domingo, 29 de janeiro de 2017

Capítulo Cinquenta e Seis

Capítulo 56 – Segredos Obscuros



<Citan>


‘Deus’... A arma de invasão interplanetária, – Deus – ,  tinha despertado e sua arca,

‘Merkava’

fora ativada.

Deus começou a absorver, um após o outro,
As pessoas mutadas destinadas a serem suas peças...

Enquanto os não-mutados, eventualmente,
Apenas se tornariam uma ameaça para ele.

Para nos exterminar, e à nossa civilização,
Ele se colocou em ação.

A superfície do planeta foi devastada...

... por Merkava e as armas nascidas dela
chamadas... ‘os anjos – Seraph –’.

Enquanto perseguíamos o recém-desperto Deus,
Por acaso encontramos Fei,
Cujo paradeiro até então se perdera...
Juntamente com seu Gear, Weltall...

Descobertos juntos,
No local onde ‘Merkava’ estava originalmente localizada.

Ficamos imensamente felizes com o retorno de Fei,
Mas durou pouco...

Por alguma razão desconhecida...
Fei foi descoberto em um estado de animação suspensa.

Ele não recuperava a consciência.

O povo de Shevat, e nós mesmos,
Temíamos uma recaída do poder de Fei...
Não, do poder de Id...
E não tivemos escolha,
A não ser colocar Fei em...

‘Congelamento em Carbonita’.


Os ânimos estavam pesados em Shevat. Os amigos acreditavam ter feito o melhor possível, mas isso não fazia a decisão tomada parecer melhor para nenhum deles, e Emeralda estava particularmente inquieta. Distante dos demais, Citan foi até a sala do trono para conversar com a Rainha Zephyr, que não pareceu em absoluto surpresa por vê-lo ali.
_ ... Sua Majestade. Por que o povo de Shevat teme Fei tanto assim? Mesmo que o poder de Grahf e Id seja comparável...
_ ... Não é que nós o temamos – ela meneou a cabeça, depois de hesitar por um instante – Tememos o erro que nós mesmos cometemos. E agora estamos simplesmente tentando por uma tampa sobre ele.
_ O erro que vocês mesmos cometeram?
_ Shevat instigou uma batalha, há quinhentos anos, para conquistar nossa independência de Solaris – Zephyr começou, caminhando até o próprio trono – No entanto, fomos dominados pela ânsia de poder. Temendo que a vontade do povo dilacerado pela guerra não mais fosse ficar com Shevat, mas com a Madre de Nisan, e que as pessoas se reunissem sob a proteção de Sophia... O Conselho de Anciãos de Shevat da época fez um acordo com Solaris.
_ Um acordo?
_ Sim – Zephyr voltou-se para ele – Naquela época, Solaris... Ou o Ministério Gazel, para ser exata... Estava passando por dificuldades com uma mulher que detinha o verdadeiro poder nos bastidores.
_ ... Por um acaso, essa seria Miang?
_ Muito provavelmente, era. Temendo o poder crescente das massas reunidas em Nisan, o Ministério Gazel planejou entregar a nós sua antagonista, Miang, e prometeu uma divisão do governo sobre a superfície da terra.
“Mas em troca... Nós tínhamos que dar a eles o exército rebelde que tinha se reunido em Nisan e também sua patrona, Sophia.”
_ Os líderes de Shevat aceitaram – Zephyr baixou seus olhos – e foi decidido que Nisan seria o local da batalha final decisiva com Solaris.
A Rainha acionou um comando no braço de seu trono e Citan pôde ver, espelhada numa das paredes da sala, uma imagem holográfica representando uma antiga força de soldados, tanques móveis e Gears de escudos e lanças em punho, com uma majestosa nau capitânea sobre eles. Era curioso, mas as armas de quinhentos anos antes pareciam mais avançadas do que as do mundo moderno, ele observou, enquanto Zephyr prosseguia:
_ Shevat não participou daquela batalha. Sobrepujados pelos números impressionantes do exército solariano, e com sua rota de retirada cortada, o exército rebelde de Nisan ficou sem opções e foi destruído. Presos em meio a isso tudo estávamos Lacan, o ancestral de Bart, Roni, eu mesma... e ‘Krelian’.
_ Você também estava lá?
_ Sim – ela recordou com pesar – Cercados por todos os lados... Estávamos preparados para morrer. E então, a nau capitânia das forças rebeldes surgiu, com Sophia a bordo. Ela se sacrificou para criar um caminho para a nossa retirada... A nave de Sophia partiu diretamente para a nave principal do inimigo num ataque suicida.
E dos registros históricos que a Rainha exibia, um filme antigo mostrou a imponente nau capitânia mergulhando em direção do vaso de guerra inimigo, recebendo todo o poder de suas armas principais sem sequer tentar defender-se ou revidar. A nave capitânia rebelde foi engolida pelas chamas, atingida em seqüência por um número crescente de canhões, mas manteve-se firme num curso em linha reta até o fim, espatifando-se como uma flecha contra as torres principais de artilharia, fazendo com que ambas as naves desaparecessem e viessem ao chão numa gigantesca bola de fogo.
_ Graças ao sacrifício de Sophia, fomos capazes de sobreviver – Zephyr prosseguiu, sacudindo a cabeça baixa como se para espantar as lembranças – No entanto, a morte dela mudou para sempre o destino de dois homens...
“Krelian, que seguia próximo sob o comando dela como líder da milícia da seita de Nisan, perdeu completamente a fé depois de chamar por um deus que não responderia.

“Eu vou criar deus com minhas próprias mãos!”

... foram as últimas palavras que ele murmurou antes de desaparecer”
“E Lacan...
Ele ressentia-se de si mesmo por não ter tido o poder de fazer coisa alguma enquanto ela morria diante dele... Por isso, ele começou a procurar pelo ‘Poder Lendário’.”
_ Poder Lendário?
_ O local do descanso de deus, ‘Mahanon’... A fonte da sabedoria divina, ‘Razael’... E as ‘Relíquias Anima’, que foram criadas por essa mesma sabedoria... Além deles... Há mais uma lenda.
_ E essa seria?
_ ‘Zohar’...
_ Zohar!? – Citan exclamou – É o mesmo nome do ‘Modificador Zohar’... o reator de força do qual Miang falou, dizendo que era a fonte da energia infinita de – Deus –... que ela também clamou ser a fonte de nossos poderes Ether e a força motriz de todos os nossos Gears.
_ Teria sido exatamente a mesma coisa – Zephyr concordou – É o local que contém a fonte suprema de poder deste mundo. É dito que apenas aquele que tem o destino correto seria capaz de descobrir sua localização. Perdendo toda a fé na humanidade, Lacan partiu em busca de seu poder... Tornou-se Grahf... e o mundo desabou.
Ela sacudiu a cabeça mais uma vez, pesarosa, antes de tornar a olhar para Citan.
_ Essa tragédia aconteceu por causa da ganância das pessoas por poder. Eu devo tomar parte da responsabilidade por não ter sido capaz de impedí-la. E agora, Fei... Aquele que tem o mesmo poder que Grahf... Nós apenas quisemos selar aquele poder assustador que se ergueu de nossos próprios pecados.

<Citan>


Grahf, o homem um dia conhecido como Lacan, partiu em busca do ‘Poder de Zohar’...

Aquele que tem o mesmo poder que Grahf... Fei...

Eu tive essa premonição de que Fei, também, despertaria e procuraria por esse poder.

E esse pressentimento tornou-se realidade.


O bloco de celas em Shevat era um lugar deprimente, abandonado às escuras e onde o único som audível era o gotejar incessante que decerto vinha do sistema de refrigeração, condensando o ar ambiente. Seu único prisioneiro não estava em condições de fazer qualquer ruído.
Fei Fong Wong estava confinado em carbonita, um ser humano encrustado num bloco opaco, totalmente alheio do mundo ao seu redor, ao que parecia. No interior de sua mente, tampouco, havia um mundo a perceber.
Ele estava caminhando num amplo espaço vazio, onde a única certeza que tinha era que algo cintilava em algum lugar; podia ouvir o som. Nada fazia sentido para a sua presença, caminhando sempre em frente sem sequer saber o porquê.

Onde... eu estou?

Outra vez o som de tilintar. Não havia nada à sua volta, mas aquele som era estranhamente familiar. Já o ouvira antes.

Quem... sou eu?

Seu ângulo de visão mudou de repente, e agora podia ver diante de si a figura inconfundível de um crucifixo de prata, pendendo de um lado a outro, cintilando na luz sempre que atingia um limite em seu balanço e parecendo girar enquanto pendia.

Isso é... a minha memória?

A figura de um homem vestido de verde, com óculos de lentes quádruplas, surgiu à sua direita, e ele viu-se conversando com ele diante da porta de uma casa modesta sobre a montanha.

Doc...

À esquerda, ele conversava com um rapaz loiro, com um tapa-olho sobre o olho esquerdo, e ambos estavam de pé no convés de um cruzador de areia.

Bart...

Agora à direita, um gigante verde de cabelos de fogo falava com ele diante de uma porta, e por toda a volta havia uma cidade decadente como um bloco de prisão.

Rico...

Mais adiante, à esquerda, ele conversava com um rapaz vestido como padre, e ao redor deles havia várias camas como num hospital, ou orfanato.

Billy...

Diante dele, pouca coisa mais à direita, um estranho mascarado dava-lhe as boas vindas por finalmente ter chegado a uma cidade que flutuava nos céus.

Sábio...

Agora à sua esquerda, a lua brilhava escarlate atrás de um sombrio mascarado, parado sobre o ombro de um Gear de bronze, ambos ameaçadores e passando uma terrível impressão de inevitabilidade.

Grahf...

Só então ele percebeu que havia um vulto, uma ‘manifestação de si mesmo’ saindo e detendo-se na direção de cada uma das figuras familiares e que, de alguma forma, era como se aquelas figuras não fizessem mais parte dele.

Todo mundo... Minhas... memórias...

Um clarão mais intenso brilhou por um instante e o crucifixo pareceu maior, ou mais próximo, enquanto uma jovem de cabelos vermelhos e uniforme de Solaris seguiu em frente e ele parou.
_ Elly?
Um segundo clarão se fez por um momento, e agora era uma moça de cabelos escuros e vestido de camponesa que seguia em frente, alguém que sabia conhecer mesmo sem nunca ter visto até então.
_ Mãe?
Todas as imagens de si mesmo voltaram e pareceram fundir-se com ele enquanto o cintilar do pingente finalmente tornou-se numa luz mais intensa, crescendo em intensidade e marcando seu caminho numa trilha luminosa. E o pêndulo ficou cada vez maior, aproximando-se mais dele.
Diante dele por um longo momento, o rosto invertido de um menino sorrindo sob cabelos revoltos fez com que tudo à sua volta estremecesse. E após o tremor, Fei percebeu que não estava mais sozinho.
_ Quem é você?
A pessoa era idêntica a ele, da cabeça aos pés. Estava sentado imóvel no centro de um facho de luz semelhante a um holofote, e parecia levemente translúcido, como se seu corpo não fosse sólido. O rosto, apesar de idêntico ao dele, não tinha qualquer expressão, e seus olhos pareciam vazios.
_ Eu estou surpreso. Isso é muito esperto.
Fei voltou-se. O menino de cabelos revoltos aproximou-se até deter-se diante dele, e parecia sorrir.
_ Você... é o Id?
_ Eu te julguei mal – o menino prosseguiu, como se não tivesse ouvido – Eu não esperava que você, a personalidade falsa, fosse criar uma quarta persona.
_ Quarta persona?
Fei voltou-se para o outro, sentado imóvel atrás de si. E Id também voltou sua atenção para o outro.
_ Ele não consegue sentir coisa alguma. Está trancado dentro do seu ego. Os fatos e as verdades difíceis, que você não admite. Está com medo deles, então desejou se desligar completamente do mundo exterior. E assim – ele passou por Fei, detendo-se diante do outro – você formou uma quarta persona. Um quarto ‘Fei’. O nome... não importa.
“Ele é quem está no palco. É ele quem está no controle do nosso corpo. Mas essa é uma forma inútil de resistência”
Id voltou-se para o outro, então, e não estava mais sorrindo.
_ Venha comigo!
O outro prontamente se pôs de pé e começou a seguir Id, que se afastou de Fei naquele vazio mental.
_ Espere! Onde está indo?
_ Ele tem a chave – Id respondeu sem se voltar – Eu meramente quero pegar emprestado. Tenho que ir pra um lugar.
Fei nada disse ou fez enquanto Id e a quarta persona desapareciam diante de si. Quando não podia mais vê-los, no entanto, ainda pôde ouvir a voz de Id perguntar:
_ E você... Vem também?
As luzes se apagaram.

  

O ANTIGO ECO DESAPARECE

domingo, 22 de janeiro de 2017

Capítulo Cinquenta e Cinco

Capítulo 55 – Miang



Fei tombou com um gemido, sendo amparado por Citan, que como todos os demais simplesmente não podia acreditar no que acabara de acontecer. Elly estava de pé diante deles, olhando para todos com indiferença, e seus cabelos tinham agora o mesmo tom índigo dos de Miang.
_ Fei! Agüente firme, vamos!
_ E-ela... usou a minha arma...! – Billy percebeu ao reparar em seu coldre esquerdo vazio.
_ P-por que você fez isso, Elly...? – perguntou Bart, olhando sem entender para o amigo caído e para a moça.
_ Elly? – Citan insistiu – O que aconteceu com você?! Como pôde?
_ Não me diga que ela... sofreu lavagem cerebral? – Bart indagou, soltando os chicotes da cintura e temendo o pior.
_ Não tem nada a ver com lavagem cerebral.
Todos se voltaram. Krelian, que supostamente fora morto por Ramsus, colocou-se de pé sem maior esforço e, todos podiam ver, parecia ileso.
_ A maior parte do meu corpo é composto de uma colônia de nanomáquinas – ele explicou com pouco caso, batendo a poeira da roupa – Não apenas para longevidade... mas também para unificar-me com a ‘mãe’... Então, não se surpreendam. Uma quantidade de dano como essa pode ser recuperada com razoável rapidez.
_ Unifcar-se com a mãe...? – perguntou Citan, e Krelian acenou para Elly.
_ Aquela garota... Elhaym, é a nossa ‘mãe’.
_ Sim – Elly enfim falou, confirmando – Eu sou a mãe de todos os humanos.
Ninguém compreendia do que Krelian estava falando, ou por que Elly o estava apoiando naquela insanidade. Como podia ser? Mas a voz de Elly trouxe alguma reação por parte de Fei, que estendeu a mão na direção dela.
_ Elly...?
_ Que baboseira é essa que você tá falando?! – Bart exclamou – Sai dessa, Elly!
_ Tão lento quanto de costume – Elly replicou, agora com um mínimo sorriso de superioridade – Mas eu não o culpo. Que assim seja. Explicarei a vocês todos a respeito. Este – Deus – que vocês chamam de ‘deus’, é um ‘sistema de armas de invasão interplanetária’ que foi construído em tempos antigos por humanos de outro planeta. Ele foi criado como uma arma automática que poderia agir por vontade própria para tomar o controle de um planeta alvo. Mas vocês já devem saber até esse ponto por terem visto os registros de Razael.
“Seja como for, durante um teste, Deus tornou-se incontrolável. Ele liberou seu poder e aniquilou um planeta inteiro. Os criadores de ‘Deus’ descobriram que seu poder imensurável era uma ameaça grande demais e assim sendo, forçosamente o desligaram. A fim de analisar a causa do problema, seu núcleo foi desmontado e colocado a bordo de uma nave de passageiros emigrantes interplanetária, para ser transportado para outro planeta”.
“Tomando consciência disso, o Deus desmontado resistiu. Ele tentou dominar a nave de passageiros que o estava transportando. No entanto, como última linha de defesa contra a fuga de Deus, seus criadores inesperadamente destruíram a nave inteira, fazendo com que colidisse com este planeta. Deus sabia que não seria capaz de escapar da explosão ou do impacto iminente, então ele desligou seu núcleo do reator de força ‘Zohar’.”
_ Zo... har...? – balbuciou Fei, parecendo reconhecer aquele nome.
_ Sim, ‘Zohar’ – respondeu Elly – É o que move todos os Gears neste planeta. É o gerador mestre que transmite sua energia aos geradores escravos de nossos Gears. E também é a fonte de todo o poder ether que os habitantes deste planeta utilizam. Utilizando os deslocamentos de energia causados ao atualizar fenômenos potenciais futuros, este ‘Modificador Zohar’ tem a habilidade de produzir quantidades infinitas de energia.
_ A fonte de todo o nosso poder ether?! – perguntou Bart.
_ Está dizendo – perguntou Citan – que toda a nossa energia vem daquele único motor, ou reator de força?
_ Sim, mas há mais – Elly prosseguiu – O núcleo que foi desligado de Zohar, o ‘Computador Biológico Kadomony’, colidiu com este planeta primitivo. Ele ativou – Persona – sua usina de suporte vital, que pode gerar material orgânico.
“Ao fazer uso disso, ele preparou para si mesmo um sistema geneticamente baseado para o dia quando Deus seria ressuscitado. Assim, os primeiros humanos foram criados de lá... O Imperador Cain e o Ministério Gazel”
_ Está dizendo que o Imperador e aqueles velhotes do Gazel eram gente nascida de Deus?! – Rico perguntou, obviamente surpreso.
_ Sabe por que o Ministério Gazel desejava as Relíquias Anima e seus corpos? – Elly perguntou – Bem, esta é a razão... Antes de se tornar humanos, os corpos do Ministério um dia foram partes dos elementos orgânicos nos circuitos do núcleo que compunha ‘Deus’. Havia dois tipos de elementos orgânicos. O tipo feminino era chamado ‘Anima’, enquanto o tipo masculino era chamado de ‘Animus’. Eles também foram criados com a habilidade adicional de se tornar armas móveis mesclando-se com o maquinário que fosse adequado para uso como armas de interface terminal para Deus. Em outras palavras, aqueles Omnigears que vocês estavam usando eram uma forma de tais armas.
“O Ministério, que era o Animus, deveria se tornar mais uma vez um com suas Animas separadas até o tempo da ressurreição de Deus. Mas, numa guerra há quinhentos anos, todos perderam seus corpos físicos. Foi então que eles decidiram extrair seu próprio fator genético de certos indivíduos de seus descendentes humanos que carregavam os conjuntos apropriados de D.N.A. Tudo para que cada um deles pudesse se tornar um com sua respectiva Anima novamente”.
_ Descendentes? – perguntou Maria, e Bart murmurou:
_ Então, nós todos somos...?!
_ Sim – Elly confirmou – Vocês humanos são todos descendentes de Cain e do Ministério Gazel. Eles nasceram da – Persona –, deram origem a outros e se propagaram. Seguiram seu programa interior para algum dia ressuscitar o altamente danificado Deus.
_ Todas as pessoas do mundo foram criadas unicamente para ressuscitar Deus?! – Citan perguntou com indignação.
_ Sim. Mas não foi apenas para restaurar seu antigo corpo. Mais da metade de Deus é construída de peças biológicas. Lembram-se daqueles humanos mutados? Todas aquelas pessoas estavam destinadas a se tornar peças de reposição para Deus.
_ Nós humanos somos... peças para deus... – Billy não podia acreditar.
_ Sim, quase todas as pessoas estão destinadas a se tornarem partes de Deus – Elly respondeu – Mas vocês, pessoas reunidas aqui, são todos diferentes. Pode se dizer... que vocês fugiram a esse destino ao existir através de gerações múltiplas. Na verdade, não havia peças suficientes para Deus... Mas Krelian compensou pelo que estava faltando.
“A redução do número de peças foi devida aos humanos vivendo através de gerações múltiplas, mas esta deficiência no fator humano foi compensada pelas nanomáquinas criadas por Krelian. Não apenas isso, mas suas nanomáquinas acrescentaram funções adicionais. Deus, assim, evoluiu na arma perfeita”
_ Elly... – Fei era o único que parecia mais chocado com a mudança de Elly do que com toda a informação que ela estava dividindo com eles – O que aconteceu...? Por que você... sabe disso tudo...?
_ Eu sou Miang – ela respondeu – A guardiã do tempo. A representante de nosso deus. Eu nasci para guiar as pessoas rumo ao caminho para a ressurreição de Deus.
_ Isso é ridículo! – explodiu Bart, apontando para onde estavam Ramsus e Miang – A Miang acabou de...
_ Você é limitado em sua capacidade de compreender – Elly suspirou com algum cansaço – O fator Miang existe no interior de todas as mulheres. Aquela que transcende as gerações, a zeladora dos humanos. Quando a anterior morre, em algum lugar, outra Miang é desperta. Está programado no DNA de todas as mulheres para que seja assim. Quem herda o dever é apenas uma questão de probabilidade, Fei. Aquela Miang logo ali e eu somos a mesma existência. Somos todas partes de Deus... Todas guardiãs dos humanos.
Silêncio caiu sobre todos eles, apenas Emeralda parecendo alheia à última explicação. Maria olhou para si mesma, perturbada por saber que o mesmo poderia acontecer a ela, e Bart estava pensando em Margie. O mesmo se dava com os demais, pensando em suas mães, esposas, filhas e irmãs tendo o potencial de se tornar numa perfeita estranha, sem sentimentos, cujo único propósito seria reativar uma arma que destruiria a todos, sem se importar com mais nada. E puderam ter um vislumbre do que Fei devia estar sentindo.
_ Vamos encerrar esta discussão – Elly tornou a falar – Deus despertou. Eu sou uma das peças que compõem Deus. Assim sendo, devo me tornar uma com ele.
_ Elly! – chamou Citan – Por que tinha de ser você? Se Miang é uma peça para Deus, por que não aconteceu antes...?
_ Ainda não basta para ela ter meramente despertado – foi a vez de Krelian explicar – Embora ela possa ser Miang, ela ainda não é a ‘verdadeira Miang’.
_ A ‘verdadeira Miang’...? – Citan perguntou, mas Elly o interrompeu.
_ Vamos, Krelian. Tudo o que resta a fazer é devastar a civilização deste planeta e devolvê-lo ao que era. Então, eu poderei completar minha unificação com o fragmento final de Deus... O ‘Modificador Zohar’, o reator de força que caiu sobre este planeta e se tornou nossa gênese e, agora, nosso apocalipse...
_ A erradicação da civilização?! – Citan indagou – Qual é o propósito de se fazer isso?!
_ Quem sabe...? – Elly deu de ombros – As criações de deus um dia poderão ser um empecilho. É por isso que devem ser eliminados. Eu apenas estou programada para agir desta forma.
Krelian agora estava caminhando rumo ao casulo de metal de olhos azuis que era Deus, e chamou por Elly.
_ Venha... É a hora para o despertar da ‘verdadeira mãe’.
Sem outra palavra, Elly desceu de onde estivera e deu as costas aos companheiros, acompanhando Krelian, mas Fei esforçou-se para ficar de pé e chamou:
_ Por favor... espere... Elly...!
Ela deteve-se por um momento a mais e voltou-se para ele. Mas não havia qualquer alteração em seu semblante, ou emoção, quando respondeu:
_ Adeus... Fei. Que você tenha um ‘despertar’ pacífico.
Krelian e Elly voltaram-se e adentraram Deus. No ato, os tubos de alimentação do alto desligaram-se da estrutura, que lenta e inexoravelmente mergulhou no líquido protéico até desaparecer, enquanto toda a estrutura da Merkava começou a estremecer.
_ Elly!!
Num impulso, rápido demais para que qualquer um dos amigos o impedisse, Fei subiu em Weltall-2 e mergulhou no líquido protéico enquanto as bolhas deixadas pela submersão de Deus ainda surgiam na superfície.
_ Espere, Fei!! – chamou Citan, fazendo menção de avançar – Não libere o sistema!!
_ Citan, espere!! – Bart deteve o amigo pelo braço – Só estamos nos pondo em risco! Por enquanto, vamos cair fora daqui!!
E enquanto os amigos fugiam da estrutura, a estrutura cônica colossal que agora compunha a Merkava ergueu-se aos céus, girando lentamente. Do seu topo, uma torre de disparo pronunciou-se e varreu os arredores com um feixe de energia, marcando o início do fim para a humanidade em Ignas.

  

UM MILHÃO DE FORMAS DE LUZ

sábado, 14 de janeiro de 2017

Capítulo Cinquenta e Quatro Ponto Três

(...)

_ Agora, chegou o momento do grande despertar!
Tão logo Miang falara, o estranho casulo atrás de Opiomorph começou a pulsar, uma reação violenta de energia que fazia todo o complexo estremecer. Os tubos de alimentação sobre ele subitamente pareciam estar drenando toda a energia disponível, e Bart pareceu gemer.
_ O-o quê, ô?! M-meu corpo... É como se estivesse sendo dilacerado!!
_ Aquilo... Omnigears? – Emeralda perguntou diante deles.
_ I-isso está... me puxando...!!
_ Droga, o que está havendo?!
Fei não entendia, olhando de um lado para outro e perguntando-se o que mais poderia erguer-se contra eles, e então percebeu para onde Emeralda estava apontando.
_ Hã?! Ei... Aquilo é...?
Pairando sobre o casulo de metal como gigantescos anjos espalhados ao redor dos tubos de alimentação estavam formas humanóides que muito lembravam Renmazuo, Stier, Fenrir e Andvari. Fei olhou para o lado, tentando se certificar de que Bart ainda estava ali.
_ Os nossos Omni...? Não, não é isso!! São as nossas... Relíquias Anima!?
_ Tirando Relíquias... dos Omnigears – Emeralda murmurou enquanto Fei assistia as figuras dos Omnigears dos amigos descendo devagar na direção do casulo metálico, e desaparecendo aos poucos.
_ Deus está... Engolindo nossas Relíquias Anima?!
Quando o último dos Omnigears desapareceu, a absorção de energia caiu drasticamente e reduziu-se até chegar ao fim. Mas seus efeitos estavam longe de acabar ao que parecia, pois Bart tornou a chamar:
_ O que está havendo? Meu Omnigear... não se mexe?! É como se estivesse morto...?
_ Este é o verdadeiro significado das – Relíquias Anima – Miang disse – Alcançar seus respectivos – Animus – e retornar à – Persona –. As Relíquias Anima na verdade são um conjunto de peças que compõem _ Deus _ , a manifestação física de deus. Elas recuperam seus poderes ou funções originais ao alinharem-se com seus parceiros destinados... Um Omnigear que perdeu sua respectiva Relíquia Anima é apenas um fantoche. Se torna uma mera taça, ou receptáculo, no qual não há conteúdo.
_ E esta garota também estava destinada a se tornar uma com deus... – Krelian continuou – Entendem... Elhaym, na verdade, também é uma das peças de deus.
_ Do que diabos vocês está falando!? – Fei rosnou, e Krelian deu de ombros.
_ Posto simplesmente, vocês serviram para ajudar a trazer todas as peças de deus, juntas, aqui para mim. São um bando de tolos estúpidos. É como se todos fossem palhaços.
_ Vocês acreditaram na lenda de como nosso mundo e o universo foram criados – disse Miang – mas o Ministério e eu fabricamos esse mito há muito tempo atrás, para se adequar aos nossos propósitos.
_ É mentira!! – Fei protestou – Como isso pode ser verdade?
_ Acho que vai descobrir que os Omnigears de todos os seus amigos estão mortos, também. Estou falando dos seus amigos que se separaram e tomaram um caminho diferente do seu para chegar a este lugar. Todos eram peças de deus que foram desmontadas no passado, mas uma vez mais, estão todas reunidas aqui.
_ Sim – confirmou Krelian – É sem dúvida o momento para a ressurreição de deus.
_ P-para que foi tudo... Tudo o que eu tenho feito até agora...
Todos se voltaram para a borda interna do lago, e Fei, Bart e Emeralda aproveitaram para deixar seus respectivos Gears. Kahran Ramsus surgira do nada, parecendo tão abalado e confuso quanto sempre, e também exausto. E mesmo aborrecido pelo atraso que o outro causara, Fei não conseguia deixar de sentir alguma pena dele. Ramsus tinha a expressão de alguém que via o esforço de anos ser desfeito em minutos.
_ Ramsus...!?
O Comandante da Gebler estava encaminhando-se até onde Elly estava, com Krelian e Miang diante de si, e o cientista olhou para ele com pouco caso.
_ Hmph... É apenas você...
_ O que está fazendo aqui, Kahr?
_ E quanto a mim...? – Ramsus caminhou até ficar diante de Miang – Minha existência... Qual foi seu propósito?
_ Havia apenas um único propósito para a sua existência – Miang respondeu, agora parecendo indiferente – Eliminar o Imperador Cain. A vontade de Cain tinha se tornado parecida demais com a dos humanos. Ele estava preocupado demais com eles. Tinha se esquecido de sua missão de reviver deus.
“Foi por isso que você foi criado. Você foi feito apenas para remover nosso principal empecilho... Cain. Mas, como o ser vivo original, Cain tinha poder absoluto. Para fazer com que você se voltasse contra Cain, era necessário focalizar sua mente num único ponto. Porém, sendo uma forma de vida artificial, você era mentalmente instável.”
“Foi por isso que... nós usamos a existência de Fei. Ressentimento... Esta é a fonte de sua força. E você soberbamente alcançou a excelência ao cumprir nossas expectativas quanto a você. Mas... não temos mais qualquer uso para você. Não percebeu ainda?”
Ramsus estava de cabeça baixa, punhos tolhidos e sem dizer coisa alguma, mas era possível notar que seu nervosismo estava aumentando. Os pulsos tremiam cada vez mais, algo ao qual Miang parecia completamente alheia.
_ Você é um punhado de lixo. E sendo o dejeto que é, por que simplesmente não desaparece? Hah hah hah.
_ Eu... Eu... – ele avançou mais e ficou diante da cruz metálica que detinha Elly, sem encarar nenhum deles – Pelo que eu nasci? Para quê eu recebi vida?
Ramsus caiu de joelhos, enquanto Krelian olhou para ele com desdém.
_ Uma imitação barata de vida. Ora, você nem ao menos é humano! Kahaha... Hah hahaha...!
_ Agora – Miang voltou-se, parecendo voltar a tomar consciência de Fei e dos demais – O que fazer com o resto de vocês... Bem, não posso simplesmente matar a todos, já que me serviram tão bem. Então, como recompensa, eu permitirei que sejam sacrificados também... Sejam assimilados para dentro de Deus juntamente com essa garota... Guhhh?
_ Ramsus!!
Fei teve apenas tempo de gritar. Veloz demais e percebido tardiamente, Ramsus desembainhara sua espada e golpeara Miang pelas costas, derrubando a moça sem uma palavra. Ele deteve-se na postura do golpe por um momento e então puxou a lâmina, enquanto Miang pareceu rir, ou sufocar, engasgando no sangue que escorria de sua boca.
_ Bom... Era desse jeito que eu queria, Kahr... – ela sorriu para ele – Sou destinada a não... ser capaz de matar a mim mesma... Agora todos... os meus... desejos... se tornaram realidade. Graças a... você...!
_ ... Miang...
Ramsus olhava para sua imediato como se não pudesse entender o que acontecera, ou acreditar que realmente o tivesse feito. Lentamente ele voltou-se, até estar de frente para Krelian.
_ Uh, uhaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhh!!
Erguendo a espada e avançando depressa, Ramsus golpeou seu criador de cima a baixo, detendo-se novamente na postura do golpe enquanto Krelian também caía sem emitir um gemido. E então, ele caminhou lentamente até a forma caída de Miang e ajoelhou-se ao lado dela, deixando sua espada cair e parecendo lamentar a morte dela.
_ Uma pena nós termos perdido toda a ação. Nossos Omnigears deram pau no meio do caminho.
Fei voltou-se. Rico acabara de chegar, juntamente com Chu-Chu, Citan, Billy e Maria.
_ Mas tanto faz... Vamos logo salvar Elly!
_ É, eu sei.

Ramsus não parecia interessado em nenhum deles, apesar de Emeralda e Bart continuarem a manter sua atenção nele, enquanto Billy e Fei subiram até a cruz metálica, onde Elly permanecia inconsciente.
_ Agüente firme, Elly! Eu vou te descer agora.
Billy soltou as mãos dela e Elly caiu nos braços de Fei, que suspirou aliviado. Estava salva. Elly estava salva, e apenas uma porção menor de sua atenção pareceu registrar que ela não usava mais seu costumeiro uniforme de Solaris. Ao invés disso...

BANG!

A princípio, ninguém compreendeu direito o que acontecera. Fei cambaleou um pouco, parecendo perder a firmeza do corpo, e então tombou para trás, sendo socorrido imediatamente por Billy e Citan. E todos os olhares voltaram-se, chocados, para Elly, que estava de pé diante deles com os cabelos sobre os olhos e uma pistola fumegante em sua mão esquerda.
Ela ergueu sua cabeça lentamente então, os olhos fechados e os cabelos lentamente parecendo escurecer mais e mais, até tornarem-se da cor azul índigo, e sua pele tornar-se mais clara. Após um instante de silêncio, Elly abriu os olhos e os encarou, e seu semblante era totalmente sem emoções, tão diferente da moça gentil que todos conheciam até então. E enquanto imensos olhos azuis também se abriam no casulo metálico atrás dela, talvez apenas Citan percebesse que, com aquele traje, cabelos e expressão, Elly estava por demais semelhante à falecida Miang.



ESPELHO QUEBRADO

sábado, 7 de janeiro de 2017

Capítulo Cinquenta e Quatro Ponto Dois

(...)

Pouco depois da fenda na parede, podiam ver o que restara de Amphysvena, tombado à esquerda do corredor extenso diante deles. O local parecia um laboratório de alguma espécie, e era amplo o bastante para que os três Gears caminhassem ali dentro. Havia nanoreatores semelhantes àqueles nos quais Fei e Elly tinham sido curados espalhados pelo final do corredor, e vários computadores fazendo leituras. Sem saber por que, Fei sentiu um calafrio; aquele lugar o fazia pensar em algo familiar e desagradável.
_ O que é esse lugar?
_ Aqui é onde Kahr nasceu. E onde o ódio dele por você foi forjado...
A voz viera de lugar nenhum, e embora não houvesse ninguém à vista, os três a haviam ouvido. Era uma voz familiar.
_ Quem está aí?!
Por resposta, duas portas imensas abriram-se ao final da câmara, dando passagem aos três Gears até o que parecia ser o núcleo central de toda Merkava.
_ O que é isso...?
O murmúrio de Fei permaneceu sem resposta. A sessão central de Merkava era semelhante a um lago de líquido protéico verde cintilante, estendendo-se por alguns quilômetros por toda a volta, e era imenso o bastante para que a Yggdrasil fosse submersa nele. Uma forma arredondada semelhante a um gigantesco casulo de metal estava parcialmente imerso no centro, e tubos de alimentação desciam do teto para se ligar com seu topo. Na borda interna do lago, extensa, havia uma haste de metal semelhante a uma cruz, onde os visores de Weltall-2 captaram a presença de uma forma humana. Uma forma inconsciente de longos cabelos ruivos, que seu piloto prontamente reconheceu.
_ ...!! Aquela é a Elly!!
Os três pilotos deixaram seus Gears e avançaram pela passarela que ligava a borda interna do lago com o restante do complexo. Não havia engano, era Elly, aparentemente crucificada diante do casulo metálico como eles antes tinham estado em Golgoda, e Krelian e Miang estavam em seu caminho.
_ Elly!!
_ Teria realmente me agradado ser capaz de dar a vocês os parabéns por chegarem até aqui – disse Krelian, à esquerda do trio – mas seus esforços foram todos em vão. A ressurreição de _ Deus _ é iminente. Sacrificar esta garota trará adiante o despertar de ‘deus’.
_ Do que está falando?! Por que Elly tem que ser sacrificada?
_ Não há necessidade de você saber – Krelian replicou simplesmente – Para todos vocês, isso termina aqui...
_ Ah...?
Do interior do líquido protéico, o Omnigear de Miang emergiu. Era o mesmo que ela pilotara durante os confrontos do Wyvern de Ramsus, mesclado com a Relíquia Anima que Fei, Elly e Citan tinham descoberto enquanto invadiam o laboratório de Krelian, e sua fusão resultara num Gear feminino cuja metade inferior alongava-se como uma serpente, e parecia tolice imaginar que ela ficaria passiva como fizera antes, enquanto Ramsus lutava.
_ Hehem... Adieu, meninos...
Fei, Bart e Emeralda foram recolhidos por seus Gears enquanto Opiomorph, o Omnigear de Miang, deslizava para fora do líquido protéico. Infelizmente, por necessitarem de um instante a mais para voltarem às suas respectivas cabines de comando, os três não foram capazes de impedir o primeiro ataque.
_ Onda 4, Devastador!
Uma ampla rede sombria de ether espalhou-se entre os três Gears, e Fei reconheceu o efeito visual como o mesmo ataque da Executora sobre eles em Solaris. Ao contrário daquele ataque, porém, os três surpreenderam-se com o dano mínimo que tinham sofrido.
_ Mas hein? – Bart olhou ao redor, admirado – Aí moça, esse ataque nem fez cócegas!
_ Defesa dela... Caiu.
Fei não conseguia ver nada de anormal na postura do Gear de Miang, mas sabia que os olhos de Emeralda deviam ser capazes de ver o metal da estrutura da outra melhor do que eles. E Bart não precisou de outro incentivo.
_ Tá brincando! É tudo o que eu precisava! Dá licença, moça, mas agora é a minha vez!
_ Bart, espere um pouco...!
Os chicotes de Andvari golpearam o Omnigear diante de si e ele deslizou para direita enquanto Crescens mergulhava, suas asas fechadas em punho e fazendo o Gear oponente arrastar-se na direção do lago protéico.
E Fei não estava gostando daquilo. O primeiro ataque fora insignificante, mesmo para seus Gears pesadamente castigados pela batalha contra Ramsus e Amphysvena, e Miang nem ao menos tentara conter os ataques de Bart e Emeralda. Weltall-2 ficou na postura de ataque, mas não se moveu.
_ Anda, Fei, tá esperando o que? – Bart gritou, enquanto Andvari golpeava num rodopio – A gente podia aproveitar uma ajudazinha aqui, sabia?
_ Recuem, Bart, Emeralda! Tem alguma coisa errada, ela nem está tentando se defender!
_ Ah, você quer me ver lutando? – a voz de Miang veio pelos comunicadores, serena – Muito bem. Onda 4...
_ Ih, lá vem de novo – Bart resmungou com desinteresse.
_ ... Devastador!
O mesmo tornado de escuridão varreu os três Gears de Fei, Bart e Emeralda, mas com efeitos muito mais significativos. Desta vez foi quase como ser atingido pelo ‘Finalizador’ de Ramsus, e apenas os reparos já realizados pelos sistemas automáticos de Weltall-2 e Andvari os salvaram de uma derrota instantânea, embora por pouco.
_ M-mas o que...? – Bart sentia dores no corpo todo, mesmo sabendo que não tinha sido atingido diretamente pelo ataque – Agora a pouco isso nem encostou na gente! Como foi...?
_ Então era isso... – Fei murmurou, e Miang riu baixo diante deles.
_ Você realmente amadureceu, não foi? É isso mesmo, o poder de ataque da Onda 4 de Opiomorph é totalmente dependente da quantidade de dano sofrido pela estrutura. Simplificando para que todos entendam, quanto mais vocês atacarem, maior será o poder com o qual vou atacar. E, como talvez tenham notado, meu ‘Devastador’ é um ataque de ether, portanto não preciso aguardar tanto quanto Kahr com seu ‘Finalizador’.
Fei olhou ao redor. Andvari mal parecia poder agüentar-se de pé, e os sensores de dano indicavam que Weltall-2 não estava em melhor situação. Como antes, os sistemas automáticos não poderiam deixá-los em condições plenas tão depressa, e já haviam consumido uma quantidade considerável de combustível para chegar ali. Apenas Emeralda, que não batalhara contra Ramsus, parecia estar pronta para continuar.
_ Fei... Ô Fei! Tá me ouvindo?
_ Ainda funcionando, Bart.
_ Emeralda?
_ Pronta... Ela enfraqueceu de novo...
_ Sei... Mas isso é só pra recarregar o tal do ataque. Aí, Fei, foi mal, eu devia ter te escutado.
_ Esqueça... Teríamos que atacar, cedo ou tarde.
_ É, eu sei. Escuta... Eu queria continuar, mas acho que Andvari tá pior do que eu pensava... Mais um desses e eu já era.
_ É, acho que estou na mesma situação aqui – Fei verificou os sensores de dano – Mas precisamos fazer alguma coisa.
_ E então? – chamou Miang, Opiomorph deslizando da esquerda para direita – Estou esperando! Isso era tudo?
_ Fei, presta bastante atenção... – Bart murmurou – Seja lá como for, essa deve ser nossa última chance, então tem que ser pra valer. Vamos fazer isso direito!
_ Se vocês não vêm, eu vou.
Opiomorph avançou deslizando, sua longa cauda de serpente impulsionando-a e então enlaçando Andvari pela cintura, erguendo-o sobre a cabeça e quase atingindo Crescens e Weltall-2 com ele, chicoteando da esquerda para direita. E Miang riu.
_ Se não querem atacar, não há problema. Eu posso acabar com isso, mesmo sem meu melhor ataque. Se pretendem ficar parados...
_ V-vai sonhando... moça.
Andvari ativou seus Turbos e bateu seu chicote direito. Próximo como estava e com o braço ainda livre, não havia para onde Opiomorph pudesse se esconder.
_ Se é pra levar a pior nessa briga – Bart murmurou entre dentes, ofegando – pode ter certeza de que eu não vou sozinho! Fei, comigo! Andvari em Modo Hyper, Dança dos Mortos!
Numa versão maior do ataque ‘Justiça’ de Bart, Andvari atacou Opiomorph com descargas de ether de grande intensidade, todas conduzidas pelo chicote e encerrando a investida com um imenso cristal de ether, paralisando Miang e fazendo com que o Omnigear de Bart fosse solto.
Mas o ataque tivera seu preço. Andvari estava danificado demais para suportar o próprio ataque, e tombou ao ser solto. De seu comunicador, a voz de Bart exigiu:
_ Anda Fei, tá fazendo o que parado aí?! Você já entendeu, não foi? Manda ver, cara!
Sim, Fei compreendera. Enquanto Opiomorph estremecia, tentando se livrar da jaula de cristal, Fei ativou o Sistema Id e colocou seu Gear em Modo Hyper instantaneamente, posicionando-se para atacar.
_ Emeralda, observe bem onde vou atingir; você é a próxima. Entendeu? Weltall-2 em Modo Hyper: Goten X!
Opiomorph acabara de se libertar do cristal que a Dança dos Mortos de Bart deixara quando Weltall-2 surgiu diante dela, seus Turbos auxiliando no ataque de chutes velozes que culminaram numa última explosão de chi. E enquanto o Omnigear de Miang tornava a recuar, agora à borda do lago protéico, Weltall-2 juntava-se a Andvari e ficava inoperante.
_ Ora... Isso foi muito interessante! – Miang replicou, finalmente conseguindo compensar o impulso contrário em seu Gear – E agora, se me permitem...
_ Crescens em Modo Hyper...
Miang finalmente percebeu o Gear de nanomáquinas de Emeralda, pairando silenciosamente diante dela como um anjo de asas abertas. Não a percebera chegando ali, e tentou ainda atacar.
_ Onda 4...
_ ...Força das Trevas!
Crescens agarrou a metade humanóide de Opiomorph com suas asas e o girou sobre si, fazendo com que caísse ao solo com violência. E repetiu o golpe, lançando-a contra o lago protéico.
Opiomorph atingiu o casulo metálico com violência, e antes de sequer cair no líquido abaixo de si, foi comprimida pelas ondas de escuridão que brotavam das asas estendidas de Crescens.
_ Ora, mas não estamos poderosos... – murmurou Miang, parecendo admirada. E enquanto o Gear de Emeralda pousava de pé entre o lago e seus companheiros caídos, Opiomorph tombou.
_ Finalmente – Fei suspirou de alívio – Foi por muito pouco...
Mas reparou que Emeralda não desfizera a postura de guarda e teve um mau pressentimento. E Bart, à sua direita, obviamente não entendera.
_ Ei baixinha, o que foi? Você ganhou, não foi?
_ Não...
Um instante depois o Omnigear de Miang ergueu-se, parecendo totalmente ileso, e diante da surpresa deles a voz da moça se fez ouvir.
_ Heh... Muito bem então... Comecemos outra vez; desde o início. Acham que podem me vencer desta vez?
_ O que...? – Fei engasgou, incrédulo – Eu achei que tinha sido derrotada...?!
_ A não ser que você possa decompor a estrutura atômica dela – Krelian comentou desinteressadamente – não terão muita chance. Ataques normais são fúteis contra alguém que tem a habilidade de regenerar-se usando nanomáquinas.
Bart e Fei compreenderam, então, porque Emeralda não baixara a guarda. Como as defesas da Merkava, o Omnigear de Miang era reparado quase instantaneamente, e depois de toda a dificuldade que tinham tido apenas para chegar ali, seus Gears não tinham mais condição de continuar batalhando. Sem que os amigos chegassem, ficaria por conta de Emeralda e Crescens.