(...)
_ O q-quê...! Ei, você está bem
Elly? Elly?!
Nada. Nem a visão, nem a voz nem
qualquer som vindo de Elly. Fei podia muito bem estar sozinho naquele corredor.
_ Elly! Doc... Citan!
Nada. Absoluto nada foi a única
resposta.
_ Droga! Nos pegaram! Elly!
Citan! Onde vocês estão!?
Luzes de emergência foram
ativadas, então, uma tênue luz azulada no rés do chão e nas paredes, parecendo
conduzir sempre adiante. Sem qualquer outra alternativa, Fei acompanhou o
corredor até a porta seguinte, e passou por ela.
Pela meia luz, Fei podia ver que
estava num compartimento amplo e espelhado. A porta selou-se sozinha assim que
ele passou por ela, e após o primeiro impulso de voltar, ele se deteve e
chamou:
_ Elly... Doc... Estão aí?
Enquanto caminhava, chamando
pelos amigos, ele alcançou o centro da sala. Luzes ofuscantes foram acesas...
Não, era iluminação comum, mas as paredes não eram meramente espelhadas, como
lhe parecera. Cada um dos blocos era na verdade um monitor, mostrando a
princípio apenas telas brancas para então alternar em telas de barras
coloridas, e Fei então reparou no imenso aparato sobre si.
_ O quê...? I-isso...
Flashes brilhantes e luzes
estroboscópicas seguiram-se, desnorteando o rapaz até que ele caísse, sem
perceber que estava gritando em meio à dor aguda em sua cabeça.
Quanto tempo ficara desacordado,
Fei não tinha como saber. Seu despertar foi lento, ele estava atordoado e
confuso, e olhou ao redor enquanto tentava se lembrar do que se passara.
_ Huh... O-onde...
O aparato sobre a sala, agora,
era claramente um equipamento de contenção. Quatro suportes ligados aos cantos
do salão o mantinham aprisionado, suspenso e de braços colados ao corpo, no
centro do que era uma área cujas paredes eram formadas pelas telas de
monitores.
_ Hã...? Isso é... – Fei se
debateu, mas foi inútil. Aquelas algemas eram de algum metal que não conhecia,
mas apesar do aspecto frágil das hastes que o mantinham suspenso, estava claro
que eram mais fortes do que ele.
_ Hmmmmph! Não consigo... soltar.
Quatro telas holográficas
formaram-se ao redor de Fei, como um cubo. Ainda se debatendo, ele ficou
confuso ao reconhecer uma imagem familiar de escuridão, chamas e um Gear negro
lutando entre elas.
_ Uh... Isso é...
A imagem alterou-se, mostrando um
Gear vermelho desconhecido cruzando o céu. E novamente o Gear negro numa
postura de defesa familiar em meio a um incêndio noturno, e depois o Gear
vermelho que era, ao mesmo tempo, estranho e familiar.
_ O quê é isso?! – Fei exigiu,
olhando ao redor como se houvesse alguém com quem ele pudesse falar ali – Por que
está me mostrando isso?!
O silêncio e as imagens repetidas
foram a única resposta. Fei novamente tentou soltar os braços, sem qualquer
sucesso, e a frustração cresceu.
_ Quem?! Quem fez isso?!? Elly!
Doc! Onde vocês estão?! Onde...
Todos os monitores da sala foram
ativados então, e a imagem de um rosto pálido, sem cabelos e com uma máscara
respiratória sobre a boca e o nariz olhou de volta para Fei de cada canto da
sala. E a voz por trás daqueles olhos hostis respondeu:
_ Você desempenhou este
espetáculo. Essa voz é daquele que o assombra... Amaldiçoado, intocável... Ó
filho amado do deus, aquele que impede nossas orações... Pegue... Destrua...
Queime com o fogo do deus...
_ O que...?
As telas deixaram de mostrar os
Gears em suas duas imagens diferentes. Ao invés disso, as quatro começaram a
mostrar um estranho globo flutuante, com monitores que mostravam mais rostos
cadavéricos ocultos por máscaras respiratórias, e um homem vestido em verde
diante do mesmo globo, olhando para ele.
_ Doc?! E-esses sujeitos? O que é
isso?!
Não houve resposta. Ao invés, a
tela à esquerda de Fei mostrou uma sucessão de pessoas familiares deitadas no
que pareciam leitos de hospital. Primeiro, um rapaz loiro de um olho só vestido
em trajes vermelhos; depois, um rapaz ainda mais jovem num hábito verde de
padre. E Fei parou de se debater.
_ Bart? Billy?! Doc, o que está
havendo?! O que estão fazendo...? Doc! Responda!
_ Um dos Anjos Guardiões de
Solaris está aqui – o ancião nas telas respondeu, ao invés – Hyuga Ricdeau.
_ Este homem é Cain – um segundo
ancião prosseguiu – Recebendo as ordens daquele conhecido como o Imperador. Você adentrou o reino dele, e
esteve sob sua supervisão contínua.
_ O Anjo Guardião de Solaris? – Fei não podia acreditar – Me
monitorando?
_ Ah, sim – o ancião respondeu – Nós guiamos Solaris e até mesmo
selecionamos o ‘Animus’ que foi atraído a você. E o guiamos até aqui, para
Solaris.
_ O ‘Animus’ é necessário para a nossa ressurreição – um terceiro
ancião se pronunciou – Estes são nossos corpos. Este, o que possuímos.
_ Sim, esta é a única razão pela qual existimos – outro ancião
acrescentou, e Fei não acreditava ter compreendido.
_ Os corpos de Bart e dos outros pertencem a vocês? Isso é verdade?!
Doc! Do quê eles estão falando?
Citan não respondeu em absoluto, meramente mantendo os olhos sobre Fei.
E outro dos anciões se manifestou.
_ Por que tão apreensivo? É porque você foi vendido por aquele em quem
confiava?
_ Eu não estou falando com vocês! – Fei retorquiu furioso, voltando o
olhar para Citan – Doc, me responda!
_ Três anos – a tela esquerda desapareceu e também mostrava Citan, que
finalmente parecia disposto a responder – Por três anos, eu estive ao seu lado.
Eu tinha que determinar se você ia ser nosso inimigo ou não.
_ ... Vingança?
_ Sim, o inimigo – um dos anciões interrompeu – Sua existência é uma
ameaça para nós...
_ Era necessário ficar de olho em você – outro ancião falou.
_ Aquele que ordenou que você fosse vigiado foi Cain – um terceiro
disse, seguido por um quarto.
_ Estávamos planejando o amadurecimento do ‘Animus’ e seu extermínio.
Nós também enviamos Hyuga a você.
_ No entanto, cada tentativa de exterminá-lo falhou... por causa
daquele lixo que não serve para nada.
_ Mesmo assim, nós agora possuímos ‘Animus’. Hyuga cumpriu bem com seus
deveres.
_ É... isso...? – Fei perguntou de olhos baixos, o cabelo ocultando o
rosto – Você estava agindo pra esses caras... É por isso que você... Todo
mundo...
Se o que era dito era verdade, os amigos tinham sido levados até ali
desde o início por Citan... ou Hyuga, qualquer que fosse seu nome. E ele
também...
_ Por quê!? – Fei bradou, tornando a se debater – Você fizeram sempre
as coisas do seu jeito conosco, habitantes da superfície! Vocês já têm o mundo!
O que mais vocês querem?
_ Você deve saber, a esta altura – respondeu um dos anciões – que nós
planejamos ressuscitar Deus.
_ Deus vai despertar de seu longo sono depois que o homem tiver povoado
a terra... Então, Mahanon também vai despertar.
_ O Paraíso Aéreo Mahanon? – Fei perguntou, detendo-se por um momento –
O lugar que caiu na terra...
_ Paraíso... Hah hah hah. Sim, pode ser uma descrição adequada... Nossa
arca... No bloco central do senhor, ‘Mahanon’ está selado. Esta é a fonte da
sabedoria de nosso deus... Um paraíso de conhecimento...
_ Usando tal conhecimento, nós vamos ressuscitar o deus desperto e
construir nossa ‘arca’ para nos levar ao grande universo.
_ A construção de nossa arca... para reinar sobre as forças do deus
neste grande universo... A criação do anjo ‘Malakh’. O Projeto M era para este
mesmo propósito.
_ O que querem dizer?!
_ Somos órfãos neste universo. Fomos jogados neste planeta em solidão
juntamente com o deus.
_ Nós, humanos, não nascemos neste planeta. Há muito tempo, nós viemos
para cá de outro corpo celeste. Nós somos seres de um planeta alienígena.
_ Isso é ridículo! – Fei abanou a cabeça.
_ É a verdade – um ancião replicou – Você viu as variadas regiões deste
mundo. Por que acha que não há registros de humanos antes de dez mil anos
atrás...?
_ Esta é a vontade de nosso deus. A ressurreição do deus esteve
destinada desde o tempo anterior ao gênese...
_ Nós seremos um com o deus. Conquistando um novo ‘Animus’... Nós mais
uma vez retornaremos aos céus estrelados...
_ Este é o sentido de nossa existência.
_ Este é o nosso supremo objetivo.
_ ... Então, não estão planejando usar o poder de Solaris para dominar
o mundo? – Fei perguntou.
_ É claro que não – um dos anciões respondeu, como
se fosse óbvio – Qual o sentido que há em ter o controle de um planeta tão
insignificante quanto este? Deus nos deu o direito de governar pelo universo.
_ Sim. Apenas nós,
que não carregamos o sangue impuro, temos o direito ao perdão...
_ Assim, nós ressuscitaremos o deus.
_ Já faz uma eternidade desde nosso exílio do paraíso. Se o tempo da
ressurreição do deus não vier, teremos que seguir o caminho da destruição.
Mas...
_ Tendo conseguido ‘Animus’, nossa ressurreição está próxima... A
seguir, é a vez da ressurreição de nosso deus.
A tela diante de Fei tornou a mudar. Ao invés do computador onde o
Ministério existia como dados e Citan diante deles, uma figura de rosto jovem e
cabelos brancos apareceu.
_ Krelian?!
_ Este aqui apenas aguarda pelo despertar – Krelian murmurou
inexpressivamente.
As quatro telas mudaram. Todas agora, ao invés de Citan, o Ministério
ou Krelian, mostravam uma moça de cabelos ruivos, deitada e inconsciente, presa
a uma máquina de propósito desconhecido.
_ Elly?!!
Todas as luzes se apagaram.
Num andar mais abaixo, Krelian deixou seu elevador e passou adiante do
leito de análise ao qual Elly estava aprisionada, ignorando-a a princípio.
Ativando o equipamento de bioleitura, ele retornou à sua plataforma e começou a
ler os dados da análise e forçando sua atenção para as máquinas, apenas. Era
realmente impressionante...
_ Onde estou...?
Ela despertara. Era preciso manter-se sob controle.
_ Olhei nos seus registros – Krelian voltou-se para Elly, que se
admirou ao reconhecê-lo.
_ K-Krelian... Comandante?
_ Elhaym Van Houten – o rosto do cientista não traía qualquer emoção a
não ser um certo brilho nos olhos, que poderia ser o interesse diante de uma
nova experiência – Aquele incidente na academia de Jugend a um ano atrás...
Caso 102. A liberação de seus poderes latentes derivada da administração
sistemática de drogas de fortalecimento mental. Naquele instante, seu valor de
Ether se elevou além de 400. E, naquele momento, dois foram criticamente feridos
e três necessitaram de reciclagem. Estou correto?
_ Por favor, pare! – Elly afastou seu rosto, e assim não viu Krelian
voltar sua atenção para o banco de dados diante de si.
_ Mas, este registro está errado. Não foi um caso comum de efeitos
colaterais mentais incontroláveis. Isso foi causado pelo despertar de seu
‘outro eu’ interior.
_ Meu outro ‘eu’...? – Elly tornou a olhar para Krelian sem
compreender. Mas, lembrou-se, havia preocupações mais urgentes no momento –
Onde está Fei? Onde estão todos...?
_ Serão utilizados como uma oferenda para a ressurreição do Ministério
Gazel – Krelian respondeu distraidamente, ainda operando seus painéis – O mesmo
destino aguarda aquela menina, o organismo artificial. Já retirei amostras
suficientes dela. Estou adiantado, já no quarto estágio do meu plano. Tudo de
que preciso agora é o fator final. Assim sendo, seus amigos não são mais de
qualquer uso para mim. São dispensáveis. Mas, você é diferente.
_ Está planejando enviá-los para o mesmo destino que aquelas pessoas na
instalação de pesquisa! Tudo isso pelas suas próprias ambições egoístas... Sabe
o que está fazendo?! Pessoas brincando com as vidas de outras pessoas. Isso é
deplorável!
_ Entendo... – ele terminara com seus painéis e agora olhava para ela –
Então, você viu a instalação de pesquisa. Atualmente, os pesquisadores de
Solaris estão trabalhando em engenharia genética lá embaixo. É só um ninho para
tolos que aprenderam o prazer desprezível de brincar com suas próprias criações
orgânicas. Eles procuram apenas serendipismo e inumanidade. Aquele não é meu
lugar. Eu me especializo em engenharia molecular... Nanotecnologia.
Voltando-se por um momento e digitando algo num painel diante de si,
Krelian fez uma tela holográfica ampla surgir diante de si, de forma que mesmo
da posição em que estava, Elly seria capaz de ver.
_ Sabe o que é isto? – ele indicou o gráfico, formado basicamente de
globos verdes com estruturas amarelas no interior de cada um – Uma
nanomáquina... Uma máquina molecular. Este é o montador, que é uma daquelas
nanomáquinas. Ele pode quebrar moléculas e átomos e reconstruí-los em qualquer
coisa.
“Cada uma destas esferas – ele prosseguiu, mostrando com as mãos do que
falava – é equivalente a um átomo. Até recentemente, éramos apenas capazes de
produzir materiais que tinham várias vezes o tamanho disto. Graças àquela
menina, a que obtivemos das ruínas da civilização Zeboim, agora somos capazes
de tornar isto compacto e elaborado. Pensar que tal mecanismo foi criado há
4000 anos. É realmente impressionante”.
“Até que descobríssemos isto, o trabalho era um tanto grosseiro. O
melhor que poderíamos possivelmente fazer até então era aplicar soluções de
aminoácidos em áreas feridas para aperfeiçoamento, ou selar quaisquer
habilidades peculiares. Tenho certeza de que você teve alguma exposição aos
genéticos quando estava na Jugend. Cada tipo daquelas enzimas dentro do DNA...
também são máquinas moleculares que foram criadas pela natureza. Isso é, se
formos de fato a progênie do próprio primeiro organismo”.
_ O que você espera conseguir usando essa máquina molecular? Que
conexão eu tenho com isso?
_ ... Embora as nanomáquinas até agora pudessem recombinar o DNA, elas
não podiam revelar qualquer informação nos introns localizados nos substitutos
da hélice dupla – ele mostrou uma nova imagem, uma projeção da molécula
orgânica – No entanto, as nanomáquinas mais novas descobriram facilmente estes
dados. Dados que originalmente ‘não deveriam ter existido’. E estamos prestes a
ver os resultados disto.
Krelian digitou algo em seu painel e o resultado foi uma tela púrpura
onde o globo verde desapareceu, e um sinal de alarme indicando erro. Longe de
desapontado, no entanto, ele pareceu intrigado.
_ Hm, de acordo com os dados transferidos, ele demonstra uma frequência
de onda similar, como esperado. E...
Do nada, para surpresa de Elly, um anel móvel que girava
interminavelmente e mantinha-se encolhendo e crescendo surgiu no centro da
tela. E mesmo a expressão impassível de Krelian pareceu repleta de satisfação.
_ Sim, o Anel de Urobolus...! É isso, não é...? Os atos de Miang, e
Lacan... Isso explica tudo. Elhaym – ele voltou sua atenção para Elly – você
foi a ‘mãe’...
_ Mãe...?
_ Sim. É assim que seu exon se parecia antes da substituição... Esta é
a forma em conceito do intron que carrega informação que, supostamente, não
deve existir. Observe. Este é o Anel de Urobolus, que contem ‘informação de
intron’ que apenas existe em ‘certas pessoas’. Urobolus... Caso anatomizássemos
tal coisa – ele pareceu divagar nas especulações – Não ficaria interessada em
que tipo de informação ele teria a nos oferecer?
Elly não respondeu em absoluto. Não entendia tanto de nanobiologia para
compreender tudo o que Krelian estava dizendo, e nem importava mais do que os
destinos de seus amigos. E Fei... Onde ele se encaixava nisso tudo? Estaria em
segurança, ou...?
_ Elhaym, você é bela.
Elly tornou a voltar sua atenção para Krelian, incapaz de ignorar o
comentário. E ele estava olhando para ela como se fosse uma pintura ou
escultura maravilhosa.
_ Quando olho para você, eu aprecio o aspecto artístico da forma
humana, sua perfeição... Não posso deixar de sentir a importância disso – e
baixou os olhos, parecendo pesaroso – Como se minha máquina molecular fosse
indigna de você.
Elly sentiu suas faces ruborizarem. De todos os locais, e
circunstâncias, aquela certamente...
_ Você não mudou desde então – Krelian prosseguiu, quase como se
falasse para si mesmo – Assim como o outro, Lacan...
Em outro lugar, os monitores estavam desligados. Fei Fong Wong estava
semiconsciente. Depois de tudo o que ouvira, tudo o que fizera... Ainda parecia
difícil acreditar...!
_ Ugh...
Um som se fizera ouvir atrás dele, como se a porta tivesse sido aberta
novamente. Ele levou algum tempo para focalizar, para perceber que aquilo
acontecera de verdade, e havia uma figura de pé, diante e abaixo dele, contido
como estava no centro da sala.
_ Está consciente? – perguntou Citan.
_ Doc...
_ É impossível se mover – Citan comentou, sem expressão – Esta máquina
cortou fisicamente seus sinais nervosos. Você não será capaz de levantar um
dedo, pouco importando o que sua mente diga.
_ ... O que é que vai fazer comigo? – Fei balançou a cabeça, que
parecia a única parte do corpo que ainda podia mover – Com Bart e os outros?
Onde está Elly?
_ Não se preocupe... Eles têm seus papéis... Você tem o seu. Eu
simplesmente investigo.
Fei teve o impulso de fechar os punhos em frustração, mas como Citan
dissera, apenas aconteceu em sua mente. Aquilo até parecia o mesmo Citan de
quem se lembrava, a curiosidade acima de tudo, mas era uma versão distorcida e
cruel do seu amigo. A pessoa de quem se lembrava nunca o teria traído.
_ Maldito... Isso... O que eu estava...
_ Assim, a batalha foi lutada... É o que diz? Isso foi discutido
anteriormente pelo Ministério...
_ Que praga! – Fei olhou para baixo, ao menos ainda capaz de encarar o
interlocutor – Nós não nascemos pra ser usados por eles! Não fizemos todo o
caminho até Solaris pra isso! Eu, nós, todo mundo... Nós só queremos criar um
lugar ao qual possamos pertencer... É por isso que estivemos lutando...! Mas
agora...
_ É muito mais fácil receber um lugar ao qual pertencer do que criar um
por si mesmo – Citan ajustou os óculos sobre o nariz – Não entende nem sequer
um conceito simples como este?
_ Só o verdadeiro...! – Fei começou, mas Citan o interrompeu.
_ Ideais infantis empalidecem quando postos diante da realidade. Mas,
na verdade, muitos se dão por satisfeitos com isso. Ao se ganhar um lugar, a
pessoa se liberta de quaisquer riscos. Os infortúnios podem ser
responsabilizados a outros. Sabe por que as pessoas não conseguem existir
sozinhas, mas apenas sob algum conceito maior, tais como um grupo ou país? As
pessoas precisam de um lugar para ir e serem elas mesmas... Quanto mais
estável, mais eficiente.
“O Ministério dá a elas tal lugar. Sob total vigilância, não há
necessidade de carregar o risco de manter a própria individualidade. Eles
simplesmente vivem sob a ilusão de ser um ‘indivíduo’. O que poderia ser mais
fácil?”
Fei desviou os olhos. Não podia se soltar e não tinha como evitar
ouvir, mas ao menos podia tentar não prestar atenção. Embora Citan parecesse
não fazer caso disso.
_ Fatos são fatos, então simplesmente os aceitemos. Será mais simples
para todos nós. A resistência é fútil. Só torna as coisas dolorosas.
_ Eu... Eu...
_ Ainda pretende fazer algo a respeito? – Citan pareceu admirado – Olhe
para si mesmo... O que acha que, possivelmente, pode fazer nesse estágio? Você
não pode se mover. Não pôde sequer proteger seus amigos que lutaram com você,
quando eles precisavam. Não pôde sequer proteger a pessoa mais importante da
sua vida, Elly.
_ Pare! – Fei jogou a cabeça para trás, outra vez pensando em fechar
pulsos que não obedeciam – Por favor!
_ Você não pode fazer nada – Citan deu-lhe as costas com indiferença, e
Fei sentiu que não poderia suportar muito mais.
_ Pare... com isso...
As luzes tornaram a se apagar, e um som metálico forte se fez ouvir.
Após um instante de silêncio, a voz de Citan tornou a se fazer ouvir.
_ Agora, podemos ficar à vontade e falar... Id...
WE CAN RUN TO THE END
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