foi o Sistema Soylent na terra para Etrenank. Eventualmente, a instalação não era mais apenas para a vida do Imperador e a ressurreição do Ministério, mas começou também a produzir comida e drogas com aditivos que controlavam o público. O cubo de memória que Fei e os outros estavam usando foi criado para obter dados vivos. Naturalmente, o ‘Ethos’ também enviava dados variados para ajudar.
Fei lembrou-se por alguma razão da estranheza que tomara conta de Elly durante a tal cerimônia de dedicação. Ela se ausentara, tão concentrada no que dizia o Imperador quanto todos os outros, e parecera ter dificuldades para voltar a si. Seria resultado das drogas de controle de que o doutor falava?
_ Isso quer dizer que estávamos vivendo para essas pessoas antigas do Gazel?
_ Sim.
_ Eles estão transferindo e tomando dados vivos através dos cubos de memória até o Ministério – Elly perguntou, parecendo chocada – para que eles possam usar isso e ressuscitar seus corpos?!
_ Exato – e Citan ajeitou os óculos sobre os olhos.
_ Então, o que quer dizer é que aqueles mutantes sendo desmontados na fábrica também tinham esse propósito?
_ Basicamente, eles desejam reutilizar os restos inúteis – Citan respondeu, e Fei meneou a cabeça sem poder crer.
_ Isso é horrível... Como eles puderam...?
_ Espera um pouco, Fei – Elly afastou Fei, olhando diretamente nos olhos de Citan – Alguma coisa não está certa! Citan, como você sabe disso tudo? Nem mesmo o governo ou o exército sabem de tanta coisa!
Fei olhou para Elly, seus olhos azuis cheios de suspeita, olhou para Citan, a expressão indiferente e quase sem emoção alguma por trás dos óculos reluzentes, para Elly e Citan novamente, sem compreender.
_ ... O quê?
_ Pensando nisso agora, parece que fizemos o caminho mais longo para cá de propósito – Elly ponderou – Devia ter havido uma forma mais rápida de alcançar Bart e os outros. E, além disso, a rota para chegar a este bloco não pode nem mesmo ser baixada no mapa do computador. Então, como é que sabíamos em que caminhos estávamos?
_ Hã... Doc... Você também não descobriu...?
_ Isso é impossível – Elly explicou – Para começar, aquela partição que tomamos para entrar neste bloco. Aquele painel era mostrado como sendo uma instalação P4. Mesmo um oficial de alto nível de Solaris não pode entrar aqui. Acha que iam deixar uma instalação como esta destrancada e aberta?
_ E você sabia como abrir? – Elly voltou-se para Citan – Afinal, quem exatamente é você?
_ Ei, espera um minuto – Fei acenou com a mão – Pode ter sido sorte.
_ Alguma coisa está errada! – Elly teimou, sempre olhando para a expressão impassível de Citan – Você foi capaz de penetrar em Solaris sob lei marcial, invadir o palácio, passar por uma porta nível P4 e até descobrir o propósito da instalação P4... Como isso é possível?
“Até sobre o meu pai – Elly baixou os olhos – Tenho certeza de que era possível que você estivesse em Solaris na época. Mesmo Jessie, que também estava em Solaris então, não sabia do motivo por trás do Projeto M. Então, Citan, por que você sabe? Você sabe mais detalhes até do que Maria... Alguma coisa não está certa. Eu sei disso.”
_ Hã... Elly...
_ Eu não terminei! – Elly retrucou, silenciando Fei e tornando a olhar para Citan – Eu deveria ter percebido isso antes. Citan... Quem é você?
Fei também se voltou para Citan. Era estranho, tudo o que Elly dissera, mas ele já se habituara àquilo. Seu velho amigo sempre parecia saber mais do que todos à sua volta, e sempre tivera um jeito especial com máquinas; ele não estava nada surpreso que tivessem chegado até ali, e esperava ver Citan dizer o mesmo a Elly.
Citan não disse coisa alguma a princípio. Os olhos estavam ocultos pela luz refletida nas lentes dos óculos. Ele baixou a cabeça, tornou a ajeitá-los...
... e, de algum lugar, um som metálico se fez ouvir e as luzes se apagaram. Confuso, Fei olhou ao redor. Nada. Nem Elly, nem Citan, nem coisa alguma. Sequer podia ver a própria mão diante do rosto.

sábado, 4 de junho de 2016

Capítulo Quarenta e Dois Ponto Um

(...)

E ela correra então, passando pelos guardas que não podiam se mover, saindo pela porta da frente, pelos portões da mansão e correndo, correndo para longe, temendo o que aconteceria com sua família. Mesmo então, diante de Fei e Citan, ela continuava aflita com os destinos deles.
_ Pai, mãe...
_ Elly – Fei colocou sua mão sobre o ombro dela, enquanto Citan ponderava sobre o que tinha ouvido.
_ O ‘Ministério’...
_ ‘Ministério’? – Elly voltou-se depressa para Citan – Papai também falou disso! O que tem o Ministério!?
_ ... Vocês descobrirão no tempo devido – Citan respondeu evasivamente, e Elly não pôde insistir no assunto porque Fei fez menção de se afastar.
_ Vamos! Temos que voltar e salvá-los!
_ Não podemos! – Elly balançou a cabeça – Se você for agora, vão prender você, também. Meus pais vão ficar bem. O registro militar deles deve protegê-los. E... se for necessário, eu mesma me entrego depois que todos forem salvos, e isso deve resolver tudo.
_ Mas... – Fei tentou discutir, mas Elly tornou a negar com a cabeça.
_ Vamos logo. Algo pode acontecer a eles enquanto estamos só conversando aqui.
Fei olhou para Citan pedindo apoio, enquanto Elly dava a ele o cartão de acesso, e também o doutor baixou os olhos.
_ Estou preocupado com a família de Elly, mas... seu pai arriscou a vida para nos conseguir este cartão. Nós devemos prosseguir!
Elly voltou-se para Fei, e ambos concordaram com um aceno solene de cabeça. Ele tinha suas próprias idéias, claro, e não permitiria que ela se entregasse, simplesmente, quando todos estivessem salvos. Tinha que haver uma outra maneira, e ele iria encontrá-la. Mas era preciso que cuidassem da tarefa diante deles primeiro.
_ Mas, neste lugar imundo? Me poupem! – Citan resmungou, olhando ao redor para a área de despejo – O que eu não daria pela minha velha banheira agora! Não concorda, Fei?
Elly e Fei olharam um para o outro, lembraram do chuveiro no quarto dela e, diante do ar confuso de Citan, riram. Aquilo servira para quebrar a tensão antes de agirem.
Através do duto a vácuo, numa experiência que lembrou a Fei a viagem expressa pela caverna submarina, os três chegaram ao interior do sistema de despejo do Palácio, onde um duto secundário trazia o lixo da área superior para ser eliminado e lançado no mesmo tubo por onde tinham entrado.
_ Mas, para alcançar a passagem – Citan apontou, mostrando a porta da qual necessitavam – teremos que passar pelo triturador.
_ E como propõe que façamos isso? – Elly olhou com desconforto para as hélices que giravam, e Fei pediu:
_ Se afastem um pouco, acho que eu já sei...
Ele estava empurrando um pedaço de módulo até a beirada do poço. Depois, recuou alguns passos e lançou um Tiro Guiado contra o fragmento, derrubando-o sobre as pás da hélice e detendo o movimento delas com o som alto de metal se despedaçando e estilhaços voando no primeiro instante. E Citan inclinou-se sobre a borda, olhando com apreciação.
_ Nada mal, Fei. De fato, algo maior ou mais pesado pode emperrar o mecanismo... mas, é conveniente que nos apressemos. O defeito deve ser detectado logo, e equipes de manutenção virão verificar. Venham, acredito que aquela escotilha esteja aberta para nós agora.
Os corredores estavam tranquilos, e embora o trio deparasse com alguns grupos menores de segurança, com drones de defesa ou com grupos de segurança acompanhados de drones de defesa, não era nada que a força conjunta dos três não pudesse resolver. E chegaram a um depósito amplo onde Fei encontrou containers de aparência familiar, e descobriu comida enlatada no interior deles.
_ Bem na hora! – Fei sorriu, mostrando aos amigos o que encontrara – Parando pra pensar nisso, não como nada desde que chegamos a Solaris. Vamos fazer uma boquinha.
_ É, acho que tem razão – Elly sorriu – Não sabemos o que vai acontecer, então não devemos ser exigentes demais. Citan?
_ ... Não, eu estou bem, obrigado – o catedrático estava olhando para os enlatados com uma expressão estranha – E, se aceitam uma sugestão, acho que deveriam conter seu apetite por mais algum tempo.
_ Acha que pode estar drogada, ou coisa assim? – Elly olhou ao redor sem compreender – Esse é o tipo de alimento servido aos cidadãos de Terceira...
_ Apenas confiem em mim por enquanto. Vamos, acredito que o centro de produção seja nesta direção...
Citan os conduziu rumo a uma linha de produção onde uma esteira rolante transportava diversas latas de alimentos na direção oposta à que eles vinham. Detendo-se sobre a passarela que levava para além da esteira, Fei admirou as latas perfeitamente posicionadas que desciam.
_ Isso... É a comida que deixamos pra trás agora...?
_ Entendo... – Elly ponderou, olhando ao largo – Os medicamentos que normalmente usamos são produzidos aqui.
_ Para prosseguir, devemos desabilitar os sensores de objetos estranhos – Citan mostrou o que pareciam anéis metálicos montados ao redor das esteiras em intervalos regulares de espaço – Caso contrário, os sistemas automáticos devem nos remover sempre que tentarmos avançar. O processo é inofensivo, mas ficaremos presos aqui.
_ Eu fico imaginando... – Elly olhou curiosa para a carne que podiam ver sendo processada ao longo da esteira – Que espécie de carne é essa...?
_ Agh, eu não – Fei balançou a cabeça – Não quero ver onde fazem isso.
_ Espere, Fei.
Fei deteve-se, ele e Elly olhando para a expressão séria de Citan, que mostrou uma porta mais adiante.
_ É por ali que sairemos desta área. E, lembrem-se os dois, vocês pretendiam comer aquela comida. Considerem esse fato quando passarmos por aquela porta.
_ Não entendo – Elly perguntou – O que tem de mais na comida enlatada?
_ O que ela é...? O que... Afinal, o que tem lá?
_ Vejam por si mesmos – Citan respondeu, tomando o rumo da central de controle para desativar os sensores de objetos estranhos.
Com o sistema desativado, eles puderam passar adiante correndo sobre as esteiras rolantes até a porta que Citan mostrara. Fei e Elly olharam para o doutor com a pergunta em seus rostos, mas o mais velho meramente acenou. Deviam seguir em frente.
E em frente seguiram, até alcançarem o estágio anterior das esteiras rolantes, de onde a carne saía antes de ser enviada para as latas. De estágios primários e esteiras mais acima, eles viram diferentes Wels mortos caindo sobre moedores que os despejavam nas colunas seguintes, onde apenas os bolos de carne que restavam seguiam para o estágio de enlatados.
_ Não...!!! – Elly cobriu a boca com as mãos, desviando os olhos com ar horrorizado, e Fei apertou os punhos com raiva, voltando-se para perguntar a Citan o que ele no fundo já compreendera.
_ O que... é isso...?! O que... diabos é isso...!! Uooooooooohhhhh!!!
Flashes brancos passaram por seus olhos, e ele acreditou ver uma mulher, uma pessoa que lhe era familiar, observando através de uma tela de vidro com olhos indiferentes. Havia alguém deitado sobre um leito de pesquisa, mas a imagem passou depressa demais para que ele compreendesse ou sequer retivesse as feições em sua mente e, quando deu por si próprio, ele também estava caído de joelhos como Elly, diante de Citan. E o doutor, rosto baixo e sem olhar diretamente para eles, acenou com a cabeça.
_ Sistema Soylent. O laboratório de experiências com organismos, e sua instalação de eliminação em Solaris. E... a instalação produtora de comida e remédios para manter o selo do Limitador. Os Ceifadores Wels de Aquvy também foram feitos aqui.
A comida distribuída pelo ‘Ethos’... Os remédios que chegavam à superfície... Os Ceifadores que tinham enfrentado durante a queda do ‘Ethos’... De certa forma, eram todos um só produto e subproduto. Fei e Elly não disseram palavra, ouvindo o som ininterrupto dos moedores quando novos Wels caíam neles, e Citan perguntou:
_ Elly, você se lembra das palavras de Dominia durante nossa infiltração de Shevat? Esta é a resposta. Pessoas da terra natal dela serviram como uma das origens dos Wels... O plano M. Foram utilizados dessa maneira por causa de suas habilidades peculiares. Ela é a última sobrevivente. E... seu pai, Erich, costumava ser o superintendente dessa instalação. Ele estava envolvido na pesquisa com o pai de Maria.
_ Não seja ridículo! – Elly retrucou, se pondo de pé – Meu pai nunca tomaria parte numa coisa dessas!
_ Naturalmente, Erich sempre teve lapsos de culpa – Citan continuava de cabeça baixa – Por isso, ele manteve tantos habitantes da superfície quanto possível sob sua proteção como cidadãos de Terceira Classe. Até que se demitiu. É por isso que ele está na equipe administrativa das Forças Especiais agora.
_ Meu pai... fazia isso...? Não – Elly cobriu os olhos, sacudindo a cabeça – Isso não pode ser verdade...
_ Agora, levante-se Fei – Citan voltou-se para o rapaz, ainda prostrado – Levante-se, e observe.
Fei ficou de pé sem de fato pensar no que estava fazendo, mas o tremor de suas mãos traía o que estava sentindo. E Citan percebeu que ele estava se apoiando na amurada para não desabar novamente, o rosto deixando clara a repulsa ao que via.
_ Isso... Como isso pode ser... Doc...
_ ... Isso é a realidade. Agora, devemos seguir.
Fei e Elly, quase mecanicamente, passaram pela passarela que se estendia sobre as esteiras e deixaram aquele compartimento, sem fazer qualquer questão de olhar para a máquina. Citan, no entanto, deteve-se ainda um instante para olhar com tristeza e contemplação para o mecanismo e os Wels que caíam.
_ Acabar com a vida de uma pessoa, e então consumir sua carne. Isso é... aceitável...?

  

WE CAN RUN TO THE END OF THE WORLD