sábado, 25 de março de 2017

Capítulo Cinquenta e Nove

Capítulo 59 – Estrela Caída



Xenogears, era o nome da versão definitiva do Gear de Fei, não mais negro e vermelho como Weltall fora, ou vermelho e negro como a versão de Id. Enquanto seu piloto despertava e voltava a si mesmo, unificado, no mundo real, também o mesmo se dava com o Gear, que cintilou uma luz intensa e tornou-se impossível de ser visto por um longo momento, ressurgindo depois com grandes aletas às suas costas e agora da cor branca, com detalhes em azul.
De volta a si mesmo, Fei abriu a cabine do piloto e correu até o Gear caído diante de si, buscando socorrer seu piloto tombado.
_ Pai!
Khan Wong parecia desacordado, a cabeça tombada para frente e o corpo inerte em sua poltrona. Preocupado, Fei se aproximou e chamou, percebendo com alívio que ainda respirava.
_ Papai! Você está bem? Papai! Me desculpe... Isso é tudo culpa minha...
_ Fei...?
Khan murmurou de forma quase inaudível, sem sequer se mover ou erguer os olhos para o filho.
_ Você voltou... Ao seu próprio eu... Tornou-se um...
_ Sim, graças a vocês todos. Se todos não tivessem chamado por mim...
_ Urgh!
Khan estremeceu, parecendo sucumbir à dor de um ferimento interno, e Fei inclinou-se e procurou medir seus sinais vitais, mas o pai apenas acenou, ainda sem erguer os olhos.
_ Não se preocupe... Isso é bom... Isso é, afinal... o que eu...
_ Pai...?
Khan estremeceu novamente, agora com menor sobressalto. No que parecia ser um grande esforço, ele tornou a falar.
_ Você e...
Fei inclinou-se mais, tentando ouvir a voz cada vez mais baixa do pai...
... e a mão de Grahf agarrou seu pescoço, enquanto ele se punha de pé e erguia Fei, e toda a cabine ficou repleta de chi vermelho enquanto finalmente sua voz firmou-se.
_ Você e eu devemos nos tornar um!
_ Huh?! G-Grahf?! O que está havendo...?
_ Ha Ha... ‘Eu’ alcancei o limite do corpo que possuí, naquele dia, há três anos. ‘Eu’ requeria um corpo que me portasse até o seu verdadeiro despertar. Foi por isso que ‘eu’ adquiri o corpo do seu pai.
“Apesar do seu despertar, sua mescla e das memórias herdadas que conquistou, não havia como você saber disso, já que perdeu sua memória naquele ponto... No ponto em que ‘eu’ me fundi ao seu pai!”
_ Impossível...! – Fei se debateu – E quanto ao Sábio...? E quanto ao meu pai...?
_ Naturalmente, eles eram apenas partes de mim... Eu não podia conter Khan totalmente. Seu ego era muito mais poderoso do que eu imaginava. Quando meu controle enfraquecia, ele se mostrava a você como o Sábio.
_ Arrghh...
Fei continuou a se debater, embora com cada vez menos força, reparando que também o Gear de seu pai se tornara no Alpha Weltall de Grahf. Como ele próprio, seu pai ocultara uma dupla personalidade que se refletia até mesmo em seu Gear, e finalmente se dava conta do quão curioso era que seu inimigo misterioso se trajasse de forma tão semelhante ao seu conselheiro misterioso. Os dois eram um só. Deveria ter percebido.
_ Você despertou. Este corpo agora é inútil para mim. Agora eu devo retornar ao meu corpo original... A reencarnação de meu corpo que você habita.
_ Pare com isso...! Pai...!
_ Eu ouço você, Fei... Sabe, ele e eu somos um. Eu sou Khan, Khan sou eu. Ele se tornou um comigo, então você também deveria abrir seu coração e se unir a mim. E então, podemos seguir adiante e eliminar a tudo!
E Fei sentiu enquanto o espírito do outro tentava tomar o seu coração e sua alma, regressando à carne que um dia tivera. O chi agressivo de Grahf, que era Lacan, ainda perseguindo sua antiga intenção. Mas ele, Fei, tinha crescido além daquilo.
_ Não... N-não... posso... permitir... que você... me controle...!
Uma erupção de luz tomou a cabine do Alpha Weltall e ela abriu-se à força, enquanto de pé diante dele, Xenogears erguera-se e parecia convocar Fei para dentro de si e para a segurança, enquanto o outro cruzava os braços.
_ Hmph. Protegendo seu mestre? Pois que assim seja. Vou me fundir a você e à sua máquina, então. Agora venha, Fei! Enfrente-me!
_ Não adianta! Eu sei que você é Lacan, e que é uma parte de mim. Mas isso não muda o fato de ser o meu pai. Eu nunca poderia lutar com você de verdade!
_ Você é tão ingênuo! Por que não entende que essa sua ingenuidade foi o que matou Sophia, o que matou sua mãe ‘Karen’?
_ Eu já sei disso! E é por isso que eu jurei nunca mais fugir... Eu preciso resgatar Elly. Então, não fique no meu caminho! Acorde! Abra seus olhos, pai... Lacan!
_ Se esse é o caso... Então me enfrente! Lute comigo!!!
_ Não posso!
_ Entendo – Grahf baixou a cabeça, parecendo ponderar – Então, não há escolha.
Diante da perplexidade de Fei, o Alpha Weltall voltou-se para onde Brigandier, Heimdall e Crescens estavam caídos.
_ Já que está tão pouco disposto a lutar, acredito que terei que usá-los como isca.
_ Hã?
_ Praga... Mais essa agora – Bart resmungou, olhando sem muita esperança para o painel de comando de seu Gear avariado – Citan, como você está aí? Acho que vou precisar de um tempinho a mais.
_ Muitas avarias severas, ainda, meu sistema de reparos está funcionando a meia força, jovem. Maldição...!
_ Pare! – Xenogears moveu-se, colocando-se entre Grahf e os outros – Não temos as mesmas memórias? Você também não se lembra da tristeza que sentiu naquele tempo? Por que então... Por que precisa destruir tudo? Se nós detivermos Deus, isso tudo não vai acabar?!
_ Você ainda não entende – Grahf voltou-se para ele – Mesmo depois de seu contato com a Existência? Eu vim a compreender depois do meu contato que, mesmo que Deus fosse destruído, enquanto os humanos ainda habitarem esta terra, Miang... Elhaym, nascerá outra vez, e outra vez, para sempre. Então, todas as coisas vivas podem muito bem perecer juntamente com o próprio Deus.
“Este é o único caminho para a liberdade. O caminho para nos libertar dos ciclos eternos de vida, as tragédias da história e o feitiço do destino! Assim que eu despertar Deus como uma arma, obliterarei todos os seres vivos... Então, usarei seu eu desperto e essa máquina para devolver o tudo ao nada... Isso foi o que concluí. Miang e Elhaym... Não são apenas peças chaves de Deus. Aquela ‘mulher’ é seu corpo principal! Por que não percebe isso?”
_ Isso não é verdade! – bradou Fei – Ela deu sua vida por mim ao me proteger, impedindo que me ferisse! Os olhos dela não eram os de Miang! Minha mãe voltou a si no último momento! Miang, mamãe... Até a Elly, eram todas humanas nascidas neste planeta! Deus não importa! Você vai ver... Eu vou trazer Elly de volta!
Mas era claro para Fei agora, como fora antes com Hammer, a atitude do outro não se modificaria, pouco importando o quanto discutissem. A crença de Grahf em sua conclusão era tão poderosa quanto a dele próprio. E por tal crença Grahf, como ele próprio, pagaria qualquer preço e enfrentaria qualquer oponente.
_ Pai... Não, Grahf – Lacan! Se você não se afastar...
_ Nunca!
E as aletas traseiras do Gear de Grahf se abriram, revelando as asas de bronze mais uma vez, enquanto seu chi vermelho fulgurou à sua volta. E do lado oposto, as asas celestiais de Xenogears formaram-se entre as aletas em suas costas, enquanto Fei murmurava:
_ Então, não tenho escolha...!
Xenogears e seu oponente de bronze, o Verdadeiro Weltall, mediram-se diante do olhar fictício da placa metálica que era o Modificador Zohar, cercados pelo fluxo de lava, enquanto o entendimento mútuo chegava a eles quase como se uma terceira voz falasse aos dois: 

O momento chegou para realmente se tornar um!

sábado, 18 de março de 2017

Cinquenta e Oito Ponto Três

(...)

_ Mamãe!
O pequeno Fei estava ajoelhado, chorando e chamando por alguém que não responderia. Ao seu lado, Fei e Id olhavam para a cena, o adulto com pesar e o menino com desprezo.
_ E ‘ele’ descarregou os resultados de suas ações em cima de mim. Para evitar assumir a responsabilidade por matar mamãe, ele me usou como um escudo.

‘Eu também matei mamãe’

O Fei adulto olhou ao redor, e lá estavam. À sua direita, Fei viu seu alter ego mais jovem, sentado diante da tela que repetia interminavelmente a cena com a bola. E agora à sua esquerda, uma nova tela mostrava o rosto do mesmo menino, parecendo espantado e chocado, com manchas de sangue em seu rosto, cabelos e corpo, e Id de pé diante da tela.
_ Ele empurrou todas as coisas ruins pra cima de mim... Mas guardou todas as memórias cheias de felicidade e amor de mãe para si mesmo. E ele se trancou com aquelas memórias dentro de seu pequeno casulo... pra sempre – indicou com a cabeça – Este é o lugar. O que você vê diante de si, é o que ele fez. Ele fica apenas agarrado a essas memórias. E é isso o que é...
Fei olhou para as duas partes de si mesmo, a criança imatura que se recusava a aceitar o que acontecera, vivendo isolada do mundo real para sempre, e seu lado destrutivo, irritado e frustrado, formado e nutrido por cada experiência ruim que vivenciara. E não pôde suportar mais.
_ Parem! Parem de uma vez com isso! Essa... Estas cenas... Essas coisas são tudo o que existe para nós? – sacudiu a cabeça – Já basta disso! Não existe nada aqui! Só um mundo repleto de engano e dor...
_ Não pode ser evitado – Id retrucou diante dele – Isso é o nosso mundo... Isso é ‘tudo’.


_ Eu fui um tolo – Khan murmurou, seu Gear de cabeça baixa e parecendo tão exausto quanto ele próprio – Foi tudo culpa minha. Eu estava tão ocupado com meus deveres em Shevat que não percebi que Karen tinha mudado. Eu não pude salvar você quando precisava da minha ajuda.
_ Me salvar...? Hah! – fez Id – Pra quê se incomodar em dizer uma bobagem dessas agora? Não vai mudar coisa alguma! A única coisa que pode fazer agora é morrer pela minha mão!
Khan estava desprotegido, e Id fora rápido demais. Weltall deslizou adiante e golpeou depressa, seu punho veio adiante e enterrou-se quase até o cotovelo no peito do Gear de Khan.
_ Urgh...! M-mesmo assim... Eu vou mostrar que... Que posso salvá-lo...!

_ Papai! – Fei podia observar, em seu interior, tudo o que acontecia no exterior de sua mente, e voltou-se para o menino de pé atrás de si.
_ Pare com isso, Id! Papai não fez nada de errado!
_ Eu sei – Id olhou com desprezo para o menino Fei, sentado de costas para ele e sacudindo a cabeça, negando-se a ver ou ouvir qualquer coisa – Esse aqui é o verdadeiro culpado. Mamãe e papai não tiveram escolha.
Fei olhou para os dois meninos, as duas partes mais antigas de seu próprio ‘eu’ despedaçado, e perguntou-se o que poderia fazer. Quando percebeu, estava dentro da projeção do pequeno Fei, a casa na mata à sua esquerda e a bola rolando em sua direção, com o menino correndo logo atrás dela e sorrindo para ele.
_ Obrigado. Devolve ela pra mim? Estou brincando com a mamãe.
_ Isso... não é a realidade!

O grito de Fei desfez o teto da casa
_ São tudo mentiras!

As árvores desapareceram, varridas de súbito.
_ É tudo um truque!!

_ Tudo isso é falso!!

_ Tudo! Tudo isso!! É tudo mentira!!

A cada novo grito outra característica da cena desaparecia, enquanto ele agitava o braço, desfazendo a ilusão à sua volta. Então ele ouviu o som de uma porta se fechando, e o pequeno Fei sacudiu a cabeça, voltando-se para sua metade adulta e batendo nele.
_ Não! Vai embora! Esse aqui é o meu quarto! Eu pensei que você ficaria comigo pra sempre!
_ Por que não enxerga a realidade? – Fei perguntou, ajoelhando-se para ficar de frente com o menino e percebendo, com o canto de seus olhos, que Id também estava ali – Felicidade... Tristeza... Não são todas as partes que, combinadas, formam o todo? Por que não mostra para ele? Por que você não deixa o Id também ver o que você sempre assiste?
_ Não, isso é meu! – o menino deu as costas aos dois – Eu não quero mostrar pra a pessoa que matou mamãe!!
_ Olha só quem fala – Id cruzou os braços – Foi você quem matou mamãe!
_ Não, não matei, foi você! – o menino voltou-se, esbravejando para o outro – Eu não matei ela! Mamãe não ligava pra você... Papai também não percebia... E por isso você a matou! Eu não a matei! Não fui eu! Eu não...!
_ Pare com isso!
Fei se interpôs entre os dois, forçou seu ‘eu’ menor a encará-lo e falou, com a voz calma e triste.
_ ‘Nós’ matamos mamãe. Não é culpa de ninguém, a não ser nossa. Não foi porque ela se tornou Miang, ou porque papai não percebeu. Não procure lá fora pela razão. Não culpe mais ninguém, além de você mesmo.
“Sim, mamãe era Miang, e eu sei que você sofreu. Ninguém poderia ter suportado. Mas você não pode empurrar tudo isso para o Id, sozinho. Nós todos somos uma só pessoa. Todos precisamos nos tornar um. Está certo? Fei... Ande sobre seus próprios pés! Encare a realidade que você não quer ver!”
Uma nova tela surgiu entre as outras duas, e uma contagem regressiva começou, como num filme antigo, como antes quando Id mostrara seu passado. E o Fei adulto fez sua metade menor voltar-se para o filme, ordenando:
_ Mostre elas para o Id. Tudo o que tomou para si mesmo...

A princípio, a cena fora idêntica ao que Id já mostrara. O menino Fei emanando uma intensa energia de chi dourado, que explodiu para além dele com tal intensidade que derrubou Grahf, Khan e também parte da casa onde ele morava, e feixes desencontrados da energia pairaram sem direção no céu, sempre sob o olhar indiferente de Miang.
E entre as inúmeras massas de energia dourada, um feixe de chi vermelho destacou-se, buscando voltar para sua fonte de origem. Era ali que a raiva começava, e a forma mais simples de acabar com ela era regressando. O menino sabia, em seu interior, o que aconteceria quando fosse atingido por aquilo, mas não conseguia se mover...

... e a expressão indiferente de Miang se desfez, enquanto Karen voltava a ser ela mesma pela primeira vez em semanas. No ar, a onda de chi vermelho aproximou-se depressa de Fei, que fechou os olhos e encolheu-se, temendo o pior...
... e aquela energia toda explodiu sobre as costas de Karen, que atirou-se sobre o filho no último momento e gritou de dor, e tanto sangue espirrou de seu ferimento que o rosto, cabelos e as roupas do pequeno Fei ficaram manchados.
A corrente do crucifixo de Karen partiu-se. Ela susteve-se de pé por um momento, o rosto franzido de dor, mas havia um sorriso sereno de alívio ao olhar para Fei e ver que ele estava ileso.
E ela tombou para frente, caindo debruçada sobre a criança. Seu crucifixo caiu ao chão, e os cabelos presos do menino se soltaram, encobrindo parte do seu rosto. E a expressão de Fei endureceu, enquanto Id vinha à tona pela primeira vez.

A seqüência na tela acabou, mas o rosto sereno e gentil de Karen permaneceu, a imagem congelada na tela de Fei. O rosto de sua mãe e seu sorriso de alívio ao perceber que o filho estava bem, apesar de ela própria estar banhada no próprio sangue. O pequeno Fei e sua versão adulta olhavam para a tela em silêncio, mas passado o primeiro instante, Id gritou.
_ Mentiras! Essa mulher...! Essa cena...! – Id estava gesticulando, apontando para o rosto de Karen na tela, para o menino Fei e novamente para a tela, um riso nervoso no canto de seus lábios enquanto ele tremia – Tudo isso são ilusões! Ilusões que ele inventou! Eu, a minha consciência, consegue enxergar através desse truque!
Nenhum dos outros dois fez qualquer comentário, o menino ainda olhando e chorando silenciosamente diante do rosto da mãe, e o Fei adulto olhando com tristeza para Id. Não era preciso dizer coisa alguma, e Id hesitou.
_ Eu não vou ser enganado! E-eu...! Eu...!
_ Id... Já chega – Fei caminhou até ele e ajoelhou-se, fazendo o outro olhar em seus olhos – Fazer isso não vai resolver nada. Mamãe nos salvou no último momento. Essa é a verdade. Certo?
Id olhou novamente para a tela, e Fei sorriu com tristeza ao perceber que o outro estava procurando sem sucesso por um motivo ou meio de retrucar. Mas não havia o que dizer.
_ A realidade não é assim tão sombria, Id.
Lágrimas de frustração desciam agora, abundantes, dos olhos de Id. Baixando a cabeça e apertando os próprios punhos, ele murmurou:
_ Meu poder... Não conseguia salvar ninguém. Ele só destruía. Eu pensei que só conseguiria criar uma conexão com outras pessoas por meio da destruição. Por isso eu tinha que destruir tudo. As pessoas... O mundo... Até mesmo Elly...
_ Não – Fei meneou a cabeça – Não é esse o caso. Nós podemos salvar aos outros, assim como nossa mãe, apesar de ser Miang, nos salvou. O nosso poder... Pode salvar as pessoas... Nós podemos salvar Elly!
Id olhou para além de Fei. O outro, o covarde, olhava sem piscar para o rosto gentil da mãe... Mas agora, ele bem entendia porque. Aproximando-se um pouco da tela, de forma que Fei não pudesse ver seu rosto, ele murmurou com a voz rouca:
_ ... É a primeira vez pra mim... Mamãe sendo tão carinhosa. Pra mim... Ela quase parece ser... carinhosa demais.
Ele então esfregou o rosto e voltou-se para Fei com determinação, enquanto o menino Fei também se aproximou dos dois, e Id disse:
_ Fei. Pegue as lembranças que eu tenho dentro de mim.
Os dois meninos começaram a falar ao mesmo tempo então, ambos usando as mesmas palavras e com as mãos direitas estendidas na direção do Fei adulto.
_ Você precisa saber como costumava ser até agora. Conheça a nossa identidade... Sobre quem nós somos. Então, descubra o que deve ser feito. A nossa integração ainda não está completa.

Chovia. Céus azul cobalto, escuros, e em meio à tempestade, uma multidão corria. Quatro deles vinham adiante da fila, vestidos com mantos e capuzes de cor cobre, carregando um trono onde a figura do Imperador Cain seguia imponente, e criando esferas poderosas de chi semelhantes a um Tiro Guiado múltiplo, carregando-as de poder para então lançá-las contra o casal que corria adiante.
Os vários disparos caíram sobre o solo, um deles atingindo em cheio as costas da mulher de longos cabelos ruivos, atirando-a para frente. Seu companheiro, um rapaz de cabelos castanhos presos num rabo de cavalo, deteve-se e a amparou em seus braços, chamando por ela e sabendo em seu interior que já era tarde demais.
_ Elhaym!!
Sangue começou a brotar das costas dela, que ergueu sua mão e tocou o rosto dele com delicadeza, murmurando gentilmente enquanto ele curvava a cabeça e chorava:
_ Abel...! Viva...!

Um laboratório subterrâneo. Uma criança de cabelos verde-esmeralda flutuava no interior de um nanorreator cilíndrico e o homem de cabelos castanhos presos num rabo de cavalo, vestido como um cientista, observava desesperado enquanto sua esposa era alvejada por um esquadrão armado com rifles, por ter selado o laboratório contra os invasores. Enquanto se esvaía em sangue, ela murmurou:
_ ... Eu simplesmente não posso... entregar nossa filha... a vocês...
O cientista esmurrou o vidro da porta sem sucesso, vendo o grupo de soldados se aproximando de sua esposa, e ela voltou-se para ele e pediu:
_ ... Viva...!
Em resposta, uma luz intensa cintilou do nada e um tremor violento começou a sacudir as portas, paredes e o teto, enquanto um poder até então desconhecido vinha à tona.

Numa sala iluminada pelo sol que entrava por uma janela em forma de crucifixo cristalino, um jovem artista de cabelos castanhos presos num rabo de cavalo  pintava a líder da seita religiosa de Nisan, uma jovem frágil de longos cabelos castanho-claros, e ainda havia muito não dito entre eles.

E então para a cabine de comando em chamas de uma nau capitânia à beira da destruição, onde as últimas palavras de Sophia ficariam para sempre gravadas na mente do pintor.
_ Lacan! Viva...!

De pé no ponto de reencontro depois da batalha, Lacan viu um de seus melhores amigos fazer um juramento sombrio ao sol poente.
_ Se deus não existe em nosso mundo, então... Eu vou criar deus com minhas próprias mãos!

_ ... O que... é... este lugar...?
Lacan estava confuso, olhando ao redor e tentando compreender o que se passava. Estava no centro de uma área devastada, várias pessoas com roupas de Shevat apontando e esbravejando, e a resposta à sua pergunta apenas o confundiu e assustou mais.
_ ... O local da minha execução...?
Ele estava diferente, os cabelos vermelhos e revoltos, vestido de preto, de pé sobre a mão de seu Gear, e reconhecia a maioria das pessoas que o encaravam com ódio e medo, mas não entendia a reação deles.
_ ... Por que se voltam contra mim? Eu achei que éramos amigos!
As pessoas continuavam a gritar, apontando e gesticulando, e ele absorvia apenas parcialmente o sentido das palavras que diziam. Voltou-se para seu Gear, que agora tinha a cor de bronze e imensas asas de metal.
_ ... Quem é...? E-eu causei... tudo isso? O que aconteceu comigo...?
“O que... eu me tornei...?”

VIVA...!
_ ... Eu viverei...!

Ele não mostraria mais o quanto mudara, escondendo-se para sempre num manto e capuz sombrios, da cor de cobre, e também fez um juramento ao sol poente:
_ Mesmo que eu vá para o inferno, viverei até o fim deste mundo. E se o mundo não chegar a um fim... – ele fechou sua mão em punho – Eu o destruo com as minhas próprias mãos!
E a última visão que se teve foi de Grahf, de pé nas mãos de seu Alpha Weltall, desaparecendo na distância.

_ ... Fei... Fei...
Fei despertou de repente, descobrindo surpreso que não estava mais nas memórias de suas vidas passadas. Era um lugar diferente, e havia uma voz que falava com ele sem palavras, parecendo mais o soar de um sino que ele entendia em sua mente como frases.
_ Quem é? – olhou ao redor – Quem está me chamando...?
Havia uma forma luminosa radiante flutuando acima dele, pairando e pulsando luz enquanto se comunicava, e só então ele reparou que era como se estivesse de pé sobre a água, e cada vez que aquela luz dizia algo, as águas ondulavam.
_ Eu... sou... Har...
_ Que luz é essa...?
_ Eu... Eu resido em Zohar. Eu sou o princípio e o fim. O primeiro e o último.
_ ... Deus?
_ Deus... Alguns se refeririam a mim desta forma. De certo ponto de vista, está correto me ver como tal. Mas, ao mesmo tempo, eu não sou. Eu... Também sou uma parte de você.
_ Uma parte de mim?
_ Eu sou definido por como as pessoas me observam. Você, na verdade, está falando com uma versão virtual de mim que você mesmo criou... Eu sou a ‘sua percepção’ de mim.
_ Eu não entendo do que está falando – Fei meneou a cabeça – Quem, ou o que, é você?
_ Em uma palavra... EXISTÊNCIA.
_ Existência?
_ Na realidade, eu não tenho uma forma física. Eu sou uma ‘Existência’ de uma dimensão mais alta. Um lugar que você não pode perceber... Mas, em termos que compreenda, é um mundo onde tudo são como um tipo de ondas... É a fonte deste universo de quatro dimensões... O lugar onde tempo e espaço são controlados... O vazio flutuante... A ‘Onda Existência’.
_ O que uma ‘Existência’ dessas... tem a ver comigo?
_ Há muito tempo, um ‘modificador’, ou um motor de energia infinita, pseudo-perpétua, foi criado. O motor foi nomeado ‘Zohar’. Esse reator foi criado por um povo antigo de outro planeta para alcançar o que é considerado ser a suprema energia possível dentro deste universo de quatro dimensões. Eventualmente, aquelas pessoas usaram o mesmo motor para criar a suprema arma de invasão inter-planetária, ‘Deus’... Zohar foi usado como sua fonte primária de poder.
“Mas o inesperado aconteceu... Durante os testes de conexão de Zohar com o recém-completado Deus, o motor começou a examinar fenômenos potenciais infinitos... Requerendo energia, o motor conectou esta dimensão ao espaço dimensional mais elevado. Como resultado, o reator ‘mesclou-se’, ou ‘sincronizou-se’ com a onda existência naquela dimensão mais elevada... EU.”
“Eu ‘desci’ do ponto de contato criado pela máquina através do ‘Caminho de Sephirot’, ou o domínio no qual você está agora, e encarnei no mundo de quatro dimensões. Depois de meu ‘Advento’ ao mundo de quatro dimensões, a fim de me estabilizar aqui, eu tive que trocar, ou materializar, minha forma e entrar no motor ‘modificador’... Em outras palavras, eu me tornei ligado a ‘Zohar’... a ‘jaula da existência em carne’.”
“Desde o tempo em que fui ligado a Zohar, eu sempre quis retornar à minha própria dimensão... E cheguei a uma conclusão. Eu tinha que reverter o processo pelo qual passei para chegar aqui. Eu devo ser libertado por aquele que instilou em mim uma característica especial desta dimensão – a ‘vontade’. Este alguém é você”.
_ Decidiu que era eu? Uma característica especial??
_ Sim. Me foi dado um atributo especial de um humano por você, o Contato, quando você me observou. Me foi dado... O desejo por uma mãe.
_ Desejo por... uma mãe?
_ Estou certo de que se lembra. Depois da minha descida, você teve contato com o motor modificador, ‘Zohar’.

Uma nova e até então totalmente desconhecida memória cruzou a mente de Fei. Ele era um garotinho, em pé diante da placa metálica com o símbolo do olho que era o Modificador Zohar, e ele estava olhando para a pupila do olho. No interior dela, em um reator ligado a doze outras câmaras, uma mulher de cabelos longos dormia.

_ Como um Contato, sendo apenas uma criança – prosseguiu a Existência, trazendo Fei de volta depois de reconhecer aquela mulher – você definiu minha existência com seu desejo de voltar à sua mãe. Assim, eu vim a preparar o desejo pela mãe... Esse desejo é Elhaym.
_ A disposição de Elly foi influenciada por mim?
_ Sim. Minha vontade foi encarnada através de um bio-computador que era vital para Deus. Depois de combinar-se comigo, o bio-computador evoluiu suas funções, e aquela bio-usina gerou um elemento central. E tal elemento é ela.
“Eu fui dividido por seu contato. Minha forma física, ou carne, permaneceu em Zohar, enquanto minha vontade migrou para Elhaym e meu poder migrou para dentro de você. Foi por isso que eu esperei para me unir com você. E agora, isso foi cumprido. Meu único desejo restante é romper esta ‘jaula de existência na carne’...
“A fim de fazê-lo, devo me tornar perfeito combinando-me com Elhaym, assim como minha outra forma física dividida, ‘Deus’. O único modo de retornar à minha dimensão original é destruir este corpo físico. No mundo de quatro dimensões, Zohar é perfeito, então a fim de destruir Zohar eu preciso da força que foi atribuída a você... Zohar pode apenas ser destruído pelas mãos do ‘Contato’.
_ E quanto à Elly? Se Zohar for destruído, o que vai ser da Elly?!
_ Zohar e Deus são um. Ela está ligada ao sistema pela vontade de outro, para se tornar uma comigo. A fim de libertá-la, é necessário destruir aquele mesmo sistema que serve como a arma Deus. No entanto, tendo sido criado como uma arma, o sistema Deus busca se unificar com todos vocês para um propósito diferente do meu.
‘Originalmente, a libertação dela deveria ter sido realizada por mim, aquele que deseja retornar à dimensão mais elevada... Mas, eu também estou atado ao sistema, assim como ela, e assim sou incapaz de participar. Você é o único que pode libertá-la do feitiço. Assim como Deus e eu somos inseparáveis, você e ela também são inseparáveis”.
_ ... Está certo – Fei murmurou, acenando com a cabeça – Eu vou destruir Deus e o Modificador Zohar. E vou salvar Elly.
_ Você experimentou muita perda e privação em sua vida – a voz retornou, parecendo lamentar – Isso é muito trágico. O nosso contato, e a transferência resultante de poder e vontade entre você e eu, muito provavelmente desempenharam um fator em dividir sua personalidade.
_ Eu discordo – Fei meneou a cabeça – Não posso culpar a nada nem ninguém, além de mim mesmo. Seja o que for que possa ter acontecido no passado, com o passar do tempo, a causa fica mais remota. É um problema que vem do meu interior, com o qual eu mesmo preciso lidar.
_ Entendo. Você conseguiu aceitar essas tragédias, tolerar todas as coisas, compreender e descobrir onde você se situa neste mundo. Se teve sucesso em fazer todas essas coisas, estou certo de que terá sucesso no que espera por você agora.
O espaço à volta deles pulsou de repente, e a forma visual da luz da Existência oscilou, e com isso sua voz começou a desaparecer.
_ Para libertar a todos... nós... use... o Xeno... gears... Destrua... Zo... har...
_ Espere! Há mais que eu preciso perguntar...
_ O sistema... está despertando... – a voz ainda se fez ouvir uma última vez – Per... gunte... a ela... depois...


E no mundo real, Weltall começou a cintilar, uma luz tão intensa que ninguém podia olhar em sua direção. E das ‘caixas pretas’ que os mecânicos da Yggdrasil não tinham conseguido analisar, e do interior do ego de Fei e de sua ligação com a Onda Existência, o Gear de Fei evoluiu enquanto a luz diminuía, mudando para sua forma definitiva.
  


PODEMOS ENCONTRAR AS RESPOSTAS, E ENTÃO

sábado, 11 de março de 2017

Capítulo Cinquenta e Oito Ponto Dois

(...)

Uma segunda tela abriu-se, agora diante de Id, e uma contagem regressiva em preto e branco semelhante às dos filmes antigos se mostrou diante deles. Tudo ao redor pareceu escurecer, mas Fei estava ciente da voz de Id por toda a parte.

‘A nossa era uma família comum.’
Imagens apareceram, ilustrando aos poucos o que Id dizia, mostrando o interior de uma casa simples, com um menino pequeno à mesa, que se levantou feliz quando a porta se abriu, deixando passar um homem, que saudou o filho e também a bela esposa.

‘Um pai severo, mas confiável. Uma mãe gentil e amorosa. Até então, era felicidade completa. Mas um dia... Mamãe, de repente, mudou’.
Fei viu o menino, confuso, aproximar-se da mãe. Ela estava de costas para ele e voltou-se ao ser chamada... mas seu rosto era frio e sem expressão. E o menino recuou.
‘Era como se ela fosse uma pessoa totalmente diferente. E, daquele dia em diante... ‘Fei’ perdeu seu lar’

Outra cena mostrou o pai saindo de casa, enquanto o menino corria atrás dele.
‘Papai saía com muita freqüência. Ele tinha algum trabalho importante’
A criança voltou-se assustada, percebendo a figura da mãe aproximar-se lentamente dele. E era difícil acreditar que um menino tão pequeno pudesse sentir tamanho pavor na presença da própria mãe.
‘Quando papai estava fora, ‘Fei’ era levado para um lugar com máquinas misteriosas’.

A imagem mudou para mostrar a mãe ao lado do menino no interior do que parecia uma clínica médica de Solaris, ou algum tipo de laboratório de pesquisas extremamente avançado. Aquilo lembrava muito o laboratório de Krelian, com diversos Executores trabalhando em suas dependências, e Fei perguntou-se a respeito enquanto a voz de Id continuava:
‘Lá dentro, havia muita gente vestida de forma estranha. Muitos tipos de sondas foram injetados no corpo de ‘Fei’ como o início de alguma espécie de experiências. Os testes causavam a Fei muita dor’

MAMÃE, ME AJUDE!

Dor

O QUE ESTÁ FAZENDO?

Dor

NÃO! NÃÃÃÃÃÃOOOO!

E Fei percebeu que sua mãe, observando a tudo o que acontecia através de uma janela, não reagia. Apenas continuava a analisar o que acontecia, a mesma expressão distante em seu rosto, e ele sentiu as pontas dos dedos formigarem. Em algum lugar dentro de si mesmo, ainda parecia capaz de recordar aqueles dias intermináveis.
‘Mamãe não vinha ajudá-lo. O jovem ‘Fei’ não tinha como resistir. Mas ele era capaz de suportar.

Eventualmente, as experiências se tornaram insuportáveis’.

As imagens mudaram novamente. Havia três pessoas na mesma sala que o menino Fei, pessoas de aparência estranha. Parecia que suas feições estavam derretidas, ou cobertas por máscaras bizarras. Não era possível ver seus rostos claramente.  E enquanto Id falava, ele notou que as pessoas tombavam diante do menino, uma após a outra.
‘Muitas pessoas se reuniam ao redor de ‘Fei’. Essas pessoas tinham uma alta compatibilidade com as Relíquias Anima. Esse contato psíquico com Fei era para forçá-lo a despertar.
Mas ninguém podia fazer contato com ‘Fei’. O poder arrancado de ‘Fei’, contra a sua vontade, destruía a todos eles’.
_ Isso é inacreditável! – murmurou Fei, horrorizado – Mamãe permitiu que tudo isso acontecesse...? E... Contato psíquico? O que quer dizer com ‘me despertar’?
_ Para despertar deus, tudo tinha que estar em perfeita ordem, sem nada faltando... As coisas divididas no passado deviam se tornar um todo completo mais uma vez.

Outra mudança. Mais e mais pessoas, alguns não humanos, enfileiravam-se ao redor de Fei. E todos, um após o outro, tombavam diante dele.
‘Pessoas incontáveis morreram diante dos olhos de Fei. Homens, mulheres... Os velhos, os jovens... Até meio-humanos. Sofrimento, angústia, medo, êxtase... Uma variedade de emoções e palavras perduravam... E desabavam sobre Fei como bonecas quebradas. Era uma visão... Do INFERNO!!’
Fei desviou seus olhos, tentando bloquear as visões horrendas, enquanto uma pergunta formou-se em sua mente. E ao tornar a olhar, percebeu que as imagens e Id já estavam respondendo, ao mostrar novamente seu pai:
‘Diante do papai, ela agia normalmente. Quando Fei tentava contar ao pai sobre a estranha conduta da mãe e sobre as experiências, a mente do pai era distraída por seu trabalho e ele não ouvia de verdade. Ele pensava que eram apenas fantasias de infância.’

Mas ele não teve que suportar a dor muito mais... ’.

Fei viu a si mesmo novamente, ainda uma criança, e então o mundo todo à sua volta pareceu tingir-se de vermelho. E foi como se o menino Fei, de pé, prosseguisse manchado de vermelho, de pé, caminhando resoluto para frente e com seus cabelos desalinhados, enquanto outro de si ficava para trás, sentado e parecendo alheio à agressividade ao seu redor. E a qualquer outra coisa. Estava presenciando a separação entre Id e o ‘covarde’.

‘O subsconsciente de ‘Fei’ descobriu um modo de fugir do trauma. Ele formou uma persona separada para lidar com coisas de que ele não gostava, ou não conseguia suportar. Ele removeu-se do caminho das dores. O meu papel era receber todas as coisas que ele odiava, forçadas sobre mim no momento em que elas surgiam’.

Era impossível não perceber a raiva inerente às palavras de Id, e agora o compreendia melhor. Ele não decidira odiar tudo o que existia: apenas não conhecia outra coisa.

‘Desde o momento da minha divisão dele, fui dominado pelo ódio. Aquele ódio tornou-se naturalmente em impulsos destrutivos. Eu queria destruir tudo. Mamãe, papai... O mundo inteiro’

A cena tornou a mudar. No interior da casa, o pai interrogava a mãe, que não reagia. E entre os dois, o menino Fei parecia olhar para o vazio, com a mesma expressão fixa e indiferente.

‘Papai finalmente percebeu a conduta estranha de mamãe, mas já era tarde demais. Eu tinha me separado totalmente daquele covarde... Meu ‘eu’ original. As marionetes estavam quebradas... E... Também estava o coração de ‘Fei’.

_ ... O que levaria mamãe a fazer uma coisa dessas...?
_ Mamãe repetia as experiências para estudar o poder que ela sabia que existia dentro de mim – Id retrucou – Sim, aquela mulher... Mamãe, era Miang.
_ Isso é mentira!
_ Não, é verdade – a resposta pareceu ecoar, indo até o mundo da consciência onde Id lutava com Khan – Mamãe era Miang.


_ Sim, isso mesmo – Khan murmurou, confirmando de cabeça baixa – Karen tinha se tornado Miang.
_ O que foi que disse? – Citan perguntou, e Khan respondeu com pesar:
_ Não é nada especial. Miang não tem apenas um corpo hospedeiro. As raízes de Miang estão seladas nos genes de todas as mulheres. Qualquer uma delas poderia se tornar Miang.
_ Apenas aconteceu de ser a vez da mamãe – Id completou o raciocínio – Apenas Elly era originalmente ‘especial’!!
E tornou a atacar, o braço esquerdo baixando e descarregando mais uma onda de chi agressivo que empurrou o Gear de Khan mais para trás, na direção de outro rio de lava. E ao invés de se defender, ele colocou-se equilibrado sobre a perna direita, parecendo pronto para atacar.
Seu punho avançou, alcançando Weltall por um momento e então recebendo um contragolpe terrível, que tornou a lançá-lo para trás. Ofegante, esforçando-se para manter-se no combate, Khan continuou:
_ Karen... Miang, percebeu que o eixo do tempo de memória de Fei tinha aumentado em duas ou três vezes. Ela ficou então convencida de que Fei era o ‘Contato’!
_ Contato?!


‘... Sim, eu era o Contato. Foi por isso que ELE chamou por mim... E porque a hora tinha chegado...’

No interior de sua mente, Fei pôde ver a si mesmo enquanto criança ao lado de sua mãe, do lado de fora de sua casa. Ao invés da brincadeira com a bola, porém, o que ele viu foi seu pai caído sobre os próprios joelhos e cuspindo sangue, enquanto a figura ameaçadora vestida de bronze aproximava-se dele, impávida, e o menino Fei saía correndo da casa.
‘_ Pare! Pare com isso! Papai! Papai! – voltou-se para a mãe e começou a sacudí-la – Mamãe! Ajude o papai! Ei, mamãe! Por que você não vai ajudar? Papai... Papai vai morrer!

‘Grahf tinha vindo procurar o poder que existe dentro de mim. Para voltar a seu próprio corpo. Você entende agora, não entende...? Grahf é... Lacan’

E Fei percebeu. A imagem ainda mostrava Grahf, mas em seu interior, ele podia sentir uma presença diferente... Familiar, mas não de Grahf. Ele podia ver outra pessoa com o seu rosto, alguém que ele vira durante um de seus momentos de memória. Fosse como fosse no exterior, aquele era Lacan. E Id prosseguiu.

‘Nós, seus descendentes, que herdamos seus pensamentos e memórias permanentes dele, sabemos bem demais... Dividido há 500 anos... Ele se tornaria uma parte de nós dois...
Lacan se tornou Grahf. Ele destruiu tudo na face da terra. Ele então aprendeu como possuir os corpos de outros, habitando suas mentes. Provavelmente, ele foi capacitado a fazer assim depois de seu contato com a ‘Existência’. Os corpos morriam, mas o espírito de Lacan continuava a viver ao possuir outros. Ele tinha vindo aquele dia para devolver sua alma, enfim, à reencarnação perfeita de seu corpo físico... O corpo de ‘Fei’.
Papai... o enfrentou... Mas ele não pôde proteger mamãe, ou eu. Ele lutou lamentavelmente, enquanto tossia o próprio sangue. Grahf fez de papai uma piada, e mamãe sequer o ajudou quando ele mais precisava dela.
Quanto ao filho deles... Ele não conseguia mais agüentar o que estava acontecendo... ’

Uma cena longa e vívida mostrou-se então. Khan estava no chão, esforçando-se para ficar de pé, enquanto Grahf caminhava lentamente em sua direção, quando a atenção dos dois voltou-se. Uma luz dourada intensa começou a emanar de Fei, explodindo rumo aos céus como um vulcão em erupção.
Feixes desencontrados e descontrolados de chi puro ergueram-se aos ares e serpentearam em todas as direções, e uma onda de chi vermelho surgiu em seu meio, agressividade pura condensada, e a tudo isso Karen assistiu com o mesmo ar frio e indiferente.

‘Ele se entregou a seus sentimentos e liberou seu poder. E, como resultado...’

Fei novamente ouviu o tilintar do crucifixo, que agora aparecia caído no chão. A visão fez com que suas entranhas congelassem, antes mesmo que Id concluísse o raciocínio:

‘ ... Mamãe morreu’

sábado, 4 de março de 2017

Capítulo Cinquenta e Oito Ponto Um

(...)

O Gear branco do Sábio desfez sua postura de defesa. E os três viram o Sábio, após hesitar por um instante, remover sua máscara num movimento lento. O rosto revelado era o de um homem de meia idade, de ar severo e cansado, de cabelos e bigode cinzento e uma bandana vermelha em sua fronte. E em voz resoluta ele perguntou:
_ O que aconteceu a Fei... Id?!
_ Que pena – o Gear vermelho, cercado por lava, estava de braços cruzados e parecia caçoar dele – A nova personalidade de Fei à qual você deu origem, e todo aquele trabalho que a sua persona fez para torná-lo um, perfeito, inteiro e unificado... pra nada. Ele vai ser engolido por mim!
_ Eu não vou permitir! – retrucou Khan – Vou destruir você antes disso!
_ Como se você pudesse... Fracote! Mamãe morreu por causa da sua conduta covarde! E como resultado, ele fugiu daquela realidade, mergulhando em suas lembranças! E agora, eu continuo minha existência suportando todo aquele ódio. Você nunca conseguiria imaginar como é...!
Citan, Bart e Emeralda perceberam na voz de Id um momento em que ele soara muito semelhante a Fei, um Fei frustrado e ferido demais para confiar em quem fosse... E após um instante de silêncio, entre os rios de lava que corriam à sua volta e à volta de seu filho, Khan respondeu:
_ Eu não estava simplesmente trabalhando para unificar a personalidade de Fei, sabia?! Tudo o que você e eu sentimos... A tristeza, o ódio... Embora ele também tenha experimentado tais coisas, Fei precisava ser encorajado a crescer por si mesmo, a fim de ser capaz de compreender tudo isso. Fei deveria ser capaz de compreender todos os seus sentimentos a essa altura! Mas agora, você quer apagar a pessoa que o compreende... Matar Fei! O que é que você quer?
_ Por que me perguntar tal coisa agora? – Id indagou, indiferente – Meu propósito é o mesmo que o dele... Destruição total! Isso, e apenas isso!
_ Esse mundo é um lugar tão ruim – Khan perguntou, tristemente – que existe apenas ódio em seu interior?
_ Foram vocês que me fizeram assim! – esbravejou Id, seu Gear avançando – Você e aquela mulher! Admita!
E seu braço esquerdo começou a golpear o ar diante do Gear de Khan, e tamanho era o poder de sua revolta que ondas puras de chi vermelho eram liberadas a cada movimento. Khan imediatamente se pôs em guarda, mas não podia conter efetivamente toda a energia e seu Gear foi arrastado irresistivelmente para trás, e era claro para todos que ele não suportaria tal agressão por muito tempo, e nem os amigos de Fei estavam em condições de vir ao seu auxílio. Suportando como podia a intensidade dos ataques seguidos, Khan chamou:
_ Argh...! Fei...!! Consegue me ouvir? Por favor... Receba este meu punho, repleto de memórias que estou dando a você!
Protegendo-se agora apenas com o ombro e o braço esquerdo, o Gear de Khan fechou seu punho direito e o ergueu, enquanto seu mestre prosseguia murmurando:
_ Torne-se um... Consigo mesmo... e comigo!
Afastando as ondas de chi como podia com uma das mãos, o Gear branco de Khan avançou em meio ao ataque, procurando uma abertura. E a bordo de Heimdall, apressando os reparos de emergência como podia, Citan chamou:
_ Fei!! Para onde o verdadeiro de você foi? Lembre-se! Você não ia salvar Elly?


No vazio de sua mente, Fei flutuava à deriva. Não fazia qualquer movimento, sequer abria seus olhos. Estava entregue como uma folha solta na maré, flutuando na onda irresistível que eram os sentimentos e impulsos violentos de seu outro ‘eu’, e agora as coisas começavam a fazer sentido. Ao menos, ele sentia compreender.

“Sim... Isso é o interior de Id. Um mundo cheio de ódio e tristeza. É tudo o que existe aqui. Sim... Agora eu entendo, Id.

Por que você odeia o mundo. Por que não existe nada dentro de você... Nada... Nada foi dado a você... Privado... de todas as memórias felizes...”

Fei sabia que estava acabado. Não tinha forças e, agora, sequer a vontade para lutar e impedir a absorção por parte do outro. E afinal, de que adiantava resistir? Se havia tão pouco dentro de si mesmo... Se não tinha como mostrar algo melhor... Talvez Id tivesse razão.

Ainda assim... A sensação é agradável... É quase bom... Agora eu entendo...! Não há necessidade de resistir. Eu, originalmente, fui só uma existência que foi criada como uma cobertura para esconder Id. Então, seria melhor voltar para aquele lugar... Vamos juntos... Apagar tudo... Incluindo a nós mesmos...!”

Uma súbita sensação de consciência o alcançou de repente, uma maré de frio e lucidez em meio ao calor de seus próprios sentimentos, como se alguém tivesse aberto uma janela ou ligasse sobre seu rosto uma luz intensa, e uma voz familiar o chamou.

Lembre-se! Você não ia salvar Elly?

“Elly? É isso mesmo...! Elly...!”

Seus olhos se abriram e ao dar conta de si mesmo, Fei deixou de flutuar à deriva. Não podia deixar terminar ainda. Não estava acabado, e tinha assuntos a concluir.

_ Eu tenho que salvar Elly!

Repentinamente, ele percebeu não estar mais no vazio de sua mente. Estava num aposento diferente, fechado, escuro, um recesso vagamente familiar de sua mente.
“O que é esse lugar...?”
Havia uma tela enorme diante de si, como a tela de um cinema. O filme sendo exibido, porém, era curto e repetia-se incessantemente. Um garotinho jogava uma bola para uma mulher adulta, provavelmente sua mãe. Ela a devolvia, e ele a deixava escapar. Rindo, ele corria atrás dela...
... e o filme voltava ao momento em que a mãe recuperava a bola. Sempre a mesma cena, repetida vez após a outra. E Fei percebeu um garotinho sentado no chão, assistindo. Um garotinho idêntico ao mostrado no filme, e muito familiar.
_ O que é que ele fez agora?! – veio outra voz por trás dele – Ele só te chamou aqui pra proveito próprio...
Id estava diante de Fei, parecendo aborrecido e levemente surpreso. Antes que Fei perguntasse qualquer coisa, ele explicou:
_ Este é o interior da concha da sua personalidade básica, o quarto do ‘covarde’. Tenho certeza de que você esteve aqui muitas vezes antes.
_ Entendo... – Fei voltou-se, reconhecendo agora a cena – Eu me lembro... Em meus sonhos.
_ Tudo o que era desprezado e indesejado, ele empurrou para mim – Id aproximou-se, olhando com raiva, desagrado e superioridade para o menino sentado diante da tela, que parecia alheio a tudo o que não fosse a cena repetida – enquanto ele se trancou em seu próprio mundinho... O Fei ‘covarde’. A base das nossas personalidades.
O menino que, Fei percebia agora, parecia quase transparente em sua falta de vivência e experiências reais, enfim deu-se conta de que não estava sozinho e ficou de pé, voltando-se curioso para ele.
_ Quem é você...? Ah, você é meu...
Voltou-se novamente para a tela, como se não fosse capaz de manter a atenção afastada dela por muito tempo, e puxou Fei pela mão.
_ Ei... Vamos assistir isso juntos! Essa é a minha coisa mais importante do mundo todo...
_ Hah...! – fez Id – Repetindo vez após a outra os tempos em que ele vivia cheio de felicidade, ele vive em seu próprio mundinho feliz.
Id se afastou, dando as costas à tela e conseguindo a atenção de Fei. Aquela tela o incomodava. Era uma visão de paz e alegria, sim, mas depois de pouco tempo a repetição continuada a tornava perturbadora de certo modo; parecia terrível imaginar que a única felicidade que podia encontrar em seu interior fosse tão pouca. E apesar do desprezo óbvio de Id, era impossível não notar que ele também invejava o que só o outro podia assistir.
_ Enquanto eu só continuo vivo por causa do que tem naqueles restos que ele deixou pra trás. Aqui! – Id voltou-se para Fei de repente, com uma determinação feroz e rancorosa em seu rosto – Eu vou te mostrar... ‘Tudo’ sobre mim.