domingo, 21 de agosto de 2016

Capítulo Quarenta e Sete Ponto Um

(...)

<Elly>

Um sonho...

Eu estava sonhando um sonho...
Ou talvez fosse uma memória
De um passado distante...

Um sonho...
Uma memória...

Aquelas palavras que eu era
Incapaz de expressar...
Naquele dia...
Naquele tempo...

Aqueles pensamentos que eu era
Incapaz de levar adiante...

Palavras e pensamentos...
A conexão entre os dois...

Sem palavras,
Pensamentos não podem ser expressos...
Sem pensamentos,
Não há palavras...
São ambos vitais,
Tanto um quanto o outro...

Eles nunca podem ser divididos...
Como as asas dos anjos...
Como um homem e uma mulher...

Um destino imutável...
Sentimentos que uma pessoa gostaria de poder mudar...

Me encontrar com a pessoa que me transformaria...
E assistir a mim mesma enquanto mudava...

Eu sonhei um sonho tal como esse...

Um longo...
Sonho sem fim...

_ La... Can...

Uma janela imensa aberta na parede. Uma janela, em forma de um crucifixo cristalino. A luz do sol penetrava por ela em sua plena majestade naquele horário, fazendo parecer que a figura representada na parede era feita de luz.
_ Lacan, o que houve?
A porta estava fechada, ninguém interromperia, e ela não entendia por que ele parecia tão inquieto.
_ Lacan?

Naquele sonho, eu era chamada ‘Sophia’...

Madre Sophia...

Um nome simbólico...
Colocado como uma coroa sobre a pessoa que seria a esperança do povo...
Um nome que eu estava destinada a ter.
Quer eu o quisesse ou não...

_ Hã... Não, não é nada.
Mas ela o conhecia bem demais para acreditar tão facilmente. Alguma coisa o perturbava, e ela gostaria muito que ele não fosse tão reservado agora, quando estavam sozinhos.
_ ... Vamos encerrar por hoje. Você parece um tanto cansado... Está mesmo bem?
_ Eu estou bem, obrigado. Mas, agora que mencionou...
Ele parou de pintar, parecendo realmente prestar atenção a ela pela primeira vez em quase uma hora; em seus olhos e na pessoa dela, não em sua modelo.
_ Que tal se encerrarmos por hoje? Deve ser você quem está cansada, ‘Madre Sophia’?
_ Já chega disso.
Ela baixou os olhos. Não havia como evitar aquele nome, mas era pior ter que ouví-lo vindo dele. Fazia com que mesmo ele a tratasse de forma diferente.
_ Quando estivermos só nós dois, sozinhos, quer parar de me chamar assim? – e olhou para ele, o pedido implícito em seu olhar – Me chame apenas de ‘Elly’... Como você costumava fazer nos velhos tempos... E não tem que ser tão rígido e formal.
_ Ah, er... Está certo. Muito bem então... Não, digo...
Ela sorriu, ocultando o riso verdadeiro que estava em seu interior. Assim era melhor. Quando ele ficava sem jeito, era como nos velhos tempos. E ele também parecia mais à vontade quando sorriu e respondeu:
_ É, vamos fazer isso então, ‘Elly’!

‘Elhaym’...

Eu sempre gostei desse nome...
Porque, quando eu me encontrei com ele pela primeira vez,
Foi assim que ele me chamou...

Esse é meu verdadeiro nome...

Ele olhou inquieto para o quadro enquanto guardava seus pincéis, e acenou com a cabeça. Parecia insatisfeito com algo, e veio até o centro do tapete vermelho, onde o crucifixo desenhado a sol iluminou seu rosto quando ele ergueu a cabeça e disse:
_ Acho que eu podia voltar pra casa. Só por uma semana, mais ou menos.
_ Ah, mesmo? Qual o problema?
_ ... Fiquei sem tinta – ele respondeu, parecendo sem jeito – Então, eu... er, preciso ir fazer mais um pouco.
_ Vai andar toda aquela distância... só pra fazer isso?
Lá estava ele, querendo se afastar de novo. Mas por quê?
_ Se eu não for até lá – ele acenou com a cabeça, parecendo muito sério – não vou conseguir obter os pigmentos certos.
_ Ah. Então, que tal se eu pedir a um dos meus seguidores, os ‘Kahal’, para levarem você em um dos nossos Gears? Você vai chegar mais rápido e vai estar muito mais seguro.

Eu me pergunto quando foi que começou...

Que ele começou a me rejeitar...
Os muros entre nós...
Nossas ‘posições’...
Nossas ‘circunstâncias’...
Ele se recusava a reconhecê-las...

Não... Talvez fosse eu...

Sendo assim...
Eu não as queria...

Eu queria que nós dois
Ficássemos por nossa própria conta...

É isso o que eu desejava...
Por isso,
Eu fiz com que ele me pintasse...

Da forma como eu realmente sou...

Sonhos...

Uma vida de uma mulher chamada Sophia...
E as vidas de incontáveis outras mulheres...

Nada além de sonhos...

Agora que estou acordada,
Aquele número incontável de longos sonhos de partir o coração são quase absolutamente impossíveis de se lembrar...

Naqueles sonhos,
Eu amava um homem...
Não importando o dia,
Não importando a era...
Isso não mudava...

Apenas o nome dele...

‘Fei’


Aquele sonho me mudou...
Aquele sonho foi o catalisador para que eu resolvesse qual era meu propósito.

Eu acho que sei agora...
O que tenho que fazer...

Aquela memória longa, tão longa, de um sonho...
Aquilo talvez fosse a memória da minha alma...


Um sinal eletrônico se fez ouvir no que parecia uma biblioteca antiga, iluminada por velas. Mas não havia nada de antigo no equipamento localizado bem ao centro do cômodo, nem o sinal parecia surpresa ao senhor idoso que estivera lendo sob a vela e voltou-se para os cilindros separados. No interior do esquerdo, uma jovem de cabelos vermelhos flutuava num líquido esverdeado luminescente; no direito, um rapaz de cabelos castanhos presos num rabo de cavalo.
_ Hmm... Ele finalmente despertou...
O estudioso deixou o que estivera lendo e acercou-se do painel de controle no cilindro do rapaz, e sob os óculos seus olhos se iluminaram com um sorriso. As condições finalmente estavam estabilizadas, e ele iniciou os procedimentos de esvaziamento.
_ Pronto...! Aí está...

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