sábado, 18 de março de 2017

Cinquenta e Oito Ponto Três

(...)

_ Mamãe!
O pequeno Fei estava ajoelhado, chorando e chamando por alguém que não responderia. Ao seu lado, Fei e Id olhavam para a cena, o adulto com pesar e o menino com desprezo.
_ E ‘ele’ descarregou os resultados de suas ações em cima de mim. Para evitar assumir a responsabilidade por matar mamãe, ele me usou como um escudo.

‘Eu também matei mamãe’

O Fei adulto olhou ao redor, e lá estavam. À sua direita, Fei viu seu alter ego mais jovem, sentado diante da tela que repetia interminavelmente a cena com a bola. E agora à sua esquerda, uma nova tela mostrava o rosto do mesmo menino, parecendo espantado e chocado, com manchas de sangue em seu rosto, cabelos e corpo, e Id de pé diante da tela.
_ Ele empurrou todas as coisas ruins pra cima de mim... Mas guardou todas as memórias cheias de felicidade e amor de mãe para si mesmo. E ele se trancou com aquelas memórias dentro de seu pequeno casulo... pra sempre – indicou com a cabeça – Este é o lugar. O que você vê diante de si, é o que ele fez. Ele fica apenas agarrado a essas memórias. E é isso o que é...
Fei olhou para as duas partes de si mesmo, a criança imatura que se recusava a aceitar o que acontecera, vivendo isolada do mundo real para sempre, e seu lado destrutivo, irritado e frustrado, formado e nutrido por cada experiência ruim que vivenciara. E não pôde suportar mais.
_ Parem! Parem de uma vez com isso! Essa... Estas cenas... Essas coisas são tudo o que existe para nós? – sacudiu a cabeça – Já basta disso! Não existe nada aqui! Só um mundo repleto de engano e dor...
_ Não pode ser evitado – Id retrucou diante dele – Isso é o nosso mundo... Isso é ‘tudo’.


_ Eu fui um tolo – Khan murmurou, seu Gear de cabeça baixa e parecendo tão exausto quanto ele próprio – Foi tudo culpa minha. Eu estava tão ocupado com meus deveres em Shevat que não percebi que Karen tinha mudado. Eu não pude salvar você quando precisava da minha ajuda.
_ Me salvar...? Hah! – fez Id – Pra quê se incomodar em dizer uma bobagem dessas agora? Não vai mudar coisa alguma! A única coisa que pode fazer agora é morrer pela minha mão!
Khan estava desprotegido, e Id fora rápido demais. Weltall deslizou adiante e golpeou depressa, seu punho veio adiante e enterrou-se quase até o cotovelo no peito do Gear de Khan.
_ Urgh...! M-mesmo assim... Eu vou mostrar que... Que posso salvá-lo...!

_ Papai! – Fei podia observar, em seu interior, tudo o que acontecia no exterior de sua mente, e voltou-se para o menino de pé atrás de si.
_ Pare com isso, Id! Papai não fez nada de errado!
_ Eu sei – Id olhou com desprezo para o menino Fei, sentado de costas para ele e sacudindo a cabeça, negando-se a ver ou ouvir qualquer coisa – Esse aqui é o verdadeiro culpado. Mamãe e papai não tiveram escolha.
Fei olhou para os dois meninos, as duas partes mais antigas de seu próprio ‘eu’ despedaçado, e perguntou-se o que poderia fazer. Quando percebeu, estava dentro da projeção do pequeno Fei, a casa na mata à sua esquerda e a bola rolando em sua direção, com o menino correndo logo atrás dela e sorrindo para ele.
_ Obrigado. Devolve ela pra mim? Estou brincando com a mamãe.
_ Isso... não é a realidade!

O grito de Fei desfez o teto da casa
_ São tudo mentiras!

As árvores desapareceram, varridas de súbito.
_ É tudo um truque!!

_ Tudo isso é falso!!

_ Tudo! Tudo isso!! É tudo mentira!!

A cada novo grito outra característica da cena desaparecia, enquanto ele agitava o braço, desfazendo a ilusão à sua volta. Então ele ouviu o som de uma porta se fechando, e o pequeno Fei sacudiu a cabeça, voltando-se para sua metade adulta e batendo nele.
_ Não! Vai embora! Esse aqui é o meu quarto! Eu pensei que você ficaria comigo pra sempre!
_ Por que não enxerga a realidade? – Fei perguntou, ajoelhando-se para ficar de frente com o menino e percebendo, com o canto de seus olhos, que Id também estava ali – Felicidade... Tristeza... Não são todas as partes que, combinadas, formam o todo? Por que não mostra para ele? Por que você não deixa o Id também ver o que você sempre assiste?
_ Não, isso é meu! – o menino deu as costas aos dois – Eu não quero mostrar pra a pessoa que matou mamãe!!
_ Olha só quem fala – Id cruzou os braços – Foi você quem matou mamãe!
_ Não, não matei, foi você! – o menino voltou-se, esbravejando para o outro – Eu não matei ela! Mamãe não ligava pra você... Papai também não percebia... E por isso você a matou! Eu não a matei! Não fui eu! Eu não...!
_ Pare com isso!
Fei se interpôs entre os dois, forçou seu ‘eu’ menor a encará-lo e falou, com a voz calma e triste.
_ ‘Nós’ matamos mamãe. Não é culpa de ninguém, a não ser nossa. Não foi porque ela se tornou Miang, ou porque papai não percebeu. Não procure lá fora pela razão. Não culpe mais ninguém, além de você mesmo.
“Sim, mamãe era Miang, e eu sei que você sofreu. Ninguém poderia ter suportado. Mas você não pode empurrar tudo isso para o Id, sozinho. Nós todos somos uma só pessoa. Todos precisamos nos tornar um. Está certo? Fei... Ande sobre seus próprios pés! Encare a realidade que você não quer ver!”
Uma nova tela surgiu entre as outras duas, e uma contagem regressiva começou, como num filme antigo, como antes quando Id mostrara seu passado. E o Fei adulto fez sua metade menor voltar-se para o filme, ordenando:
_ Mostre elas para o Id. Tudo o que tomou para si mesmo...

A princípio, a cena fora idêntica ao que Id já mostrara. O menino Fei emanando uma intensa energia de chi dourado, que explodiu para além dele com tal intensidade que derrubou Grahf, Khan e também parte da casa onde ele morava, e feixes desencontrados da energia pairaram sem direção no céu, sempre sob o olhar indiferente de Miang.
E entre as inúmeras massas de energia dourada, um feixe de chi vermelho destacou-se, buscando voltar para sua fonte de origem. Era ali que a raiva começava, e a forma mais simples de acabar com ela era regressando. O menino sabia, em seu interior, o que aconteceria quando fosse atingido por aquilo, mas não conseguia se mover...

... e a expressão indiferente de Miang se desfez, enquanto Karen voltava a ser ela mesma pela primeira vez em semanas. No ar, a onda de chi vermelho aproximou-se depressa de Fei, que fechou os olhos e encolheu-se, temendo o pior...
... e aquela energia toda explodiu sobre as costas de Karen, que atirou-se sobre o filho no último momento e gritou de dor, e tanto sangue espirrou de seu ferimento que o rosto, cabelos e as roupas do pequeno Fei ficaram manchados.
A corrente do crucifixo de Karen partiu-se. Ela susteve-se de pé por um momento, o rosto franzido de dor, mas havia um sorriso sereno de alívio ao olhar para Fei e ver que ele estava ileso.
E ela tombou para frente, caindo debruçada sobre a criança. Seu crucifixo caiu ao chão, e os cabelos presos do menino se soltaram, encobrindo parte do seu rosto. E a expressão de Fei endureceu, enquanto Id vinha à tona pela primeira vez.

A seqüência na tela acabou, mas o rosto sereno e gentil de Karen permaneceu, a imagem congelada na tela de Fei. O rosto de sua mãe e seu sorriso de alívio ao perceber que o filho estava bem, apesar de ela própria estar banhada no próprio sangue. O pequeno Fei e sua versão adulta olhavam para a tela em silêncio, mas passado o primeiro instante, Id gritou.
_ Mentiras! Essa mulher...! Essa cena...! – Id estava gesticulando, apontando para o rosto de Karen na tela, para o menino Fei e novamente para a tela, um riso nervoso no canto de seus lábios enquanto ele tremia – Tudo isso são ilusões! Ilusões que ele inventou! Eu, a minha consciência, consegue enxergar através desse truque!
Nenhum dos outros dois fez qualquer comentário, o menino ainda olhando e chorando silenciosamente diante do rosto da mãe, e o Fei adulto olhando com tristeza para Id. Não era preciso dizer coisa alguma, e Id hesitou.
_ Eu não vou ser enganado! E-eu...! Eu...!
_ Id... Já chega – Fei caminhou até ele e ajoelhou-se, fazendo o outro olhar em seus olhos – Fazer isso não vai resolver nada. Mamãe nos salvou no último momento. Essa é a verdade. Certo?
Id olhou novamente para a tela, e Fei sorriu com tristeza ao perceber que o outro estava procurando sem sucesso por um motivo ou meio de retrucar. Mas não havia o que dizer.
_ A realidade não é assim tão sombria, Id.
Lágrimas de frustração desciam agora, abundantes, dos olhos de Id. Baixando a cabeça e apertando os próprios punhos, ele murmurou:
_ Meu poder... Não conseguia salvar ninguém. Ele só destruía. Eu pensei que só conseguiria criar uma conexão com outras pessoas por meio da destruição. Por isso eu tinha que destruir tudo. As pessoas... O mundo... Até mesmo Elly...
_ Não – Fei meneou a cabeça – Não é esse o caso. Nós podemos salvar aos outros, assim como nossa mãe, apesar de ser Miang, nos salvou. O nosso poder... Pode salvar as pessoas... Nós podemos salvar Elly!
Id olhou para além de Fei. O outro, o covarde, olhava sem piscar para o rosto gentil da mãe... Mas agora, ele bem entendia porque. Aproximando-se um pouco da tela, de forma que Fei não pudesse ver seu rosto, ele murmurou com a voz rouca:
_ ... É a primeira vez pra mim... Mamãe sendo tão carinhosa. Pra mim... Ela quase parece ser... carinhosa demais.
Ele então esfregou o rosto e voltou-se para Fei com determinação, enquanto o menino Fei também se aproximou dos dois, e Id disse:
_ Fei. Pegue as lembranças que eu tenho dentro de mim.
Os dois meninos começaram a falar ao mesmo tempo então, ambos usando as mesmas palavras e com as mãos direitas estendidas na direção do Fei adulto.
_ Você precisa saber como costumava ser até agora. Conheça a nossa identidade... Sobre quem nós somos. Então, descubra o que deve ser feito. A nossa integração ainda não está completa.

Chovia. Céus azul cobalto, escuros, e em meio à tempestade, uma multidão corria. Quatro deles vinham adiante da fila, vestidos com mantos e capuzes de cor cobre, carregando um trono onde a figura do Imperador Cain seguia imponente, e criando esferas poderosas de chi semelhantes a um Tiro Guiado múltiplo, carregando-as de poder para então lançá-las contra o casal que corria adiante.
Os vários disparos caíram sobre o solo, um deles atingindo em cheio as costas da mulher de longos cabelos ruivos, atirando-a para frente. Seu companheiro, um rapaz de cabelos castanhos presos num rabo de cavalo, deteve-se e a amparou em seus braços, chamando por ela e sabendo em seu interior que já era tarde demais.
_ Elhaym!!
Sangue começou a brotar das costas dela, que ergueu sua mão e tocou o rosto dele com delicadeza, murmurando gentilmente enquanto ele curvava a cabeça e chorava:
_ Abel...! Viva...!

Um laboratório subterrâneo. Uma criança de cabelos verde-esmeralda flutuava no interior de um nanorreator cilíndrico e o homem de cabelos castanhos presos num rabo de cavalo, vestido como um cientista, observava desesperado enquanto sua esposa era alvejada por um esquadrão armado com rifles, por ter selado o laboratório contra os invasores. Enquanto se esvaía em sangue, ela murmurou:
_ ... Eu simplesmente não posso... entregar nossa filha... a vocês...
O cientista esmurrou o vidro da porta sem sucesso, vendo o grupo de soldados se aproximando de sua esposa, e ela voltou-se para ele e pediu:
_ ... Viva...!
Em resposta, uma luz intensa cintilou do nada e um tremor violento começou a sacudir as portas, paredes e o teto, enquanto um poder até então desconhecido vinha à tona.

Numa sala iluminada pelo sol que entrava por uma janela em forma de crucifixo cristalino, um jovem artista de cabelos castanhos presos num rabo de cavalo  pintava a líder da seita religiosa de Nisan, uma jovem frágil de longos cabelos castanho-claros, e ainda havia muito não dito entre eles.

E então para a cabine de comando em chamas de uma nau capitânia à beira da destruição, onde as últimas palavras de Sophia ficariam para sempre gravadas na mente do pintor.
_ Lacan! Viva...!

De pé no ponto de reencontro depois da batalha, Lacan viu um de seus melhores amigos fazer um juramento sombrio ao sol poente.
_ Se deus não existe em nosso mundo, então... Eu vou criar deus com minhas próprias mãos!

_ ... O que... é... este lugar...?
Lacan estava confuso, olhando ao redor e tentando compreender o que se passava. Estava no centro de uma área devastada, várias pessoas com roupas de Shevat apontando e esbravejando, e a resposta à sua pergunta apenas o confundiu e assustou mais.
_ ... O local da minha execução...?
Ele estava diferente, os cabelos vermelhos e revoltos, vestido de preto, de pé sobre a mão de seu Gear, e reconhecia a maioria das pessoas que o encaravam com ódio e medo, mas não entendia a reação deles.
_ ... Por que se voltam contra mim? Eu achei que éramos amigos!
As pessoas continuavam a gritar, apontando e gesticulando, e ele absorvia apenas parcialmente o sentido das palavras que diziam. Voltou-se para seu Gear, que agora tinha a cor de bronze e imensas asas de metal.
_ ... Quem é...? E-eu causei... tudo isso? O que aconteceu comigo...?
“O que... eu me tornei...?”

VIVA...!
_ ... Eu viverei...!

Ele não mostraria mais o quanto mudara, escondendo-se para sempre num manto e capuz sombrios, da cor de cobre, e também fez um juramento ao sol poente:
_ Mesmo que eu vá para o inferno, viverei até o fim deste mundo. E se o mundo não chegar a um fim... – ele fechou sua mão em punho – Eu o destruo com as minhas próprias mãos!
E a última visão que se teve foi de Grahf, de pé nas mãos de seu Alpha Weltall, desaparecendo na distância.

_ ... Fei... Fei...
Fei despertou de repente, descobrindo surpreso que não estava mais nas memórias de suas vidas passadas. Era um lugar diferente, e havia uma voz que falava com ele sem palavras, parecendo mais o soar de um sino que ele entendia em sua mente como frases.
_ Quem é? – olhou ao redor – Quem está me chamando...?
Havia uma forma luminosa radiante flutuando acima dele, pairando e pulsando luz enquanto se comunicava, e só então ele reparou que era como se estivesse de pé sobre a água, e cada vez que aquela luz dizia algo, as águas ondulavam.
_ Eu... sou... Har...
_ Que luz é essa...?
_ Eu... Eu resido em Zohar. Eu sou o princípio e o fim. O primeiro e o último.
_ ... Deus?
_ Deus... Alguns se refeririam a mim desta forma. De certo ponto de vista, está correto me ver como tal. Mas, ao mesmo tempo, eu não sou. Eu... Também sou uma parte de você.
_ Uma parte de mim?
_ Eu sou definido por como as pessoas me observam. Você, na verdade, está falando com uma versão virtual de mim que você mesmo criou... Eu sou a ‘sua percepção’ de mim.
_ Eu não entendo do que está falando – Fei meneou a cabeça – Quem, ou o que, é você?
_ Em uma palavra... EXISTÊNCIA.
_ Existência?
_ Na realidade, eu não tenho uma forma física. Eu sou uma ‘Existência’ de uma dimensão mais alta. Um lugar que você não pode perceber... Mas, em termos que compreenda, é um mundo onde tudo são como um tipo de ondas... É a fonte deste universo de quatro dimensões... O lugar onde tempo e espaço são controlados... O vazio flutuante... A ‘Onda Existência’.
_ O que uma ‘Existência’ dessas... tem a ver comigo?
_ Há muito tempo, um ‘modificador’, ou um motor de energia infinita, pseudo-perpétua, foi criado. O motor foi nomeado ‘Zohar’. Esse reator foi criado por um povo antigo de outro planeta para alcançar o que é considerado ser a suprema energia possível dentro deste universo de quatro dimensões. Eventualmente, aquelas pessoas usaram o mesmo motor para criar a suprema arma de invasão inter-planetária, ‘Deus’... Zohar foi usado como sua fonte primária de poder.
“Mas o inesperado aconteceu... Durante os testes de conexão de Zohar com o recém-completado Deus, o motor começou a examinar fenômenos potenciais infinitos... Requerendo energia, o motor conectou esta dimensão ao espaço dimensional mais elevado. Como resultado, o reator ‘mesclou-se’, ou ‘sincronizou-se’ com a onda existência naquela dimensão mais elevada... EU.”
“Eu ‘desci’ do ponto de contato criado pela máquina através do ‘Caminho de Sephirot’, ou o domínio no qual você está agora, e encarnei no mundo de quatro dimensões. Depois de meu ‘Advento’ ao mundo de quatro dimensões, a fim de me estabilizar aqui, eu tive que trocar, ou materializar, minha forma e entrar no motor ‘modificador’... Em outras palavras, eu me tornei ligado a ‘Zohar’... a ‘jaula da existência em carne’.”
“Desde o tempo em que fui ligado a Zohar, eu sempre quis retornar à minha própria dimensão... E cheguei a uma conclusão. Eu tinha que reverter o processo pelo qual passei para chegar aqui. Eu devo ser libertado por aquele que instilou em mim uma característica especial desta dimensão – a ‘vontade’. Este alguém é você”.
_ Decidiu que era eu? Uma característica especial??
_ Sim. Me foi dado um atributo especial de um humano por você, o Contato, quando você me observou. Me foi dado... O desejo por uma mãe.
_ Desejo por... uma mãe?
_ Estou certo de que se lembra. Depois da minha descida, você teve contato com o motor modificador, ‘Zohar’.

Uma nova e até então totalmente desconhecida memória cruzou a mente de Fei. Ele era um garotinho, em pé diante da placa metálica com o símbolo do olho que era o Modificador Zohar, e ele estava olhando para a pupila do olho. No interior dela, em um reator ligado a doze outras câmaras, uma mulher de cabelos longos dormia.

_ Como um Contato, sendo apenas uma criança – prosseguiu a Existência, trazendo Fei de volta depois de reconhecer aquela mulher – você definiu minha existência com seu desejo de voltar à sua mãe. Assim, eu vim a preparar o desejo pela mãe... Esse desejo é Elhaym.
_ A disposição de Elly foi influenciada por mim?
_ Sim. Minha vontade foi encarnada através de um bio-computador que era vital para Deus. Depois de combinar-se comigo, o bio-computador evoluiu suas funções, e aquela bio-usina gerou um elemento central. E tal elemento é ela.
“Eu fui dividido por seu contato. Minha forma física, ou carne, permaneceu em Zohar, enquanto minha vontade migrou para Elhaym e meu poder migrou para dentro de você. Foi por isso que eu esperei para me unir com você. E agora, isso foi cumprido. Meu único desejo restante é romper esta ‘jaula de existência na carne’...
“A fim de fazê-lo, devo me tornar perfeito combinando-me com Elhaym, assim como minha outra forma física dividida, ‘Deus’. O único modo de retornar à minha dimensão original é destruir este corpo físico. No mundo de quatro dimensões, Zohar é perfeito, então a fim de destruir Zohar eu preciso da força que foi atribuída a você... Zohar pode apenas ser destruído pelas mãos do ‘Contato’.
_ E quanto à Elly? Se Zohar for destruído, o que vai ser da Elly?!
_ Zohar e Deus são um. Ela está ligada ao sistema pela vontade de outro, para se tornar uma comigo. A fim de libertá-la, é necessário destruir aquele mesmo sistema que serve como a arma Deus. No entanto, tendo sido criado como uma arma, o sistema Deus busca se unificar com todos vocês para um propósito diferente do meu.
‘Originalmente, a libertação dela deveria ter sido realizada por mim, aquele que deseja retornar à dimensão mais elevada... Mas, eu também estou atado ao sistema, assim como ela, e assim sou incapaz de participar. Você é o único que pode libertá-la do feitiço. Assim como Deus e eu somos inseparáveis, você e ela também são inseparáveis”.
_ ... Está certo – Fei murmurou, acenando com a cabeça – Eu vou destruir Deus e o Modificador Zohar. E vou salvar Elly.
_ Você experimentou muita perda e privação em sua vida – a voz retornou, parecendo lamentar – Isso é muito trágico. O nosso contato, e a transferência resultante de poder e vontade entre você e eu, muito provavelmente desempenharam um fator em dividir sua personalidade.
_ Eu discordo – Fei meneou a cabeça – Não posso culpar a nada nem ninguém, além de mim mesmo. Seja o que for que possa ter acontecido no passado, com o passar do tempo, a causa fica mais remota. É um problema que vem do meu interior, com o qual eu mesmo preciso lidar.
_ Entendo. Você conseguiu aceitar essas tragédias, tolerar todas as coisas, compreender e descobrir onde você se situa neste mundo. Se teve sucesso em fazer todas essas coisas, estou certo de que terá sucesso no que espera por você agora.
O espaço à volta deles pulsou de repente, e a forma visual da luz da Existência oscilou, e com isso sua voz começou a desaparecer.
_ Para libertar a todos... nós... use... o Xeno... gears... Destrua... Zo... har...
_ Espere! Há mais que eu preciso perguntar...
_ O sistema... está despertando... – a voz ainda se fez ouvir uma última vez – Per... gunte... a ela... depois...


E no mundo real, Weltall começou a cintilar, uma luz tão intensa que ninguém podia olhar em sua direção. E das ‘caixas pretas’ que os mecânicos da Yggdrasil não tinham conseguido analisar, e do interior do ego de Fei e de sua ligação com a Onda Existência, o Gear de Fei evoluiu enquanto a luz diminuía, mudando para sua forma definitiva.
  


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