(...)
Dias depois, estavam em batalha,
e era uma situação da qual não parecia haver fuga. Solaris os cercara, a
milícia de Nisan estava em desvantagem de quinze para um pelo menos, e sua rota
de fuga fora cortada. O apoio de Shevat não aparecia e Krelian, liderando o que
restara de seu esquadrão, parecera tomar para si a tarefa de reabrir a saída. O
líder das forças militares atacava ferozmente, como se estivesse possuído, e
seus comandados não conseguiam acompanhá-lo para lutar a seu lado. Seu Omnigear
inspirava medo e mesmo os números superiores de seus inimigos pareciam hesitar
diante dele.
_ Acham que eu vou deixar que
termine assim? Não somos propriedade deles!
Fosse isso bravura ou fúria
irracional, no entanto, mesmo um Omnigear não bastaria para que escapassem
daquela vez, e era apenas questão de tempo antes que os valentes rebeldes
fossem subjugados diante das forças solarianas, cujos Gears automáticos
continuavam a chegar em onda após onda, pouco importando quantos fossem
derrotados.
Então, todos no campo de batalha
puderam ouvir o som de jatos sobre si, e explosões cadenciadas aumentando em
freqüência. Voltando seus olhos para o alto, os guerreiros viram a nau capitânia
das forças rebeldes seguindo a plenos motores rumo ao vaso de guerra solariano.
Os sons de explosões vinham dos canhões de Solaris, voltando-se e tentando
impedir o avanço da nave, sem sucesso até então. Seus escudos estavam começando
a ceder, no entanto, e alguém gritou de repente que era Sophia quem estava a
bordo.
_ Sophia!! – gritou Krelian pelo
comunicador – O que está fazendo?!
_ Estou pondo um fim nisso tudo –
ela respondeu, sozinha na ponte de comando. Os painéis do computador gerador
dos escudos começavam a faiscar e sua nave estremecia cada vez mais sob o peso
da artilharia inimiga, mas ela seguiu adiante – Você não vai mais precisar
lutar... Por isso, Krelian... Por favor, abra seu punho... e com sua mão
aberta, ampare gentilmente às pessoas que continuarão a viver.
A nau capitânia continuou em seu
curso, e a arma principal do vaso de guerra de Solaris girou e travou seu alvo,
cerrando fogo contra a proa. No interior da ponte de comando, vários painéis e
computadores explodiram, focos de incêndio se formaram por toda a volta e Sophia
ouviu a voz de Lacan:
_ Não seja tola! Nós vamos
ajudá-la a escapar! Pare, por favor...!
_ Obrigada, Lacan... – ela
estremeceu, enquanto mantinha o leme firme como podia – mas... Sinto muito...
Não há outra maneira...
_ Elly!
Cada canhão ainda funcionando a bordo do vaso
de guerra solariano voltou-se para a nau capitânia inimiga que se aproximava.
As asas e a fuselagem da belonave incendiaram-se mediante a artilharia, seus
escudos começaram a ceder um após o outro, e ainda assim seu curso não se
alterou. Uma das vigas de apoio do teto da cabine de comando cedeu e caiu
próxima a Sophia e ela começou a tossir por causa da fumaça dos inúmeros focos
de incêndio, mas manteve o curso firme e continuou a falar:
_ As pessoas apoiam umas às
outras para viver... Isso é o que nos traz felicidade. Então, partilhe essa
felicidade, por favor...
A colisão era inevitável, e a nau
capitânia tornou-se numa flecha de fogo. Sentindo tudo à sua volta sacudir e
aquecer-se, Sophia gritou:
_ Lacan! Viva!
A nau capitânia das forças
rebeldes mergulhou na arma principal do vaso de guerra como uma flecha e ambas
as belonaves desapareceram numa imensa bola de fogo luminosa, e a última coisa
que se ouviu pelo comunicador da ponte de comando antes que também ele fosse
destruído foi o grito de desespero de Lacan.
_ Ell~~y!!
Depois...
Havia o quadro. Ainda havia o
quadro. Ele precisava de acabamento. Era apenas o que restava dela. Era só o
que ele podia fazer por ela. Tudo de que era capaz.
Gostaria de continuar
pintando... Por mais um minuto, um segundo a mais que fosse... Ela continuava
ali. Ao menos naquela sala. Ela ainda estava ali...
Tinham sobrevivido. Contra todas as probabilidades e
expectativas, tinham sobrevivido à batalha. Com a queda do vaso de guerra e o
caos resultante, Roni pudera liderar uma retirada por meio do caminho já aberto
por Krelian e através dos Gears automáticos de Solaris, inertes com a queda de
sua central de comando. Olhando ao redor, Lacan viu Roni, exausto, ferido e
incomumente triste, mas vivo. Rene, seu irmão, a jovem Zephyr e outros a quem
ele conhecia também estavam ali. Mas muitos outros conhecidos... Não estavam
mais lá. E entre eles...
Elly...
_ Fomos sacrificados... Como
peões.
Krelian também sobrevivera. Ele
estava de pé, sobre uma pequena elevação do deserto, voltado para o poente e de
costas para todos, falando para si mesmo, embora alto o bastante para que todos
o ouvissem.
_ A fim de proteger a própria
autoridade, eles... Sophia foi...
Apertando os punhos em frustração,
Krelian baixou os olhos e sua voz cresceu em meio à indignação.
_ Esse é o mundo ideal
pelo qual estivemos procurando? O que estivemos fazendo? Seguindo rumo aos
ideais de Sophia? É essa a nossa salvação? Isso não é justo... Sophia
foi sacrificada por aqueles bastardos...!
_ Sophia dizia, se você ao menos
tiver fé o caminho pelo qual espera vai se abrir. Mas olhe para a realidade!
Deus não respondeu às nossas preces. É porque nós não tínhamos fé? Mesmo que
não tivéssemos, Sophia tinha! Por que ela teve que ser sacrificada? Deus está
morto...? Ele apenas não está lá...? Talvez deus nem sequer existisse, desde o
início!
“Fé em deus...”
Krelian lembrou-se de algo, vendo
nitidamente com os olhos de sua mente. Estavam reunidos na nave central da
catedral de Nisan, onde Sophia estava dando um dos sermões...
“Não procurem por ela em seu
exterior... pois é algo que se deve construir no interior de si mesmo”
Parecera tão impressionante na
atmosfera da catedral...! Mas agora Krelian acreditava ter compreendido, enfim.
_ Ha, ha, ha ha... Entendo... É
isso... Se deus não existe em nosso mundo, então... Eu vou criar deus com
minhas próprias mãos!
_ Krelian... – murmurou Lacan.
_ Sophia... Por favor me guie –
Krelian sussurrou aos ventos, de modo que ninguém o ouvisse – Eu destruirei
todas essas falsas pretensões de amor, por você...
E Krelian então desapareceu, para
não tornar a ser visto por qualquer de seus companheiros por muito tempo. Em
dúvida, todos começaram a se entreolhar, perguntando-se a mesma coisa. O que
seria de sua rebelião dali em diante?
_ Precisamos reunir todos os
nossos companheiros sobreviventes – Roni pronunciou-se, atraindo a atenção de
todos à sua volta – Nunca os venceremos se os enfrentarmos individualmente...
Assim, vamos criar um país que possa, algum dia, erguer-se contra eles.
Várias pessoas na multidão
concordaram silenciosamente, algo da antiga determinação recuperada. Não podiam
permitir que a morte de Sophia fosse em vão, e seguiriam Roni. E ele voltou-se
para alguém que não se pronunciara.
_ E você, o que vai fazer,
Lacan...?
_ Eu...
Precisava continuar pintando. Enquanto aquele
quadro não estivesse pronto, ao menos. Ainda havia retoques, não podia deixar
daquela maneira. Ao menos ali dentro... Ele podia sentir o olhar dela, seu
sorriso... Ainda estavam ali...!
Mas a cadeira, onde ela antes
posava para o retrato, estava vazia. Sempre ficaria assim, dali em diante. Não
pudera proteger, não tivera forças para isso. Elly...!
Lacan não sabia muito bem como fora parar ali.
Quando dera por si, não estava mais em Nisan. Aquilo era um bloco de celas, um
lugar que conhecia. Estava na Ala Prisional de Shevat, diante de uma cela
trancada... E havia alguém lá dentro. Em sua mente confusa, ele pareceu ver um
rosto sereno de longos cabelos castanho-claros, sorrindo para ele...
_ ... Elly!?
Por um longo momento, realmente
parecera um milagre. A figura feminina, silenciosa e sorridente, parecia ser
Elly. Mas a ilusão se desfez quando Lacan olhou melhor e viu-se diante de uma
jovem de rosto desconhecido, cabelos curtos cor índigo e... Aquele sorriso... O
sorriso de Elly não era frio como aquele. Mas foi com voz serena e compreensiva
que ela enfim falou:
_ Se ao menos você tivesse
poder... Poderia tê-la salvo.
Caído de joelhos diante da jaula,
Lacan baixou os olhos. Era como se ela pudesse ler sua mente, como se estivesse
ciente do pensamento que o torturara desde a explosão que abrira a rota da
retirada, em troca da vida de Elly. Se o tivesse...! Se não fosse tão fraco...!
O vulto de Elly novamente
sobrepôs-se ao da prisioneira, agora parecendo entristecido e sacudindo a
cabeça em negativa, enquanto a outra continuou a falar:
_ Você o quer, não? Poder sem
rival...!
Os olhos dela cintilaram e a
figura de Elly desapareceu. Tudo o que Lacan podia ver, ouvir e perceber agora
era a prisioneira, falando com sua voz baixa e sedutora:
_ Não quer se tornar... o ser
absoluto...?!
A resposta de Lacan fora agir ao
invés de falar. Estava caminhando sozinho, através de uma forte nevasca,
cruzando uma vastidão glacial. Não tinha noção de quanto caminhara, ou por
quanto tempo. Seus dedos das mãos estavam dormentes, bem como suas pernas.
Afundava na neve até os joelhos a cada passo, mas não sentia mais cansaço. Não
agora, diante do pilar de luz colossal que parecia erguer-se à distância.
Lá... É aquilo que eu tenho buscado...
A luz parecia crescer e intensificar-se enquanto ele
se aproximava. O Poder...! Assim que pudesse alcançá-lo...!
Mas espere! Não é isso o que
eu quero! Não! Isso é o meu próprio desejo!
A luz pareceu intensificar-se ainda mais, refletida
na brancura da neve por toda a volta e na nevasca cruel que soprava e assobiava
no vento. E contra toda a dormência em seu corpo, ele ouviu a voz dela uma
última vez...
... Viva!
_ Então, é aqui que Fei está sendo mantido? Ele
merece!
O pequeno Dan entrou a passos
largos no sombrio bloco de celas de Shevat, ignorando a atmosfera depressiva do
lugar. Seu rosto estava sério e zangado demais para uma criança tão pequena.
_ Deixem eu rezar diante da cara
chorona dele como se fosse um ídolo! Heh heh... Até parece!
Fei não estava em cela alguma que
ele pudesse ver. Uma jaula após a outra... Não estava tão escuro que ele não
pudesse, ao menos, ver a silhueta do prisioneiro, não? E então, reparou no que
parecia ser um bloco de concreto da altura de um homem, mantido nos fundos da
prisão.
_ Yech...! O... O que é isso...?!
Dan emudeceu ao reconhecer o
semblante adormecido de Fei à meia-luz, e ele sentiu algo frio em seu interior.
Aprisionar Fei pelo que fizera parecera a ele muito bem feito até então, mas...
Aquilo mais parecia que o tinham enterrado vivo.
_ ... Isso é terrível... – ele
sacudiu a cabeça, recuando um passo e sem conseguir tirar os olhos de Fei – Não
interessa o que ele tenha feito, isso é ir longe demais...
Tal visão trazia uma sensação
incômoda de desespero, apesar de Fei parecer apenas estar serenamente
adormecido. Adormecido, ou...?!
_ Ele ainda tá... vivo...? Como
poderia?! Vocês... São humanos também, não são?! Droga...!
Ele não conseguia compreender
como o povo de Shevat, que o acolhera e cuidara dos sobreviventes de Lahan,
podia cometer tamanha atrocidade. Ele queria que Fei fosse punido antes, mas
não daquela maneira...!
_ Fei... Ah, Fei...?!
_ Chorando...
Dan sobressaltou-se, voltando-se
assustado para a porta. Midori Uzuki viera atrás dele à sua maneira quieta de
sempre, e ele suspirou de alívio ao reconhecê-la.
_ Midori, é você... Ufa... Não me
assuste desse jeito! E, chorando...? Quem está chorando?
A menina olhava em silêncio para
o bloco de carbonita, e então Dan compreendeu.
_ Está dizendo que nosso amigo
Fei está chorando?
_ Zangado... Ferido... – Midori
murmurou, sempre olhando para o rosto adormecido de Fei – Ele vai despertar
logo... Está chamando por ele...
_ Do que você tá falando?!
A princípio, Dan não percebeu
nada. O bloco de carbonita começara a vibrar e aquecer-se do nada, tremores
pequenos demais para que ele visse. Do nada, uma luz intensa emanou do corpo de
Fei e um pulsar cada vez mais alto se fazia ouvir apenas para ele, e Dan
percebeu enfim que algo estava errado.
_ Whoa...! O que...?!
A luz intensificou-se mais, o
bloco de carbonita começou a estremecer incontrolavelmente, e as duas crianças
pareceram ouvir os pensamentos de Fei.
Gah! Argh! P-pare... Pare...
com isso!!
_ Fei?
D a n...
Mi do
ri... C... Corram... V-vão em
bo ra...!!
As crianças foram ao chão, Dan
jogando-se sobre Midori para protegê-la enquanto a luz explodia para além do
bloco de carbonita e das paredes do bloco de celas de Shevat.
<Citan>
Ele rompeu sua prisão de carbonita...
‘Id’... Fei tomou seu Gear,
Weltall,
e partiu em busca de Zohar.
Seguimos a trilha de Fei.
Eventualmente, nós chegamos ao
local
Onde Zohar tinha caído na
terra...
Há tanto tempo atrás...
Nada poderia ter nos preparado
para o que estávamos prestes a ver lá...
MAS
APENAS VOCÊ E EU
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