sábado, 23 de abril de 2016

Capítulo Trinta e Nove Ponto Dois

(...)

Weltall e Crescens se atacaram ao mesmo tempo, ambos atacando sem se proteger e sendo atingidos um pelo golpe do outro. O Gear de Fei girou e disparou os dois feixes de chi enquanto Crescens estendeu suas asas e, como dizia o nome, ondas de escuridão se projetaram contra Weltall.
Uma explosão violenta se deu em sequência ao estrondo do ataque simultâneo; Bart tinha acabado de avariar o selo de energia do gerador, e centelhas intensas partiam do núcleo danificado.
_ É isso aí, gente, esse lugar já era! – Bart bradou, voltando-se para os amigos – Agora, acho que é uma boa hora pra a gente... ah, não!
Weltall estava se levantando com dificuldades; no entanto, diante dele, Crescens estava fazendo a mesma coisa. Tanto Rico quanto Bart podiam ver que não escapara ilesa, ligeiramente curvada e com a asa direita pendendo para baixo, mas era óbvio aos dois que ela continuava disposta a lutar. O mesmo devia ter parecido para Fei, que começou a bater no painel de comando enquanto os braços de Weltall levavam um instante a mais para se colocarem em guarda.
Mas, embora Crescens continuasse apta a lutar, sua piloto não estava atacando, ao menos não naquele momento. Através dos comunicadores, ela quis ver quem fora capaz de atingí-la daquela forma. Seus pensamentos ainda agiam com a lógica fria de uma máquina, cumprindo a ordem que recebera de Krelian de eliminar aqueles que viriam para destruir o gerador de Portão. Era impossível que qualquer piloto humano lutasse em igualdade de condições com ela, tivesse um Omnigear ou não. E ela pretendia analisar aquela impossibilidade que enfrentava.
_ Ah...!
 Lembranças de um tempo antigo pulsaram na mente da colônia de nanomáquinas assim que viu o rosto de Fei, e ela ficou confusa enquanto pensamentos próprios entraram em conflito com as ordens que recebera. O rosto do homem de cabelos castanhos presos num rabo de cavalo não era desconhecido para ela, e nem era o de um inimigo. Apenas parecia mais jovem do que devia ser, mas ela estava certa de que era a mesma pessoa.
_ Ki....m... ? – Emeralda perguntou olhando para Fei com olhos admirados, como alguém que encontra algo perdido há muito tempo – Ah, ah-a-a, eu...
_ ... Será que só eu percebi que essa caverna vai cair? – Rico perguntou aborrecido, ainda sem conseguir acreditar no que acontecera. Seu Gear, derrotado por aquela garotinha! E Rattan, sempre alheio ao conflito, pareceu ver o que esperara o tempo todo.
_ ... Entendo... Descuidada... E agora isso... Deveria ver isso como uma liberação de... memória, ou talvez uma gravação. Aconteceu exatamente como Krelian disse. É uma manifestação da impressão. Seja como for, foi provado. Com isso, se me dão licença...
E o Gear imenso, ou o próprio Rattan, saltou e ergueu-se aos ares, mantendo-se no ar sobre eles por um instante, dirigindo-se a Fei.
_ Eu devo relatar os resultados. Ah, sim, e fique à vontade para levar a menina. Use-a como quer que lhe convenha. Afinal de contas, ela é a sua ‘filha’...
_ Ah, a aha-a-a-a-a!!
_ ... Filha...?
Crescens ficara parada, voltada para o gerador de Portão, cada vez mais brilhante. Andvari e Stier se retiraram para a mesma comporta por onde tinham vindo, e foi de lá que Bart voltou-se e gritou:
_ Fei, anda logo! Esse negócio vai explodir, cara!
A voz do amigo chegou até ele como algo distante, enquanto Fei teve novamente uma sensação familiar. Parecia estar dentro de uma câmara isolada, não sabia onde, e havia uma porta selada à sua frente. Através do vidro reforçado ele via tropas pesadamente armadas entrando, e abrindo fogo. Inútil; não tinham como passar pelas portas com rifles. No entanto, a pessoa do outro lado das portas... Uma pessoa que ele parecia reconhecer...
Não... Outra vez...
Ele não saberia dizer depois o que o fizera agir daquela forma; naquele momento, no entanto, ele sentiu um temor profundo ao pensar que aquela caverna ia explodir e Emeralda estaria lá dentro. Iria perdê-la de novo, e para sempre...!
Andvari ainda estava na porta quando Weltall tomou Crescens nos braços e então saiu, as primeiras explosões já demolindo a caverna, e Bart perguntou:
_ Escuta Fei...
_ Agora não! Pra fora!
No oceano, um brilho intenso foi seguido por um estrondo violento que lançou ondas em todas as direções, e uma breve, mas poderosa, descarga de energia se libertou das águas enquanto a Yggdrasil III se afastava pelos ares.
Mais tarde, na sala de recreação, uma máquina semelhante a uma menininha de cabelos verdes e roupas vermelhas saltava com o entusiasmo das crianças diante de Fei, repetindo o mesmo nome inúmeras vezes:
_ Kim! Kim! Kim! Kim! Kim!...
Bart, Elly, Citan, Rico e todos os outros estavam ali, mas era Fei quem parecia mais confuso. Ao mesmo tempo tinha uma sensação muito boa ao ver a menininha pulando diante de si, e não conseguia entender o que estava acontecendo.
_ Bom... Vamos ver... O que isso está dizendo, afinal?
_ ... Fei...?
Ele voltou-se. Elly estava chegando mais perto, insegura, e de algum modo ele sabia que ela também devia estar se sentindo como ele. Não havia como explicar aquilo, mas uma sensação de familiaridade enorme vinha da colônia de nanomáquinas que parecia ser uma menininha... e a impressão parecia ficar ainda mais nítida perto de Elly.
_ ... Você não acha... – ela voltou-se para a menina – Ele parece alguém que você conhece?
_ O que você quer dizer com ‘parecer’? – a menina perguntou – Kim é Kim!
_ Kim? A pessoa que se parece com Fei, certo? Quem é ele? É a pessoa que te criou?
_ O que você quer dizer com ‘me criar’? – a menina parecia não entender – Kim é Kim! Você não tá vendo?
E abraçou Fei entusiasticamente, voltando a repetir o mesmo nome.
_ Kim! Kim! Kim! Kim! Kim! Você está mesmo aqui! Eu achei que estava sonhando. A pessoa do meu sonho. É, Kim! Eu estava sonhando! Um sonho muito, muito longo.
_ ... Parece que você lembra ele – Elly comentou, vendo o rosto confuso de Fei enquanto ele dava tapinhas na cabeça da menina e olhava para eles como que perguntando o que fazer – Alguém que é importante para ela... Provavelmente a pessoa que a criou.
_ Hã...? E-ei, você – e fez a criança olhar diretamente para ele – Meu nome é Fei. Não Kim.
A menina olhou fixamente para Fei por um momento, piscou como que assimilando a nova informação e então concordou com a cabeça, tornando a sorrir.
_ Agora eu sei, Fei é Kim! Escuta, escuta, eu estava sonhando! Um sonho muito, muito longo!
Fei colocou as mãos na cabeça. Isso levaria algum tempo...! Mas concordou com a cabeça.
_ ... Tá, Kim está bem...
_ Para ela, ‘Kim’ é mais do que apenas um nome – Citan ponderou, observando a atitude da menininha – É mais como... ‘pai’.
_ ... Pai?...
_ Não, não – Citan riu da expressão de susto do rapaz – Eu quero dizer, num sentido geral.
_ Escuta, escuta Kim! – a criança puxou o braço de Fei novamente, chamando sua atenção – Eu estava sonhando sobre tempos antigos de verdade. Kim era muito mais velho, e eu estava em algum tubo claro... Kim estava... colocando um monte de velas num tecido branco macio... Eu não sabia por que ele estava fazendo aquilo... Mas eu sentia que ele estava ansioso pra me ver sair do tubo. Mas...
Ela baixou a cabeça, sacudindo os cabelos longos em negativa, e todos voltaram sua atenção para o tom entristecido de sua voz.
_ ... Mas... Logo depois... Todo mundo tinha ido embora... Meu corpo desapareceu... Aí, eu fiquei em algum lugar escuro por um tempo muito... muito longo...
Fei não estivera presente durante o primeiro contato com a pequena colônia de nanomáquinas durante a exploração da caverna Zeboim, ainda de cama depois da luta submarina com Ramsus. Mas, de algum modo, ele quase podia ver a câmara de que ela estava falando, e sentiu muita pena quando a menininha voltou os olhos com um apelo para ele.
_ Por favor! Promete que você vai ficar, Fei que é Kim?!
_ Hã...? Ah, claro.
_ Mesmo? Mesmo, de verdade?
_ Mesmo – Elly sorriu para a menina, também entendendo do que ela falava. E, para surpresa geral, a pequena encarou Elly, emburrou e retrucou:
_ Não me amola! Quem é essa tia? Eu estou falando com Kim!
_ Tia...! – Elly cerrou a mão num punho, olhando feio para a menina – Acho que eu devia enterrar ela no fundo do oceano de novo...!
_ Ei...
_ Por que você não fica sendo o Kim dela? – Elly estalou, à tentativa de Fei de interromper – O Fei... Kim!!
E deu-lhe as costas, cruzando os braços e ficando quieta. Após um instante de silêncio desconfortável, Fei passou a mão pelos cabelos e perguntou:
_ Hã... A propósito, você tem um nome?
_ Ah, não! – a menininha pareceu desapontada – Você é cruel, Fei que é Kim! Sou eu, Emeralda, Emeralda! Kim me deu esse nome porque eu tenho cabelo cor de esmeralda! Você não lembra...?
­_ Ah, claro, tudo bem – Fei ajoelhou-se de novo, para poder olhar de frente para a menina, e sorriu – Emeralda, certo? Tudo bem, Emeralda. Vou ficar com você dessa vez. Eu prometo!
_ Mesmo? Mesmo de verdade? Viva!
Emeralda tornou a abraçar Fei, que tornou a afagar os cabelos dela e tornou a olhar para Elly, que continuava de costas para eles e de cara amarrada, enquanto os outros tornavam a rir da cena. Mas Citan estava levando outras coisas em consideração.
_ ... Eu duvido que Krelian agisse por vontade própria quanto a usá-la como um soldado dispensável. Alguma informação existia no interior dela, que deve ter sido passada adiante. Quem sabe o que ele fará em seguida... Devemos encontrar Solaris antes que isso aconteça...
_ Com licença – a voz de um oficial de comunicações soou na sala de recreação – Isso acaba de chegar, uma mensagem de Shevat! Devido a um portão enfraquecido, uma cidade que pode ser Solaris foi descoberta!!
_ Perfeito! – Citan acenou, agradecido – Voltemos a Shevat por enquanto!
  


THE OLD ECHO FADES AWAY

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