(...)
_ Mamãe!
O pequeno Fei estava ajoelhado, chorando e chamando
por alguém que não responderia. Ao seu lado, Fei e Id olhavam para a cena, o
adulto com pesar e o menino com desprezo.
_ E ‘ele’ descarregou os resultados de suas ações em
cima de mim. Para evitar assumir a responsabilidade por matar mamãe, ele me
usou como um escudo.
‘Eu também matei mamãe’
O Fei adulto olhou ao redor, e lá estavam. À sua
direita, Fei viu seu alter ego mais jovem, sentado diante da tela que repetia
interminavelmente a cena com a bola. E agora à sua esquerda, uma nova tela
mostrava o rosto do mesmo menino, parecendo espantado e chocado, com manchas de
sangue em seu rosto, cabelos e corpo, e Id de pé diante da tela.
_ Ele empurrou todas as coisas ruins pra cima de
mim... Mas guardou todas as memórias cheias de felicidade e amor de mãe para si
mesmo. E ele se trancou com aquelas memórias dentro de seu pequeno casulo...
pra sempre – indicou com a cabeça – Este é o lugar. O que você vê diante de si,
é o que ele fez. Ele fica apenas agarrado a essas memórias. E é isso o que é...
Fei olhou para as duas partes de si mesmo, a criança
imatura que se recusava a aceitar o que acontecera, vivendo isolada do mundo real
para sempre, e seu lado destrutivo, irritado e frustrado, formado e nutrido por
cada experiência ruim que vivenciara. E não pôde suportar mais.
_ Parem! Parem de uma vez com isso! Essa... Estas
cenas... Essas coisas são tudo o que existe para nós? – sacudiu a cabeça – Já
basta disso! Não existe nada aqui! Só um mundo repleto de engano e dor...
_ Não pode ser evitado – Id retrucou diante dele –
Isso é o nosso mundo... Isso é ‘tudo’.
_ Eu fui um tolo – Khan murmurou, seu Gear de cabeça
baixa e parecendo tão exausto quanto ele próprio – Foi tudo culpa minha. Eu
estava tão ocupado com meus deveres em Shevat que não percebi que Karen tinha
mudado. Eu não pude salvar você quando precisava da minha ajuda.
_ Me salvar...? Hah! – fez Id – Pra quê se incomodar
em dizer uma bobagem dessas agora? Não vai mudar coisa alguma! A única coisa
que pode fazer agora é morrer pela minha mão!
Khan estava desprotegido, e Id fora rápido demais.
Weltall deslizou adiante e golpeou depressa, seu punho veio adiante e
enterrou-se quase até o cotovelo no peito do Gear de Khan.
_ Urgh...! M-mesmo assim... Eu vou mostrar que...
Que posso salvá-lo...!
_ Papai! – Fei podia observar, em seu interior, tudo
o que acontecia no exterior de sua mente, e voltou-se para o menino de pé atrás
de si.
_ Pare com isso, Id! Papai não fez nada de errado!
_ Eu sei – Id olhou com desprezo para o menino Fei,
sentado de costas para ele e sacudindo a cabeça, negando-se a ver ou ouvir
qualquer coisa – Esse aqui é o verdadeiro culpado. Mamãe e papai não tiveram
escolha.
Fei olhou para os dois meninos, as duas partes mais
antigas de seu próprio ‘eu’ despedaçado, e perguntou-se o que poderia fazer.
Quando percebeu, estava dentro da projeção do pequeno Fei, a casa na mata à sua
esquerda e a bola rolando em sua direção, com o menino correndo logo atrás dela
e sorrindo para ele.
_ Obrigado. Devolve ela pra mim? Estou brincando com
a mamãe.
_ Isso... não é a realidade!
O grito de Fei desfez o teto da casa
_ São tudo mentiras!
As árvores desapareceram, varridas de súbito.
_ É tudo um truque!!
_ Tudo isso é falso!!
_ Tudo! Tudo isso!! É tudo mentira!!
A cada novo grito outra característica da cena
desaparecia, enquanto ele agitava o braço, desfazendo a ilusão à sua volta.
Então ele ouviu o som de uma porta se fechando, e o pequeno Fei sacudiu a
cabeça, voltando-se para sua metade adulta e batendo nele.
_ Não! Vai embora! Esse aqui é o meu quarto! Eu
pensei que você ficaria comigo pra sempre!
_ Por que não enxerga a realidade? – Fei perguntou,
ajoelhando-se para ficar de frente com o menino e percebendo, com o canto de
seus olhos, que Id também estava ali – Felicidade... Tristeza... Não são todas
as partes que, combinadas, formam o todo? Por que não mostra para ele? Por que
você não deixa o Id também ver o que você sempre assiste?
_ Não, isso é meu! – o menino deu as costas aos dois
– Eu não quero mostrar pra a pessoa que matou mamãe!!
_ Olha só quem fala – Id cruzou os braços – Foi você
quem matou mamãe!
_ Não, não matei, foi você! – o menino voltou-se,
esbravejando para o outro – Eu não matei ela! Mamãe não ligava pra você...
Papai também não percebia... E por isso você a matou! Eu não a matei! Não fui
eu! Eu não...!
_ Pare com isso!
Fei se interpôs entre os dois, forçou seu ‘eu’ menor
a encará-lo e falou, com a voz calma e triste.
_ ‘Nós’ matamos mamãe. Não é culpa de ninguém, a não
ser nossa. Não foi porque ela se tornou Miang, ou porque papai não percebeu.
Não procure lá fora pela razão. Não culpe mais ninguém, além de você mesmo.
“Sim, mamãe era Miang, e eu sei que você sofreu.
Ninguém poderia ter suportado. Mas você não pode empurrar tudo isso para o Id,
sozinho. Nós todos somos uma só pessoa. Todos precisamos nos tornar um. Está
certo? Fei... Ande sobre seus próprios pés! Encare a realidade que você não
quer ver!”
Uma nova tela surgiu entre as outras duas, e uma
contagem regressiva começou, como num filme antigo, como antes quando Id
mostrara seu passado. E o Fei adulto fez sua metade menor voltar-se para o
filme, ordenando:
_ Mostre elas para o Id. Tudo o que tomou para si
mesmo...
A princípio, a cena fora idêntica ao que Id já
mostrara. O menino Fei emanando uma intensa energia de chi dourado, que
explodiu para além dele com tal intensidade que derrubou Grahf, Khan e também parte
da casa onde ele morava, e feixes desencontrados da energia pairaram sem
direção no céu, sempre sob o olhar indiferente de Miang.
E entre as inúmeras massas de energia dourada, um
feixe de chi vermelho destacou-se, buscando voltar para sua fonte de origem.
Era ali que a raiva começava, e a forma mais simples de acabar com ela era
regressando. O menino sabia, em seu interior, o que aconteceria quando fosse
atingido por aquilo, mas não conseguia se mover...
... e a expressão indiferente de Miang se desfez,
enquanto Karen voltava a ser ela mesma pela primeira vez em semanas. No ar, a
onda de chi vermelho aproximou-se depressa de Fei, que fechou os olhos e
encolheu-se, temendo o pior...
... e aquela energia toda explodiu sobre as costas
de Karen, que atirou-se sobre o filho no último momento e gritou de dor, e
tanto sangue espirrou de seu ferimento que o rosto, cabelos e as roupas do
pequeno Fei ficaram manchados.
A corrente do crucifixo de Karen partiu-se. Ela
susteve-se de pé por um momento, o rosto franzido de dor, mas havia um sorriso
sereno de alívio ao olhar para Fei e ver que ele estava ileso.
E ela tombou para frente, caindo debruçada sobre a
criança. Seu crucifixo caiu ao chão, e os cabelos presos do menino se soltaram,
encobrindo parte do seu rosto. E a expressão de Fei endureceu, enquanto Id
vinha à tona pela primeira vez.
A seqüência na tela acabou, mas o rosto sereno e
gentil de Karen permaneceu, a imagem congelada na tela de Fei. O rosto de sua
mãe e seu sorriso de alívio ao perceber que o filho estava bem, apesar de ela
própria estar banhada no próprio sangue. O pequeno Fei e sua versão adulta
olhavam para a tela em silêncio, mas passado o primeiro instante, Id gritou.
_ Mentiras! Essa mulher...! Essa cena...! – Id
estava gesticulando, apontando para o rosto de Karen na tela, para o menino Fei
e novamente para a tela, um riso nervoso no canto de seus lábios enquanto ele
tremia – Tudo isso são ilusões! Ilusões que ele inventou! Eu, a minha
consciência, consegue enxergar através desse truque!
Nenhum dos outros dois fez qualquer comentário, o
menino ainda olhando e chorando silenciosamente diante do rosto da mãe, e o Fei
adulto olhando com tristeza para Id. Não era preciso dizer coisa alguma, e Id
hesitou.
_ Eu não vou ser enganado! E-eu...! Eu...!
_ Id... Já chega – Fei caminhou até ele e
ajoelhou-se, fazendo o outro olhar em seus olhos – Fazer isso não vai resolver
nada. Mamãe nos salvou no último momento. Essa é a verdade. Certo?
Id olhou novamente para a tela, e Fei sorriu com
tristeza ao perceber que o outro estava procurando sem sucesso por um motivo ou
meio de retrucar. Mas não havia o que dizer.
_ A realidade não é assim tão sombria, Id.
Lágrimas de frustração desciam agora, abundantes,
dos olhos de Id. Baixando a cabeça e apertando os próprios punhos, ele
murmurou:
_ Meu poder... Não conseguia salvar ninguém. Ele só
destruía. Eu pensei que só conseguiria criar uma conexão com outras pessoas por
meio da destruição. Por isso eu tinha que destruir tudo. As pessoas... O
mundo... Até mesmo Elly...
_ Não – Fei meneou a cabeça – Não é esse o caso. Nós
podemos salvar aos outros, assim como nossa mãe, apesar de ser Miang, nos
salvou. O nosso poder... Pode salvar as pessoas... Nós podemos salvar Elly!
Id olhou para além de Fei. O outro, o covarde,
olhava sem piscar para o rosto gentil da mãe... Mas agora, ele bem entendia
porque. Aproximando-se um pouco da tela, de forma que Fei não pudesse ver seu
rosto, ele murmurou com a voz rouca:
_ ... É a primeira vez pra mim... Mamãe sendo tão
carinhosa. Pra mim... Ela quase parece ser... carinhosa demais.
Ele então esfregou o rosto e voltou-se para Fei com
determinação, enquanto o menino Fei também se aproximou dos dois, e Id disse:
_ Fei. Pegue as lembranças que eu tenho dentro de
mim.
Os dois meninos começaram a falar ao mesmo tempo
então, ambos usando as mesmas palavras e com as mãos direitas estendidas na
direção do Fei adulto.
_ Você precisa saber como costumava ser até agora.
Conheça a nossa identidade... Sobre quem nós somos. Então, descubra o que deve
ser feito. A nossa integração ainda não está completa.
Chovia. Céus azul cobalto, escuros, e em meio à
tempestade, uma multidão corria. Quatro deles vinham adiante da fila, vestidos
com mantos e capuzes de cor cobre, carregando um trono onde a figura do
Imperador Cain seguia imponente, e criando esferas poderosas de chi semelhantes
a um Tiro Guiado múltiplo, carregando-as de poder para então lançá-las contra o
casal que corria adiante.
Os vários disparos caíram sobre o solo, um deles atingindo
em cheio as costas da mulher de longos cabelos ruivos, atirando-a para frente.
Seu companheiro, um rapaz de cabelos castanhos presos num rabo de cavalo,
deteve-se e a amparou em seus braços, chamando por ela e sabendo em seu
interior que já era tarde demais.
_ Elhaym!!
Sangue começou a brotar das costas dela, que
ergueu sua mão e tocou o rosto dele com delicadeza, murmurando gentilmente
enquanto ele curvava a cabeça e chorava:
_ Abel...! Viva...!
Um laboratório subterrâneo. Uma criança de
cabelos verde-esmeralda flutuava no interior de um nanorreator cilíndrico e o
homem de cabelos castanhos presos num rabo de cavalo, vestido como um
cientista, observava desesperado enquanto sua esposa era alvejada por um
esquadrão armado com rifles, por ter selado o laboratório contra os invasores.
Enquanto se esvaía em sangue, ela murmurou:
_ ... Eu simplesmente não posso... entregar nossa
filha... a vocês...
O cientista esmurrou o vidro da porta sem
sucesso, vendo o grupo de soldados se aproximando de sua esposa, e ela
voltou-se para ele e pediu:
_ ... Viva...!
Em resposta, uma luz intensa cintilou do nada e
um tremor violento começou a sacudir as portas, paredes e o teto, enquanto um
poder até então desconhecido vinha à tona.
Numa sala iluminada pelo sol que entrava por uma
janela em forma de crucifixo cristalino, um jovem artista de cabelos castanhos
presos num rabo de cavalo pintava a
líder da seita religiosa de Nisan, uma jovem frágil de longos cabelos castanho-claros,
e ainda havia muito não dito entre eles.
E então para a cabine de comando em chamas de uma
nau capitânia à beira da destruição, onde as últimas palavras de Sophia
ficariam para sempre gravadas na mente do pintor.
_ Lacan! Viva...!
De pé no ponto de reencontro depois da batalha,
Lacan viu um de seus melhores amigos fazer um juramento sombrio ao sol poente.
_ Se deus não existe em nosso mundo, então... Eu
vou criar deus com minhas próprias mãos!
_ ... O que... é... este lugar...?
Lacan estava confuso, olhando ao redor e tentando
compreender o que se passava. Estava no centro de uma área devastada, várias
pessoas com roupas de Shevat apontando e esbravejando, e a resposta à sua
pergunta apenas o confundiu e assustou mais.
_ ... O local da minha execução...?
Ele estava diferente, os cabelos vermelhos e
revoltos, vestido de preto, de pé sobre a mão de seu Gear, e reconhecia a
maioria das pessoas que o encaravam com ódio e medo, mas não entendia a reação
deles.
_ ... Por que se voltam contra mim? Eu achei que
éramos amigos!
As pessoas continuavam a gritar, apontando e
gesticulando, e ele absorvia apenas parcialmente o sentido das palavras que
diziam. Voltou-se para seu Gear, que agora tinha a cor de bronze e imensas asas
de metal.
_ ... Quem é...? E-eu causei... tudo isso? O que
aconteceu comigo...?
“O que... eu me tornei...?”
VIVA...!
_ ... Eu viverei...!
Ele não mostraria mais o quanto mudara,
escondendo-se para sempre num manto e capuz sombrios, da cor de cobre, e também
fez um juramento ao sol poente:
_ Mesmo que eu vá para o inferno, viverei até o
fim deste mundo. E se o mundo não chegar a um fim... – ele fechou sua mão em
punho – Eu o destruo com as minhas próprias mãos!
E a última visão que se teve foi de Grahf, de pé
nas mãos de seu Alpha Weltall, desaparecendo na distância.
_ ... Fei... Fei...
Fei despertou de repente, descobrindo surpreso que
não estava mais nas memórias de suas vidas passadas. Era um lugar diferente, e
havia uma voz que falava com ele sem palavras, parecendo mais o soar de um sino
que ele entendia em sua mente como frases.
_ Quem é? – olhou ao redor – Quem está me
chamando...?
Havia uma forma luminosa radiante flutuando acima
dele, pairando e pulsando luz enquanto se comunicava, e só então ele reparou
que era como se estivesse de pé sobre a água, e cada vez que aquela luz dizia
algo, as águas ondulavam.
_ Eu... sou... Har...
_ Que luz é essa...?
_ Eu... Eu resido em Zohar. Eu sou o princípio e o
fim. O primeiro e o último.
_ ... Deus?
_ Deus... Alguns se refeririam a mim desta forma. De
certo ponto de vista, está correto me ver como tal. Mas, ao mesmo tempo, eu não
sou. Eu... Também sou uma parte de você.
_ Uma parte de mim?
_ Eu sou definido por como as pessoas me observam.
Você, na verdade, está falando com uma versão virtual de mim que você mesmo
criou... Eu sou a ‘sua percepção’ de mim.
_ Eu não entendo do que está falando – Fei meneou a
cabeça – Quem, ou o que, é você?
_ Em uma palavra... EXISTÊNCIA.
_ Existência?
_ Na realidade, eu não tenho uma forma física. Eu
sou uma ‘Existência’ de uma dimensão mais alta. Um lugar que você não pode
perceber... Mas, em termos que compreenda, é um mundo onde tudo são como um
tipo de ondas... É a fonte deste universo de quatro dimensões... O lugar onde
tempo e espaço são controlados... O vazio flutuante... A ‘Onda Existência’.
_ O que uma ‘Existência’ dessas... tem a ver comigo?
_ Há muito tempo, um ‘modificador’, ou um motor de
energia infinita, pseudo-perpétua, foi criado. O motor foi nomeado ‘Zohar’.
Esse reator foi criado por um povo antigo de outro planeta para alcançar o que
é considerado ser a suprema energia possível dentro deste universo de quatro
dimensões. Eventualmente, aquelas pessoas usaram o mesmo motor para criar a
suprema arma de invasão inter-planetária, ‘Deus’... Zohar foi usado como sua
fonte primária de poder.
“Mas o inesperado aconteceu... Durante os testes de
conexão de Zohar com o recém-completado Deus, o motor começou a examinar
fenômenos potenciais infinitos... Requerendo energia, o motor conectou esta
dimensão ao espaço dimensional mais elevado. Como resultado, o reator
‘mesclou-se’, ou ‘sincronizou-se’ com a onda existência naquela dimensão mais
elevada... EU.”
“Eu ‘desci’ do ponto de contato criado pela máquina
através do ‘Caminho de Sephirot’, ou o domínio no qual você está agora, e
encarnei no mundo de quatro dimensões. Depois de meu ‘Advento’ ao mundo de
quatro dimensões, a fim de me estabilizar aqui, eu tive que trocar, ou
materializar, minha forma e entrar no motor ‘modificador’... Em outras
palavras, eu me tornei ligado a ‘Zohar’... a ‘jaula da existência em carne’.”
“Desde o tempo em que fui ligado a Zohar, eu sempre
quis retornar à minha própria dimensão... E cheguei a uma conclusão. Eu tinha
que reverter o processo pelo qual passei para chegar aqui. Eu devo ser
libertado por aquele que instilou em mim uma característica especial desta
dimensão – a ‘vontade’. Este alguém é você”.
_ Decidiu que era eu? Uma característica especial??
_ Sim. Me foi dado um atributo especial de um humano
por você, o Contato, quando você me observou. Me foi dado... O desejo por uma
mãe.
_ Desejo por... uma mãe?
_ Estou certo de que se lembra. Depois da minha
descida, você teve contato com o motor modificador, ‘Zohar’.
Uma nova e até então totalmente desconhecida
memória cruzou a mente de Fei. Ele era um garotinho, em pé diante da placa
metálica com o símbolo do olho que era o Modificador Zohar, e ele estava
olhando para a pupila do olho. No interior dela, em um reator ligado a doze
outras câmaras, uma mulher de cabelos longos dormia.
_ Como um Contato, sendo apenas uma criança –
prosseguiu a Existência, trazendo Fei de volta depois de reconhecer aquela
mulher – você definiu minha existência com seu desejo de voltar à sua mãe.
Assim, eu vim a preparar o desejo pela mãe... Esse desejo é Elhaym.
_ A disposição de Elly foi influenciada por mim?
_ Sim. Minha vontade foi encarnada através de um
bio-computador que era vital para Deus. Depois de combinar-se comigo, o
bio-computador evoluiu suas funções, e aquela bio-usina gerou um elemento
central. E tal elemento é ela.
“Eu fui dividido por seu contato. Minha forma
física, ou carne, permaneceu em Zohar, enquanto minha vontade migrou para
Elhaym e meu poder migrou para dentro de você. Foi por isso que eu esperei para
me unir com você. E agora, isso foi cumprido. Meu único desejo restante é
romper esta ‘jaula de existência na carne’...
“A fim de fazê-lo, devo me tornar perfeito
combinando-me com Elhaym, assim como minha outra forma física dividida, ‘Deus’.
O único modo de retornar à minha dimensão original é destruir este corpo
físico. No mundo de quatro dimensões, Zohar é perfeito, então a fim de destruir
Zohar eu preciso da força que foi atribuída a você... Zohar pode apenas ser destruído
pelas mãos do ‘Contato’.
_ E quanto à Elly? Se Zohar for destruído, o que vai
ser da Elly?!
_ Zohar e Deus são um. Ela está ligada ao sistema
pela vontade de outro, para se tornar uma comigo. A fim de libertá-la, é
necessário destruir aquele mesmo sistema que serve como a arma Deus. No
entanto, tendo sido criado como uma arma, o sistema Deus busca se unificar com
todos vocês para um propósito diferente do meu.
‘Originalmente, a libertação dela deveria ter sido
realizada por mim, aquele que deseja retornar à dimensão mais elevada... Mas,
eu também estou atado ao sistema, assim como ela, e assim sou incapaz de
participar. Você é o único que pode libertá-la do feitiço. Assim como Deus e eu
somos inseparáveis, você e ela também são inseparáveis”.
_ ... Está certo – Fei murmurou, acenando com a
cabeça – Eu vou destruir Deus e o Modificador Zohar. E vou salvar Elly.
_ Você experimentou muita perda e privação em sua
vida – a voz retornou, parecendo lamentar – Isso é muito trágico. O nosso
contato, e a transferência resultante de poder e vontade entre você e eu, muito
provavelmente desempenharam um fator em dividir sua personalidade.
_ Eu discordo – Fei meneou a cabeça – Não posso
culpar a nada nem ninguém, além de mim mesmo. Seja o que for que possa ter
acontecido no passado, com o passar do tempo, a causa fica mais remota. É um
problema que vem do meu interior, com o qual eu mesmo preciso lidar.
_ Entendo. Você conseguiu aceitar essas tragédias,
tolerar todas as coisas, compreender e descobrir onde você se situa neste
mundo. Se teve sucesso em fazer todas essas coisas, estou certo de que terá
sucesso no que espera por você agora.
O espaço à volta deles pulsou de repente, e a forma
visual da luz da Existência oscilou, e com isso sua voz começou a desaparecer.
_ Para libertar a todos... nós... use... o Xeno...
gears... Destrua... Zo... har...
_ Espere! Há mais que eu preciso perguntar...
_ O sistema... está despertando... – a voz ainda se
fez ouvir uma última vez – Per... gunte... a ela... depois...
E no mundo real, Weltall começou a cintilar, uma luz
tão intensa que ninguém podia olhar em sua direção. E das ‘caixas pretas’ que
os mecânicos da Yggdrasil não tinham conseguido analisar, e do interior do ego
de Fei e de sua ligação com a Onda Existência, o Gear de Fei evoluiu enquanto a
luz diminuía, mudando para sua forma definitiva.
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ENCONTRAR AS RESPOSTAS, E ENTÃO