(...)
Uma segunda tela abriu-se, agora diante de Id, e uma
contagem regressiva em preto e branco semelhante às dos filmes antigos se
mostrou diante deles. Tudo ao redor pareceu escurecer, mas Fei estava ciente da
voz de Id por toda a parte.
‘A nossa era uma família comum.’
Imagens apareceram, ilustrando aos poucos o que Id
dizia, mostrando o interior de uma casa simples, com um menino pequeno à mesa,
que se levantou feliz quando a porta se abriu, deixando passar um homem, que
saudou o filho e também a bela esposa.
‘Um pai severo, mas confiável. Uma mãe gentil e
amorosa. Até então, era felicidade completa. Mas um dia... Mamãe, de repente,
mudou’.
Fei viu o menino, confuso, aproximar-se da mãe. Ela
estava de costas para ele e voltou-se ao ser chamada... mas seu rosto era frio
e sem expressão. E o menino recuou.
‘Era como se ela fosse uma pessoa totalmente
diferente. E, daquele dia em diante... ‘Fei’ perdeu seu lar’
Outra cena mostrou o pai saindo de casa, enquanto o
menino corria atrás dele.
‘Papai saía com muita freqüência. Ele tinha algum
trabalho importante’
A criança voltou-se assustada, percebendo a figura
da mãe aproximar-se lentamente dele. E era difícil acreditar que um menino tão
pequeno pudesse sentir tamanho pavor na presença da própria mãe.
‘Quando papai estava fora, ‘Fei’ era levado para
um lugar com máquinas misteriosas’.
A imagem mudou para mostrar a mãe ao lado do menino
no interior do que parecia uma clínica médica de Solaris, ou algum tipo de
laboratório de pesquisas extremamente avançado. Aquilo lembrava muito o
laboratório de Krelian, com diversos Executores trabalhando em suas
dependências, e Fei perguntou-se a respeito enquanto a voz de Id continuava:
‘Lá dentro, havia muita gente vestida de forma
estranha. Muitos tipos de sondas foram injetados no corpo de ‘Fei’ como o
início de alguma espécie de experiências. Os testes causavam a Fei muita dor’
MAMÃE, ME AJUDE!
Dor
O QUE ESTÁ FAZENDO?
Dor
NÃO! NÃÃÃÃÃÃOOOO!
E Fei percebeu que sua mãe, observando a tudo o que
acontecia através de uma janela, não reagia. Apenas continuava a analisar o que
acontecia, a mesma expressão distante em seu rosto, e ele sentiu as pontas dos
dedos formigarem. Em algum lugar dentro de si mesmo, ainda parecia capaz de
recordar aqueles dias intermináveis.
‘Mamãe não vinha ajudá-lo. O jovem ‘Fei’ não
tinha como resistir. Mas ele era capaz de suportar.
Eventualmente, as experiências se tornaram
insuportáveis’.
As imagens mudaram novamente. Havia três pessoas na
mesma sala que o menino Fei, pessoas de aparência estranha. Parecia que suas
feições estavam derretidas, ou cobertas por máscaras bizarras. Não era possível
ver seus rostos claramente. E enquanto
Id falava, ele notou que as pessoas tombavam diante do menino, uma após a
outra.
‘Muitas pessoas se reuniam ao redor de ‘Fei’.
Essas pessoas tinham uma alta compatibilidade com as Relíquias Anima. Esse
contato psíquico com Fei era para forçá-lo a despertar.
Mas ninguém podia fazer contato com ‘Fei’. O
poder arrancado de ‘Fei’, contra a sua vontade, destruía a todos eles’.
_ Isso é inacreditável! – murmurou Fei, horrorizado
– Mamãe permitiu que tudo isso acontecesse...? E... Contato psíquico? O que
quer dizer com ‘me despertar’?
_ Para despertar deus, tudo tinha que estar em
perfeita ordem, sem nada faltando... As coisas divididas no passado deviam se
tornar um todo completo mais uma vez.
Outra mudança. Mais e mais pessoas, alguns não humanos,
enfileiravam-se ao redor de Fei. E todos, um após o outro, tombavam diante
dele.
‘Pessoas incontáveis morreram diante dos olhos de
Fei. Homens, mulheres... Os velhos, os jovens... Até meio-humanos. Sofrimento,
angústia, medo, êxtase... Uma variedade de emoções e palavras perduravam... E
desabavam sobre Fei como bonecas quebradas. Era uma visão... Do INFERNO!!’
Fei desviou seus olhos, tentando bloquear as visões
horrendas, enquanto uma pergunta formou-se em sua mente. E ao tornar a olhar,
percebeu que as imagens e Id já estavam respondendo, ao mostrar novamente seu
pai:
‘Diante do papai, ela agia normalmente. Quando
Fei tentava contar ao pai sobre a estranha conduta da mãe e sobre as
experiências, a mente do pai era distraída por seu trabalho e ele não ouvia de
verdade. Ele pensava que eram apenas fantasias de infância.’
Mas ele não teve que suportar a dor muito mais...
’.
Fei viu a si mesmo novamente, ainda uma criança, e
então o mundo todo à sua volta pareceu tingir-se de vermelho. E foi como se o
menino Fei, de pé, prosseguisse manchado de vermelho, de pé, caminhando
resoluto para frente e com seus cabelos desalinhados, enquanto outro de si
ficava para trás, sentado e parecendo alheio à agressividade ao seu redor. E a
qualquer outra coisa. Estava presenciando a separação entre Id e o ‘covarde’.
‘O subsconsciente de ‘Fei’ descobriu um modo de
fugir do trauma. Ele formou uma persona separada para lidar com coisas de que
ele não gostava, ou não conseguia suportar. Ele removeu-se do caminho das
dores. O meu papel era receber todas as coisas que ele odiava, forçadas sobre
mim no momento em que elas surgiam’.
Era impossível não perceber a raiva inerente às
palavras de Id, e agora o compreendia melhor. Ele não decidira odiar tudo o que
existia: apenas não conhecia outra coisa.
‘Desde o momento da minha divisão dele, fui
dominado pelo ódio. Aquele ódio tornou-se naturalmente em impulsos destrutivos.
Eu queria destruir tudo. Mamãe, papai... O mundo inteiro’
A cena tornou a mudar. No interior da casa, o pai
interrogava a mãe, que não reagia. E entre os dois, o menino Fei parecia olhar
para o vazio, com a mesma expressão fixa e indiferente.
‘Papai finalmente percebeu a conduta estranha de
mamãe, mas já era tarde demais. Eu tinha me separado totalmente daquele
covarde... Meu ‘eu’ original. As marionetes estavam quebradas... E... Também
estava o coração de ‘Fei’.
_ ... O que levaria mamãe a fazer uma coisa
dessas...?
_ Mamãe repetia as experiências para estudar o poder
que ela sabia que existia dentro de mim – Id retrucou – Sim, aquela mulher... Mamãe,
era Miang.
_ Isso é mentira!
_ Não, é verdade – a resposta pareceu ecoar, indo
até o mundo da consciência onde Id lutava com Khan – Mamãe era Miang.
_ Sim, isso mesmo – Khan murmurou, confirmando de
cabeça baixa – Karen tinha se tornado Miang.
_ O que foi que disse? – Citan perguntou, e Khan
respondeu com pesar:
_ Não é nada especial. Miang não tem apenas um corpo
hospedeiro. As raízes de Miang estão seladas nos genes de todas as mulheres.
Qualquer uma delas poderia se tornar Miang.
_ Apenas aconteceu de ser a vez da mamãe – Id
completou o raciocínio – Apenas Elly era originalmente ‘especial’!!
E tornou a atacar, o braço esquerdo baixando e
descarregando mais uma onda de chi agressivo que empurrou o Gear de Khan mais
para trás, na direção de outro rio de lava. E ao invés de se defender, ele
colocou-se equilibrado sobre a perna direita, parecendo pronto para atacar.
Seu punho avançou, alcançando Weltall por um momento
e então recebendo um contragolpe terrível, que tornou a lançá-lo para trás. Ofegante,
esforçando-se para manter-se no combate, Khan continuou:
_ Karen... Miang, percebeu que o eixo do tempo de
memória de Fei tinha aumentado em duas ou três vezes. Ela ficou então
convencida de que Fei era o ‘Contato’!
_ Contato?!
‘... Sim, eu era o Contato. Foi por isso que ELE
chamou por mim... E porque a hora tinha chegado...’
No interior de sua mente, Fei pôde ver a si mesmo
enquanto criança ao lado de sua mãe, do lado de fora de sua casa. Ao invés da
brincadeira com a bola, porém, o que ele viu foi seu pai caído sobre os
próprios joelhos e cuspindo sangue, enquanto a figura ameaçadora vestida de
bronze aproximava-se dele, impávida, e o menino Fei saía correndo da casa.
‘_ Pare! Pare com isso! Papai! Papai! – voltou-se
para a mãe e começou a sacudí-la – Mamãe! Ajude o papai! Ei, mamãe! Por que
você não vai ajudar? Papai... Papai vai morrer!
‘Grahf tinha vindo procurar o poder que existe
dentro de mim. Para voltar a seu próprio corpo. Você entende agora, não
entende...? Grahf é... Lacan’
E Fei percebeu. A imagem ainda mostrava Grahf, mas
em seu interior, ele podia sentir uma presença diferente... Familiar, mas não
de Grahf. Ele podia ver outra pessoa com o seu rosto, alguém que ele vira
durante um de seus momentos de memória. Fosse como fosse no exterior, aquele
era Lacan. E Id prosseguiu.
‘Nós, seus descendentes, que herdamos seus
pensamentos e memórias permanentes dele, sabemos bem demais... Dividido há 500
anos... Ele se tornaria uma parte de nós dois...
Lacan se tornou Grahf. Ele destruiu tudo na face
da terra. Ele então aprendeu como possuir os corpos de outros, habitando suas
mentes. Provavelmente, ele foi capacitado a fazer assim depois de seu contato
com a ‘Existência’. Os corpos morriam, mas o espírito de Lacan continuava a
viver ao possuir outros. Ele tinha vindo aquele dia para devolver sua alma,
enfim, à reencarnação perfeita de seu corpo físico... O corpo de ‘Fei’.
Papai... o enfrentou... Mas ele não pôde proteger
mamãe, ou eu. Ele lutou lamentavelmente, enquanto tossia o próprio sangue.
Grahf fez de papai uma piada, e mamãe sequer o ajudou quando ele mais precisava
dela.
Quanto ao filho deles... Ele não conseguia mais
agüentar o que estava acontecendo... ’
Uma cena longa e vívida mostrou-se então. Khan
estava no chão, esforçando-se para ficar de pé, enquanto Grahf caminhava lentamente
em sua direção, quando a atenção dos dois voltou-se. Uma luz dourada intensa
começou a emanar de Fei, explodindo rumo aos céus como um vulcão em erupção.
Feixes desencontrados e descontrolados de chi puro
ergueram-se aos ares e serpentearam em todas as direções, e uma onda de chi
vermelho surgiu em seu meio, agressividade pura condensada, e a tudo isso Karen
assistiu com o mesmo ar frio e indiferente.
‘Ele se entregou a seus sentimentos e liberou seu
poder. E, como resultado...’
Fei novamente ouviu o tilintar do crucifixo, que
agora aparecia caído no chão. A visão fez com que suas entranhas congelassem,
antes mesmo que Id concluísse o raciocínio:
‘ ... Mamãe morreu’
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