domingo, 1 de novembro de 2015

Capítulo Vinte e Oito

Capítulo 28: No Fundo do Oceano


_ Thames à vista!
A Yggdrasil se aproximara da Thames. Chegando à alta velocidade, eles foram avisados pelo oficial do radar que o ataque fora retirado, a nave cidade aparentemente bem sucedida ao tentar fugir da perseguição. Citan subiu com Bart e Billy até a cabine de comando, o Elevador Espiral aparentemente ileso, e foram recepcionados com satisfação pelo Capitão.
_ Ah, são vocês! Bem-vindos a bordo de novo! É bom tornar a vê-los!
_ Viemos o mais depressa que pudemos – Citan desculpou-se – Temíamos não chegar a tempo, mas vocês parecem ter lidado bem com a situação.
_ Mas é claro que sim, porque... – e o Capitão ergueu a bengala, apontando-a para frente.
_ Nós somos! – voltou-se para a esquerda.
_ Homens! – voltou-se novamente.
_ Do mar!
Mas havia um pouco menos de entusiasmo na celebração desta vez. Após um instante mantendo a pose, o Capitão voltou-se para os amigos com ar abatido.
_ Normalmente, é isso o que eu diria. Mas temos pessoas gravemente feridas na ala médica, alguns feridos fatais inclusive. Resgatamos a todos os que pudemos dos outros navios, mas...
E o Capitão, com a ajuda de Hans, fez um breve resumo do acontecido, até o momento em que a ‘coisa peixe’ tomou outra direção.
_ Até onde pudemos ver – disse Hans, apontando para a janela da ponte de comando – aquela coisa partiu rumo ao norte. Há uma área de escavação do ‘Ethos’ naquele rumo, onde há rumores de que descobriram algo realmente antigo.
_ Citan, eu não pediria por vingança – o Capitão disse em tom solene – Mas se vocês pretendem mesmo enfrentar aquela coisa escura, aceitem o meu conselho e tomem muito cuidado. Só precisaram de um disparo para acabar com a nossa frota e danificar a Thames. Vamos levar dias pra consertar todo o estrago e perdemos gente muito boa. Não temos condição de enfrentar aquilo, mas vamos ajudar vocês com qualquer coisa de que precisem. Hans! Avise o pessoal da área de suprimentos para abrirem o depósito. Nossos convidados podem pegar o que precisarem de lá, com livre acesso. Isso vai em nome dos nossos colegas feridos. Só vou pedir uma coisa a vocês; depois que isso terminar, venham nos contar como aconteceu. Nosso pessoal precisa saber que não passou por tudo aquilo em vão.
Parecia estranho ver o Capitão falando daquela forma, mas era compreensível, principalmente para Bart. Ele sabia bem o que era ter a responsabilidade por toda uma tripulação, e prometeu silenciosamente vingar o que a Thames tinha sofrido. Devia aquilo ao Capitão, e aos outros também.
Em algum ponto do oceano, um imponente Gear de bronze estava em modo de espera, de braços cruzados e ereto. Seus sistemas de auto-reparo há muito haviam sanado os problemas causados depois de sua última batalha, e seu mestre lutava para conter as poderosas forças em seu interior. Adquirir mais aquele poder valera a pena, mas por vezes o incomodava, e não tinha como evitar, levando em conta o que sentira. Era ‘ele’...!
Seus comunicadores receberam uma mensagem inesperada, e o rosto familiar de Miang formou-se em seu monitor principal.
_ ... Você notou? O Gear dele está tornando a despertar. Em breve, ele próprio também vai despertar.
Grahf não tinha nada a dizer. Claro que sabia disso. O que o intrigava era qual o interesse de Miang na questão. E a imediato de Ramsus logo esclareceu:
_ Os amigos dele estão indo para Zeboim. Já esteve selada há 4000 anos. Você sabe o que há lá melhor do que eu. Ele provavelmente não entregará nada a ninguém. Mas é algo de que nós dois precisamos. Sabe o que quero dizer?
Claro que ele sabia. Não era preciso dizer coisa alguma. Não obedeceria a ordens da mulher de cabelos púrpura, mas seus interesses também estavam em jogo. Não podia ficar parado.
_ ... Então, por favor.
O rosto de Miang desapareceu do monitor. E o Gear de bronze lentamente começou a erguer-se.
A Yggdrasil, devidamente abastecida, rumou na direção indicada pela tripulação da Thames, e não tardou para que encontrassem a área secreta de escavação do ‘Ethos’. Havia sinais de luta no exterior, o que os levou a supor que tropas de Solaris também tivessem atacado ali. Tudo estava silencioso, mas Citan e Billy tinham recentes demais as lembranças do acontecido no quartel-general do ‘Ethos’ para se arriscarem. Elly, no entanto, olhava para o elevador que conduziria ao interior da escavação com um ar indecifrável em seu rosto.
Estavam agora no elevador, e Billy estava pronto para sacar e atirar; até seria um alívio, depois da provação no ‘Ethos’, e de tudo o que Stone dissera. Mas ele ainda não entendia as motivações dos inimigos.
_ Citan, o que Solaris está tentando fazer? – ele perguntou quando o elevador terminou sua descida longa, diante da área de escavação. Mas mesmo o catedrático parecia em dúvida.
_ O exército principal de Solaris... Para quê... tudo isso...? Bem, vamos descer.
O trio seguiu em frente. Eles temiam o ataque de tropas de Solaris, ainda possíveis depois de dizimar os escavadores, ou mesmo monstros, freqüentes em áreas como aquela, mas a única coisa presente além deles era o silêncio, um tanto enervante. O grupo logo alcançou uma passarela de paredes de vidro. A iluminação artificial permitia uma ampla visão dos arredores, e era impressionante; estavam numa das áreas mais elevadas de uma vastíssima caverna, numa torre de saída. Lá embaixo, até onde a vista podia alcançar, prédios e ruas de uma cidade antiga espalhavam-se por toda a volta num cenário surpreendente.
_ Isso são... ruínas de uma cidade...! – murmurou Billy – Eu já tinha ouvido falar nela, mas...
_ Eu sei, eu a conheço bem... – Elly murmurou, caminhando para frente com um olhar vago e uma voz distante, sem parecer ela mesma – Sim... A cidade na caverna, Zeboim... Quando estávamos enterrados naquele vasto mausoléu...
_ Elly! Elly! – Citan estava alarmado, sacudindo a moça pelos ombros – O que foi!!?
A princípio, Elly apenas manteve o mesmo ar distante e entristecido, mas logo pareceu despertar, confusa, olhando ao redor como se não soubesse onde estava.
_ Hã...? O quê...? Eu por acaso...?
_ Não... – Citan estava cheio de alívio, e confuso. Aquilo não devia ser nenhuma seqüela da hipnose anterior, e isso era motivo de alívio. Mas, a forma como ela falara... – Vamos, é melhor seguirmos em frente.
O caminho conduzia sempre para baixo. Elly, Citan e Billy repararam, olhava para as ruínas por toda a volta com uma expressão estranha. Eles também estavam surpresos; mais de quatro mil anos não haviam bastado para deteriorar as paredes de metal em sua maioria, embora os sinais claros de abandono estivessem por toda a parte: teias de aranha, mofo e muita poeira. Mas o olhar de Elly parecia reconhecer as ruínas de alguma forma.
_ Um equipamento tão fantástico de isolamento numa instalação – comentou Billy, olhando em volta num corredor – Será que era um hospital? Mas, a cidade lá fora tampouco parece tão poluída...
_ Um equipamento de trancas de ar e saneamento muito severo – concordou Citan – No entanto, não parece operacional... O interior tão bem preservado, o exterior provavelmente também está...
_ Ah...!
Elly entrou na sala seguinte obrigando seus companheiros a voltarem até onde ela estava, olhando em volta com ar de assombro e reconhecimento para painéis computadorizados e uma janela opaca, o que novamente chamou a atenção de Citan.
_ Elly... Você se lembra de já ter visto isso?
_ S-sim... Eu me pergunto por quê..? – ela olhou em volta com uma expressão de pesar – É terrivelmente solitário... e familiar.
O computador da sala ainda estava operacional, e acusava uma emergência de nível cinco, o que mantinha o reator central isolado, bem como todos os acessos ao banco de dados do laboratório principal. Embora o trio persistisse na busca, no entanto, não pareciam estar fazendo mais do que andar em círculos.
_ Que prédio inconveniente... – queixou-se Billy – É como se estivesse recusando forasteiros.
_ ... Labirintos geralmente não são construídos para proteger contra inimigos... – ponderou Citan – Geralmente, são feitos para trancar algo em seu interior.
_ Não para manter algo para fora, mas para manter algo dentro... – Billy raciocinou – Me pergunto o que seria este ‘algo’?
Procurando mais adiante, eles finalmente descobriram o motivo para as portas seladas. Após uma fileira de escadas, uma voz eletrônica barrou seu acesso a uma das portas, anunciando:
_ Área isolada. O botão de emergência dentro do reator foi ativado há 34999999 horas atrás. A partir deste ponto, há o risco de nanocontaminação. Quando penetrar na sala, por favor execute uma análise manual e confirme a segurança. Depois da confirmação, por favor, reinicie o nível de emergência no terminal mais próximo. Efetuar análise?
Citan operou o painel da porta, e o trio foi analisado pelo leitor ótico da porta, que logo registrou não haver nanocontaminação. No entanto, antes de entrar na sala, eles tiveram que recuar até o terminal mais próximo para reiniciar o nível de emergência. Ao penetrarem pela porta selada, tiveram que aguardar enquanto os sistemas reduziam a pressão do ar sensivelmente, e Citan não deixou de se admirar:
_ Este nível está completamente ativo, mesmo depois de tanto tempo...!
Elly subitamente passou por eles, Billy e Citan olhando sem entender enquanto a moça entrava num corredor de luzes vermelhas, selado por portas de vidro verde. Sua expressão era de dor e ela estava de mãos juntas, enquanto murmurava de maneira quase inaudível:
_ ... Sangue... Coberta de sangue... Meu... sangue... Não havia dor alguma... Apenas... frio... e tristeza...
_ Elly...!
_ Ela esteve aqui, completamente sozinha, durante este tempo todo... – Elly parecia alheia a tudo, saindo pelo corredor atrás dos dois como se eles nem estivessem ali. E Citan olhou em volta, analisando.
_ Sangue...? – examinou o metal próximo à porta mais detidamente, encontrando pequenas marcas nas paredes, e manchas escuras – Certamente está coberto de sangue... E isto... Calor excruciante... Não, talvez seja radiação? Talvez seja um sistema de desinfecção de emergência... Estas marcas são evidência de que ele foi usado...
Um som de máquinas se fez ouvir nos fundos, e Billy e Citan voltaram–se surpresos. Numa sala ao lado, Elly estava operando os painéis antigos com segurança, como algo que ela sempre fizera, e enquanto as telas enchiam-se de palavras e sinais tão antigos que não fariam sentido para qualquer pessoa viva, Elly uniu as mãos novamente e disse baixinho:
_ Ó veículo para uma nova alma! Que o espírito que habita em ti encontre a paz.
Foi de cabeça baixa diante dos monitores, ainda mostrando vários programas em execução, que Citan encontrou a moça, e advertiu:
_ Elly, não! Não sabemos o que poderia acontecer!
Elly voltou-se com ar triste para Citan, e ele sem entender por que sentiu pena. Acompanhada de um temor desconhecido.
_ Citan... Quem... sou eu...? O que estou fazendo? O que estou dizendo...?
Não havia resposta que o catedrático pudesse oferecer, uma vez que ele incomumente não tinha a menor idéia do que estava havendo. Nada parecia poder explicar a familiaridade de Elly com aquelas ruínas antigas. E Billy, ainda no corredor de portas seladas, voltou-se ao ver um cilindro repleto de um líquido esverdeado erguer-se no meio da sala, e bolhas erguendo-se em seu interior. Aos poucos, enquanto a espuma formada se alternava com o líquido, o corpo de uma menininha de, no máximo, nove anos de idade se fez presente, seus cabelos verdes flutuando no interior do cilindro. O trio espalhou-se ao redor do cilindro, e Billy indagou:
_ Citan... Essa menina...? Como ela subitamente mudou para a forma humana?
_ Esta menina parece ser uma forma de vida artificial criada dentro do reator – Citan respondeu, olhando pensativamente para a criança flutuando no cilindro – Ela provavelmente foi montada no reator usando-se aquela série no banco de dados da sala de controle. Provavelmente, o corpo dela foi...
_ ... construído de máquinas autônomas numa escala molecular – completou uma voz no corredor, fazendo-os voltarem-se – Em outras palavras, uma colônia de nanomáquinas.
Stone entrou na sala seguido de oito dos assassinos vestidos de clérigos que antes tinham sido vistos no ‘Ethos’, e mais duas garotas em uniformes de Solaris que se detiveram na porta. Sem qualquer cerimônia, o bispo disse:
_ Vou levar essa colônia de nanomáquinas comigo, obrigado. Essa é a existência, ou o fator chave, com o qual Deus vai nos guiar para libertar a humanidade de seu jugo. Então, se não se importam...
Alguns dos solarianos vestidos de clérigos foram aos painéis e fizeram com que o cilindro se suspendesse, o líquido se desfazendo numa névoa branca suave enquanto a menina parecia aguardar pelo que seria decidido com um olhar sem expressão. E Billy tocou nervosamente suas pistolas.
_ Bispo...
_ Ah, Irmão Billy, está aqui também. Isso torna as coisas mais simples. Eu sei que vai entender... Esta colônia de nanomáquinas precisa estar nas mãos de uma pessoa honrada. Está destinada a ser a ‘salvação da humanidade’.
_ Uma pessoa honrada? – Billy indagou friamente – Eu certamente não acredito mais que você seja honrado. Eliminar o ‘Ethos’ e qualquer humano da superfície que não concorde com a sua vontade...
_ Qual o problema em eliminar aquelas pessoas que não sejam adequadas para a ‘salvação’? Se, nossa própria fé não é baseada no preceito de que ‘apenas os escolhidos serão salvos’?
_ ... Há algo muito errado com isso – replicou Billy – Salvação pela fé é algo que todos deveriam ter uma oportunidade igual de alcançar.
_ Está dizendo que pode salvar toda a humanidade? Se Krelian usar a colônia de nanomáquinas, ao menos podemos salvar alguns poucos escolhidos. Mas vocês não entendem como utilizar isto. Não podem salvar ninguém. Pretende assumir a responsabilidade pela perda que vai causar à humanidade?
Billy não sabia o que dizer. Havia algum fundamento no que Stone dizia, talvez, mas ele sentia em seu coração que aquilo estava errado. Não podiam perder a humanidade inteira, mas tampouco podiam condenar os ‘não-escolhidos’. E o método de seleção do bispo, dado o que ocorrera no ‘Ethos’, não parecia muito correto. E Stone prosseguiu:
_ Meu trabalho agora é levar esta colônia de nanomáquinas para Krelian. Perceba, diferente do ‘Ethos’, nosso objetivo não são as armas antigas que jazem nas ruínas da cidade. Eu não penso que estejamos em conflito com seus interesses.
_ Não! – Elly se opôs – Não podemos permitir que eles levem essa criança!
_ Salvação ou não – Billy apontou uma pistola para um dos clérigos, fazendo-o deter-se – O que estão planejando fazer com essa menina?! Tudo o que sei é que seus feitos não são honrados. Bispo... Lamento dizer isso, mas... Não posso ser parte do que você tem intenção de fazer.
_ Vejo que não pude fazê-lo entender... – Stone comentou, um cintilar estranho nas lentes de seus óculos – Então, não pode ser evitado... Não tenho o tempo para insistir em convencê-lo. Por favor me perdoe, já que devo me apressar.
E voltou o rosto para as duas moças na porta, dizendo:
_ Desculpem deixar as duas damas esperando... É hora de fazerem seu trabalho, Elementos.

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