sábado, 3 de dezembro de 2016

Capítulo Cinquenta e Três

Capítulo 53 – Comiseração



O Ministério Gazel esperara por séculos para concretizar seus objetivos, urdindo impacientemente seus planos a longo prazo nos bastidores da história, e tinham sacrificado até mesmo sua própria humanidade para tal. Era compreensível, então, que sentissem júbilo diante do fim da longa espera.
_ O corpo de carne de deus foi recuperado...
_ O Anima e os Animus foram todos obtidos...
_ Tudo o que resta a fazer é nos transformar nos Animus, e nos tornarmos um com a Mãe – Persona – ...
_ ... Isso está incorreto.
A atenção de todos voltou-se para Krelian, chegado num momento que nenhum deles saberia precisar. E o que dissera causou consternação entre eles.
_ O que?
_ O que quer dizer, Krelian? O que acabou de dizer?
Krelian meramente sorriu, acenando na direção do SOL-900. Em resposta, informações codificadas numa placa holográfica deslizaram serenamente para fora do computador, e o monitor com o rosto de um dos Ministros foi desligado sem aviso.
_ O que está fazendo?! Krelian, você ficou totalmente insano?!
_ O que está fazendo aos bancos de memória?! – gritou outro Ministro enquanto um segundo monitor era desativado e outra placa holográfica deslizava do computador.
_ Não toque neles! Não podemos sobreviver sem eles...!
_ Vocês eram os únicos que poderiam ativar a chave... – Krelian gesticulou, fazendo desaparecer mais dos rostos antigos – Mas agora que ela foi ativada, eu não preciso mais de vocês. Estou providenciando para que sejam todos apagados.
_ Como ousa!
Os monitores remanescentes mostravam os Gazel procurando em vão por uma saída que já sabiam não existir, alarmados pela primeira vez em quinhentos anos. Indiferente à comoção que causava, Krelian prosseguiu desativando bancos de memória e dizendo:
_ O único obstáculo que havia entre eu e meus objetivos era Cain. Ele era aquele que detinha controle total das pessoas e assim, era meu maior nêmesis. Mas a única pessoa que poderia exterminar Cain era o próprio Cain. Foi por isso que eu criei uma... ‘cópia de Cain’. Ramsus agiu exatamente como eu previ... matando Cain. Agora não existe ninguém que possa deter a ‘mim’. E não estou interessado em seu poder ou autoridade.
Novas placas holográficas desligaram-se do SOL-9000, os monitores inativos parecendo janelas fechadas mediante o rosto inexpressivo do cientista de cabelos brancos, que prosseguiu com desprezo:
_ Vocês realmente pensaram que esavam agindo por sua própria vontade? São todos apenas peças do sistema. Criados apenas como armas de invasão e opressão... Vocês são apenas armas de interface terminal.
_ Nós... podemos... – o giro orbital do computador esférico pareceu ficar mais lento, mas os Gazel restantes ainda tentavam argumentar – nos tornar... deus...! E você... está...
_ Deus? – Krelian gesticulou para direita – Quem disse que vocês se tornariam deus? Que impertinência! Nós somos ‘humanos’. Fomos criados para ser interfaces terminais de deus. O mesmo vale para vocês, que um dia foram humanos. ‘O homem não pode se tornar deus’... Podemos apenas confiar nós mesmos a deus.
_ Ri... dículo... Indo con... tra a... Mãe...
_ Eu não fui contra ela – outra placa desligou-se do computador, e agora apenas dois monitores continuavam ativos – Esta é a vontade da ‘outra Mãe’.
_ Acha que... pode nos... e... liminar... e ainda ass... im revi... ver deus...?
_ Pode ser feito – Krelian deteve-se por um momento, encarando o monitor ativo diante de si – Seus genes foram espalhados a fim de manter o mundo vivo depois da ‘Queda’ dos dias de destruição. Aqueles genes hoje vivem dentro dos humanos. Os veículos – Anima – ... e os recipientes de seu alinhamento, os – Animus – ... e também a – Persona – ... Ao combiná-los com minhas nanomáquinas, humanos se tornarão seres vivos muito equivalentes a vocês. De fato, eles podem facilmente ultrapassá-los em muito quanto a se tornarem interfaces terminais dignas para deus. Assim, vocês não têm mais qualquer uso para mim. – Deus – , a manifestação física de deus, quer apenas resultados. Os meios são insignificantes para ele... Então, este é meu ‘Plano da Arca’, meu – Projeto Noah – !
_ K... re... li...
Não havia mais o que ser dito, mas era difícil para o Ministério aceitar em silêncio o que acontecia. Tempos antes, tinham se sujeitado a existir como dados no computador para preservar a si mesmos da destruição física e, sem mais nem menos, seriam extintos quando estavam à beira de atingir seu objetivo primal. Parecia injusto demais, mas não haveria escapatória daquele destino.
_ Que todas as suas preocupações cessem – Krelian ergueu sua mão uma última vez – Descansem em paz... ancestrais do homem mortal!
Um gesto displicente de sua mão, e o último monitor escureceu. O computador ainda funcionava e girava no ar, mas todas as suas ‘personalidades’ agora estavam desconectadas do corpo principal. Abaixo dele, na direção para onde Krelian olhava agora, a Chave Gaetia estava ativa e estranhos sinais num círculo desenhavam-se no piso sob sua plataforma. Saboreando o silêncio por um momento, ele murmurou:
_ Agora... Somos só você e eu... Sophia!


<Fei>


Eu estava indefeso...

Tudo o que pude fazer foi ficar de lado e observar enquanto eles levavam Elly para longe de mim...

Eu... estou indefeso...


Fei se afastara dos amigos e de qualquer outra pessoa, consumido pela frieza da realidade. Diante de Grahf e das forças reunidas por Krelian, ele fora derrotado. Sua força não fora suficiente para proteger os companheiros e cumprir a promessa feita a Elly de retornar em segurança. Pior ainda, ele fora a razão pela qual ela tivera que se sacrificar, surgindo diante das forças superiores do inimigo e sendo forçada a lutar contra eles. Mesmo a bordo do Omnigear que temia, mesmo sozinha, ela lutara... Fora ferida... Porque ele não fora capaz de protegê-la.

Você é fraco!

As palavras de Grahf nunca o haviam perturbado tanto, lançando a verdade terrível sobre ele repetidas vezes. Deveria ter morrido...
_ O que está fazendo aí?
Fei continuou sentado no chão, a cabeça entre as mãos, sem dar qualquer sinal de que tinha reconhecido a voz daquele que sempre parecia surgir do nada. Mas mesmo isso não tinha o poder de perturbá-lo naquele momento.
_ Ah, é você...
O Sábio continuou onde estava, esperando por uma resposta. Após um momento de silêncio, Fei murmurou:
_ Eu... Eu não fui capaz de vencer Grahf... Não tive qualquer chance contra ele – sacudiu a cabeça, desesperançado – Era óbvio desde o início. Era impossível tentar derrotar uma máquina monstro como aquela, para começar... E Elly... Por que ela foi tão tola?
Fei bateu os punhos contra o solo em frustração, continuando:
_ Eu disse a ela implicitamente para não vir... Eu falei pra ela fugir... Ela devia ter percebido que era uma armadilha.
_ Hmm... – o Sábio balançou a cabeça lentamente – Sim, você não será capaz de derrotá-lo desse jeito... Ao menos, não enquanto continuar a lutar com essa espécie de atitude.
Fei voltou a cabeça para encarar o outro. O Sábio caminhou até estar diante do rapaz e os olhos de sua máscara voltaram-se para ele.
_ A razão pela qual perdeu e pela qual aquela jovem dama foi levada foi o seu orgulho. Não estava dependendo um pouco além da conta do poder de sua máquina? ... E isso para não mencionar aquele novo ‘Poder Id’ que você agora é capaz de controlar!
Fei continuou a encarar o Sábio, sem compreender. Mas afinal, com o que mais ele poderia ter contado? Numa batalha de Gears, e contra o poder de Grahf...
_ Qual a fonte do poder de Grahf? – perguntou o Sábio – Sua máquina? Sua técnica? Sua experiência? Não, eu não acho... São os seus sentimentos. Seu coração, seus sentimentos, são dominados por seu ressentimento e seu ódio para com este mundo. Esse ódio é a sua fonte de poder. E os seus sentimentos, Fei, não estavam focalizados o bastante para enfrentar Grahf. Foi por isso que você não pôde vencer. Seus sentimentos devem estar no lugar certo. Isso é força.
“Não estou surpreso que tenha perdido – o Sábio prosseguiu, voltando as costas para Fei – visto que você não compreende o verdadeiro significado da força...”
_ Sábio...
Os dois fizeram silêncio por um momento, o Sábio deixando que Fei absorvesse algo do que lhe dissera antes de prosseguir:
_ Aquela jovem dama... A única coisa em seu coração era seu desejo de salvar a vocês todos. Ela pôs de lado seu medo e pilotou aquela máquina. Foi por ela possuir sentimentos tão fortes que todos vocês continuaram vivos.
“Isso é o que eu penso. Certamente, você foi derrotado. No entanto, isso não quer dizer que acabou – voltou-se para Fei – Como planeja responder aos sentimentos dela? Agora, é a sua vez de ir salvá-la... não?”
Fei não respondeu, mas não estava mais de cabeça baixa. Sua atenção parecia fixa diante de si, enquanto as palavras do Sábio surtiam o devido efeito. Fora vencido e teria que confrontar Grahf, Krelian e seus seguidores novamente, se pretendia resgatar Elly. Mas...
_ Bem – o Sábio questionou enquanto desaparecia como de costume – O que você vai fazer? ... Fei...
E Fei se pôs de pé lentamente, a cabeça erguida e os punhos fechados. Só havia uma coisa a ser feita.
_ Eu, errh... Eu vou...


<Fei>


A fim de salvar Elly, começamos a procurar desesperadamente por seu paradeiro...

E duas semanas mais tarde, nós a encontramos.
  


SOBRE A FACE DA LUA.

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